Valor econômico, v.21, n.5036, 06/07/2020. Política, p. A8

 

Feder desiste do MEC após pressão de ala ideológica sobre Bolsonaro

Matheus Schuch

06/07/2020

 

 

Alvo de disputas de diferentes alas do governo, o Ministério da Educação segue sem um titular definido. O secretário de Educação do Paraná, Renato Feder, anunciou publicamente ontem que foi convidado pelo presidente Jair Bolsonaro para assumir a pasta, mas decidiu recusar.

Segundo auxiliares do presidente, a nomeação de Feder já havia sido inviabilizada pela resistência de grupos de evangélicos e olavistas. No fim de semana, Bolsonaro recebeu novas indicações para a Pasta e foi aconselhado a analisar com cautela todas as opções, como forma de diminuir resistências internas e evitar um novo constrangimento, como o da saída precoce de Carlos Alberto Decotelli, que surpreendeu o governo com informações falsas em seu currículo acadêmico e ficou apenas cinco dias no cargo.

Ainda assim, o objetivo do presidente é definir um novo titular nesta semana. Entrou na lista de cotados um nome que chegou às mãos de Bolsonaro no sábado: o reitor da Universidade do Oeste de Santa Catarina (Unoesc), Aristides Cimadon. Em viagem para sobrevoar áreas atingidas por um ciclone, o presidente recebeu a indicação via integrantes da bancada catarinense. Ele deve ir ao Palácio do Planalto nesta semana para uma audiência com o presidente.

Outro grupo envolvido na disputa sobre o futuro do MEC é formado pelos seguidores do guru do bolsonarismo, Olavo de Carvalho, que tentam encampar um nome alinhado a políticas que eram conduzidas pelo ex-ministro Abraham Weintraub, demitido após declarações de afronta a integrantes do Supremo Tribunal Federal (STF). Uma das sugestões levada por esta ala ao presidente é optar por uma solução interna, com a elevação de um dos atuais secretários da pasta ao cargo de ministro. Bolsonaro já avaliou esta possibilidade no início das discussões e ela não está descartada. Entre os nomes apontados estão o do secretário de Alfabetização, Carlos Nadalim, e o da secretária de Educação Básica, Ilona Becskeházy, ambos simpatizantes de Olavo de Carvalho. O advogado Sérgio Sant’Ana, que já foi assessor no MEC e chegou a ser recebido por Bolsonaro antes da escolha de Decotelli, também segue na lista.

A tentativa de retirar de todos os postos importantes do MEC os escolhidos na última gestão, aliás, foi um dos motivos pelos quais o reitor do Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA), Anderson Ribeiro Correia, perdeu força na disputa ao comando da pasta. Ele teria pedido carta branca ao presidente para formar sua equipe, mas Bolsonaro quer manter cargos de relevância com a ala ideológica.

Outro grupo envolvido na disputa para indicação é formado por ministros militares e oficiais de alta patente, que já haviam indicado Decotelli. Mesmo diante do revés, o presidente não descarta escolher outro nome levado por esta ala, que vem defendendo a necessidade de afastar o MEC de polêmicas no campo ideológico. Isso só seria viável, segundo os militares, com uma reviravolta no modus operandi dos dois últimos titulares da pasta, Weintraub e Ricardo Vélez.

Interlocutores do presidente acreditam que o anúncio da preferência por Feder, na sexta-feira, foi uma estratégia para identificar pontos de resistência interna. A tática deverá ser adotada novamente nos próximos dias com outros cotados. O foco em promessas de resultados práticos e de inovação à frente da pasta chamava atenção de auxiliares e do próprio presidente no discurso de Feder, por isso o nome foi considerado favorito. Ele já havia sido cotado antes da escolha de Decotelli. Com a demissão precoce, tentou se cacifar novamente a partir de sua influência no meio empresarial, como proprietário da empresa de produtos de tecnologia Multilaser, e dos contatos no meio político, com apoio de integrantes do Centrão, do governador do Paraná, Ratinho Júnior (PSD), e do ministro das Comunicações, Fabio Faria (PSD).

Bolsonaro estava disposto a desconsiderar o fato de Feder ter doado R$ 120 mil ao governador de São Paulo, João Doria (PSDB), quando concorreu à prefeitura da capital paulista, em 2016, pois entendia que a ligação com seu inimigo político estava no passado. Ao indicar que escolheria Feder, no entanto, o presidente se viu diante da reação de olavistas e integrantes da comunidade evangélica, que militam por um titular que comungue de valores cristãos e conservadores. A aliados, Feder confidenciou que o presidente pediu que ele não se manifestasse sobre o convite antes do próprio Bolsonaro fazer o anúncio. Mesmo respeitando a orientação, foi alvo de reações de grupos do governo. Irritado com a falta de ação do presidente, decidiu fazer, ontem, o anúncio de sua desistência para evitar desgaste e constrangimento.

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Presidente quer manter militância acesa

Fabio Murakawa

Marcelo Ribeiro

06/07/2020

 

 

O presidente Jair Bolsonaro pretende delegar a prepostos, como o gabinete do ódio, blogueiros e sua base mais radical no Congresso, a tarefa de atacar para manter a militância acesa. Ao mesmo tempo, tentará uma aproximação maior com os presidentes da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), a fim de espantar de vez o fantasma do impeachment.

