Valor econômico, v.21, n.5035, 03/07/2020. Política, p. A10

 

No STF, Alcolumbre acusa governo de manobra ilegal em privatizações

Luísa Martins

03/07/2020

 

 

O presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), alertou o Supremo Tribunal Federal (STF) sobre uma suposta manobra do governo para privatizar empresas públicas e sociedades de economia mista à revelia do Legislativo. Segundo ele, a Petrobras apresentou um modelo de vendas que consiste em desmembrar a matriz em estatais subsidiárias, cujas alienações não precisam do aval do Congresso Nacional, nem de procedimento licitatório.

Em junho do ano passado, o plenário da Corte decidiu que as privatizações das chamadas “empresas-mãe” (controladoras e holdings) só podem ocorrer após aprovação de lei específica no Congresso, mas o mesmo não vale para a alienação do controle acionário das subsidiárias.

Ontem, em petição enviada ao Supremo no âmbito da ação que resultou nesse entendimento, Alcolumbre diz que o Executivo tem empregado “estratégias formais inconstitucionais para burlar o controle congressual na venda do patrimônio público”.

Em mais um capítulo da crise entre os poderes, ele pede uma liminar para que o STF inclua no acórdão do julgamento que a criação artificial de subsidiárias, com vistas unicamente à privatização, será considerada ilegal e passível de responsabilização. Apesar de o relator original ser o ministro Ricardo Lewandowki, o requerimento deve ser analisado pelo presidente da Corte, ministro Dias Toffoli, em razão do recesso de julho.

Alcolumbre destaca que um posicionamento do tribunal sobre essa questão é urgente para impedir que essa manobra ocorra nos processos de alienação de ativos da Refinaria Landulpho Alves (Rlam), que a Petrobras estima concluir até dezembro, e da Refinaria do Paraná (Repar), cujas propostas de compra devem ser entregues em 13 de agosto.

“A falta de critérios balizadores quanto à liberdade de conformação empresarial em relação às subsidiárias abre espaço para um cenário de fraude, resultado em um esvaziamento do papel congressual na deliberação sobre os bens de domínio da União”, diz.

O modelo de vendas do governo foi detalhado pela própria Petrobras em manifestação recente enviada à Justiça Federal do Rio de Janeiro. Nesse documento, a empresa prevê primeiro a criação das subsidiárias, para depois transferir a elas parte dos ativos da controladora. A etapa seguinte seria a da alienação em si, sem lei específica ou licitação. Os interessados na compra seriam submetidos a um processo de escolha conduzido por um banco internacional.

Para Alcolumbre, trata-se de desvio de finalidade - “uma alienação disfarçada e simulada de ativos do sistema Petrobras sem que a empresa tenha de se submeter ao procedimento licitatório e à autorização do Congresso Nacional, tal como exige a Lei 13.303/16, a Constituição Federal e o entendimento recente do Supremo Tribunal Federal”.

A decisão do tribunal em junho de 2019 foi considerada uma vitória para o presidente Jair Bolsonaro, que buscava ver flexibilizadas as regras para a venda de estatais e dar fôlego ao seu plano bilionário de privatizações. Mais de um ano depois, já em meio a uma crise política, o pedido de Alcolumbre adiciona mais um ingrediente nas tensões que o governo tem tido com os demai poderes da República.

Na época, o julgamento teve um efeito quase imediato: poucos minutos após a sessão ser encerrada, o ministro Edson Fachin liberou a venda da Transportadora Associada de Gás (TAG), subsidiária da Petrobras, para o grupo empresarial francês Engie e o fundo canadense CDPQ, uma transação de US$ 8,6 bilhões.

A Federação Nacional das Associações do Pessoal da Caixa Econômica Federal (Fenae) e a Confederação Nacional dos Trabalhadores do Ramo Financeiro (Contraf), autoras da ação no STF, ainda recorrem da decisão.

As entidades apresentaram embargos de declaração em dezembro, argumentando que o julgamento trouxe “muitas visões divergentes e até mesmo inconciliáveis” sobre o caso, resultando em um acórdão omisso em vários aspectos, inclusive pela supressão de intervenções relevantes do ministro Celso de Mello. O recurso ainda não foi julgado.

De fato, as discussões foram intensas - duraram três sessões plenárias - e os ministros formaram três correntes diferentes de entendimento, prevalecendo ao final um “voto médio”. O posicionamento do ministro Luiz Fux na ocasião foi o que mais chamou a atenção: ele defendeu que, diante da crise fiscal, facilitar as privatizações era algo mais importante em curto prazo do que aprovar a reforma da previdência.

Procurada, a Petrobras não quis comentar. A Advocacia-Geral da União (AGU) disse que só vai se manifestar após a decisão do Supremo sobre o pedido de liminar feito por Alcolumbre.