Valor econômico, v.21, n.5036, 06/07/2020. Brasil, p. A2

 

Saúde troca ‘fique em casa’ por ‘vá logo ao médico’ e exalta cloroquina

Fabio Murakawa

06/07/2020

 

 

O Ministério da Saúde está mudando sua política de comunicação e produzindo peças para recomendar que as pessoas procurem logo um médico, assim que sentirem sintomas da covid-19.

A orientação é tirar o foco do “fique em casa”, recomendação dada pela pasta no início da pandemia. Agora o objetivo é ter como foco o tratamento precoce da doença.

“O que nós não queremos é que o paciente caminhe para uma síndrome respiratória aguda grave, porque lá é que pode complicar. A ideia é que o paciente, ao sentir os primeiros sintomas, possa tanto ser testado como ser tratado”, disse ao Valor o secretário de Vigilância em Saúde, Arnaldo Correia de Medeiros. “A ideia não é que você não fique em casa. É que você não fique doente em casa.”

Além de recomendar a ida a um médico logo nos primeiros sintomas, a pasta segue estimulando o uso da hidroxicoloroquina, exaltada desde o início da pandemia pelo presidente Jair Bolsonaro como forma de tratamento da covid-19.

Um vídeo postado no canal do Youtube da Secretaria de Gestão e Trabalho da Educação na Saúde (SGETES) faz propaganda quase “subliminar” do medicamento.

A narradora não faz menção explícita ao remédio. Mas caixas de um genérico de sulfato de hidroxicloroquina são exibidas no momento em que ela diz que as pessoas, “após a devida orientação médica, possam ter a opção de receber a prescrição de medicamentos utilizados para tratar o coronavírus com doses seguras”.

“O Conselho Federal de Medicina já conferiu autonomia aos médicos para a prescrição desses medicamentos e os pacientes poderão optar por recebê-los”, completa.

A recomendação do ministério para o uso da cloroquina e da hidroxicoloroquina, uma variante menos agressiva do remédio, remonta ao dia 20 de maio, no início da gestão de Eduardo Pazuello à frente da Saúde.

Em junho, a pasta ampliou as orientações para o uso da substância, recomendando sua prescrição para gestantes, crianças e adolescentes. Em todos os casos, é necessário o consentimento dos pacientes ou de seus responsáveis.

O vídeo também afirma, logo em sua abertura, que “o Ministério da Saúde elaborou uma orientação para que, em todo o Brasil, as pessoas com sinais e sintomas de covid-19 possam procurar uma unidade de saúde mais próxima logo no início da doença”.

O material, postado no dia 29 de junho, ainda não está disponível nos principais canais do ministério, como o canal de Youtube, o site e as contas da pasta no Instagram e no Facebook.

Fontes explicam que isso ocorre provavelmente porque esse material, assim como outros que indicam a mudança de orientação, ainda está pendente de aprovação pela cúpula do ministério.

Técnicos da pasta, que avalizam a nova política, criticam a demora em atualizar o site e as redes. Isso porque a orientação de ficar em casa em caso de sintomas leves era válida no início da pandemia, mas ainda sob a gestão de Luiz Henrique Mandetta cristalizou-se a percepção de que é melhor procurar um médico antes de o quadro se agravar.

As fontes ponderam que demoras na atualização do site ocorriam desde o início da pandemia. Mas não um atraso tão grande. Questionado sobre a demora, Correia afirmou: “Cada etapa é sua etapa, eu estou aqui há três semanas.”

_________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

Mortalidade por Covid é alta nas grandes cidades 

Bruno Villas Bôas 

Rafael Rosas

06/07/2020

 

 

As mortes por covid-19 seguem afetando fortemente os maiores municípios brasileiros. O país tem 16 cidades com mais de 1 milhão de habitantes e dez delas, se fossem países, estariam entre as nações com maior mortalidade per capita devido à doença. Levantamento feito pelo Valor com base em dados do Ministério da Saúde mostra que Belém e Fortaleza têm taxa de mortalidade pior que San Marino, que, com 1.238 mortos por milhão de habitantes, é o país com a pior relação do mundo.

Com 1.920 mortes por covid-19 desde o início da pandemia e população de 1,492 milhão, Belém lidera a lista com a pior taxa de mortalidade nacional: 1.286 por milhão de habitantes. Fortaleza vem a seguir, com 1.244 mortes por milhão, segundo dados de 3 de julho.

Também são destaques negativos na lista das maiores cidades brasileiras as capitais Recife (1.137), Rio de Janeiro (995) e Manaus (829), conforme dados do Ministério da Saúde.

Na capital da maior região metropolitana do país, São Paulo, a taxa estava em 598 mortes por milhão, acima de Guarulhos (506 mortes por milhão) e Campinas (283 mortes por milhão).

Das 16 cidades brasileiras com mais de 1 milhão de habitantes, apenas Curitiba (82), Porto Alegre (64) e Belo Horizonte (62) têm menos de 100 mortes por milhão de habitantes. Apesar da taxa baixa frente a outras cidades, Porto Alegre vive um aumento de ocupações de leitos de UTI e pode adotar mais medidas de isolamento.

Outros grandes centros urbanos pelo mundo também foram duramente impactados pela pandemia de coronavírus. É o caso da cidade de Nova York, que registrou 22.574 mortes até quinta-feira, o correspondente a 2.719 por milhão de habitantes. É também o caso da Madrid, com 1.267 mortes por milhão de habitantes.

Sobre a taxa de óbitos por milhão de pessoas na cidade do Rio de Janeiro, a secretária extraordinária da Covid no governo do Estado do Rio, Flávia Barbosa, disse o dado pode estar relacionado a uma busca tardia da população por atendimento médico. Segundo ele, isso seria uma realidade no início da pandemia.

“No início, as pessoas já chegava ao hospital com fase tardia da doença. Isso não é mais a realidade”, disse ela, acrescentando que a ocupação dos leitos de UTI no Estado do Rio estariam atualmente em 34%, após chegar a 80% no pior momento da pandemia. “A taxa de mortalidade está em declínio sustentado. Os óbitos, que chegaram a 250 por dia no Estado do Rio em maio, estão atualmente em 25 óbitos por dia.”

Segundo ela, a flexibilização no Estado do Rio estaria sendo feita com em “base epidemiológica”. “No momento, temos bandeira laranja, o que flexibiliza shopping center, comércio de rua, restaurantes”, disse a secretária.

Quando o assunto é a taxa de letalidade (óbitos em proporção ao total de casos confirmados da doença), o município do Rio aparece com 11,4%, quase o triplo da média nacional (4,13%). Os números preocupam em um momento que a cidade e o restante do Estado do Rio iniciaram uma abertura gradual. Nesse caso, como os testes de covid-19 são poucos no Estado do Rio, o número de casos positivos da doença é bastante subnotificado, o que tem reflexos no resultado final da equação, segundo o governo do Rio.