Segundo interlocutores do presidente e fontes do Palácio do Planalto com quem o Valor conversou nos últimos dias, Bolsonaro parece haver compreendido após um ano e meio no cargo que precisa de diálogo e composição para tocar sua agenda conservadora. 

Ao mesmo tempo em que adota uma postura mais leve, Bolsonaro sabe que é preciso contemplar sua base mais fiel. Nesse sentido, além dos deputados bolsonaristas, a criação do Aliança, seu novo partido, deve agregar a base mais radical e conservadora. Ataques, quando necessários, partirão desses setores.

Os diversos revezes que Bolsonaro sofreu nas últimas semanas, afirmam as fontes, deixaram claro que o confronto aberto com o comando do Congresso e os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) só tendem a enfraquecê-lo.

Também contribuem para essa conjuntura favorável à moderação o temor em relação à situação jurídica de seu filho mais velho, o senador Flavio Bolsonaro (Republicanos-RJ), que ficaram maiores após a prisão de Fabrício Queiroz.

Auxiliares, além disso, apontam um outro componente, que seria o “amadurecimento” da ala ideológica do governo. No fim de maio, essa ala incentivou o presidente a adotar um “movimento mais forte, uma solução mais autoritária”, em meio à irritação com o ministro Alexandre de Moraes e a percepção de interferência do STF sobre assuntos de governo.

Bolsonaro chegou a cogitar uma radicalização, mas foi convencido a não cometer loucuras primeiro pelos militares e, depois, pelos fatos.

Contribuiu para isso a “tempestade perfeita” de notícias desfavoráveis, que incluiu um cerco do Judiciário e derrotas no Congresso, além de críticas internas sobre a condução dada pelo governo na pandemia e internacionais relacionadas à política ambiental do governo.

O presidente já vinha se queixando de um certo cansaço há semanas, antes mesmo da prisão de Queiroz. Dizia-se para-raio de crises e injustamente responsabilizado por diversas questões.

A gota d'água para a mudança de postura foi a prisão de Fabrício Queiroz, que colocou uma ameaça concreta à liberdade de Flávio Bolsonaro e ameaçou jogar uma crise policial para dentro do Planalto.

Também a ala ideológica, encabeçada por nomes como o vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ), filho do presidente, o assessor para assuntos internacionais Filipe Martins, e até mesmo membros do chamado “gabinete do ódio” parece ter entendido que é necessário para o presidente compor para tocar a agenda conservadora.

Nas últimas semanas, Bolsonaro vem remodelando o governo e tem tentado reatar laços com o Congresso e o Judiciário. Gestos mais fortes nesse sentido foram a demissão de Abraham Weintraub, que defendeu a prisão de ministros do STF, do Ministério da Educação e a nomeação do deputado Fábio Faria (PSD-RN), ligado ao Centrão, para a pasta das Comunicações.

De acordo com fontes do Planalto, a indicação de Fábio Faria teve o aval de Carlos, algo que seria impensável meses atrás.

Caberá a Faria, que tem excelente trânsito nas duas Casas, fazer a reaproximação de Bolsonaro com Maia e Alcolumbre.

Segundo fontes, Faria já era considerado conselheiro do presidente e seu protagonismo tem gerado ciúmes entre outros auxiliares do Palácio do Planalto, especialmente do ministro da Secretaria de Governo, Luiz Eduardo Ramos, que é responsável pela articulação política. Fontes ligadas a Ramos negam que exista o conflito.

Em um aceno de paz, Bolsonaro convidou Maia e Alcolumbre para viajar com ele durante a cerimônia de prorrogação do auxílio emergencial, que ocorreu no Palácio do Planalto na última terça-feira. “Prezado Alcolumbre, Maia, é uma satisfação tê-los aqui. É um sinal que juntos nós podemos fazer muito pela nossa pátria. Se Deus quiser, outros momentos teremos juntos. Para o bem de todos nós”, disse Bolsonaro durante a cerimônia.

Ao se aproximar da cúpula do Congresso, Bolsonaro tentará evitar novas derrotas para o governo no plenário.

Mesmo com o apoio do Centrão, Bolsonaro foi derrotado, por exemplo, no projeto das “fake news”, que desagrada o presidente, mas acabou aprovado pelos senadores. Resta ainda a votação na Câmara dos Deputados. O presidente já ameaça com um possível veto.

A necessidade de um novo movimento em relação ao Congresso ocorre diante da avaliação de que a cúpula do Poder Legislativo, principalmente no entorno de Maia, vê a “bandeira branca” do presidente com ceticismo.

Entre aliados de Maia, prevalece a percepção de que é preciso “ter um pé atrás”, já que o presidente acenou para uma pacificação entre os outros Poderes em outras oportunidades, mas depois retomou os ataques.

Também no Palácio do Planalto, ninguém é capaz de cravar que a mudança de comportamento do presidente será definitiva. “Atacar é o instinto dele”, diz uma fonte. “É difícil dizer quanto tempo isso vai durar.”