O globo, n. 31702, 24/05/2020. País, p. 4

 

Os informes de presidente

Aguirre Talento

24/05/2020

 

 

Abin recebeu 1.272 relatórios desde 2019

 O Sistema Brasileiro de Inteligência (Sisbin), coordenado pela Agência Brasileira de Inteligência (Abin), recebeu um total de 1.272 relatórios produzidos por diversos órgãos do governo nos anos de 2019 e 2020. São documentos de inteligência usados para repassar informações estratégicas ao Palácio do Planalto a fim de ajudar na tomada de decisões. Os dados contradizem as reclamações do presidente Jair Bolsonaro de que não estava recebendo informações eficientes desses órgãos e que, por isso, recorria a um sistema “privado” de inteligência que funcionaria melhor. Segundo dados do Sisbin obtidos pelo GLOBO, o sistema recebeu 951 documentos de inteligência ao longo de 2019 e 321 até agora em 2020.

Esses relatórios, a depender da área contemplada, foram encaminhados ao Gabinete de Segurança Institucional (GSI) da Presidência da República ou a setores de inteligência dos ministérios do governo federal. Quem define esse encaminhamento é a Abin, que atualmente é comandada pelo delegado Alexandre Ramagem, policial de confiança de Bolsonaro que ele tentou indicar para comandar a Polícia Federal. A nomeação, entretanto, foi barrada por decisão do Supremo Tribunal Federal (STF). A Polícia Federal, um dos principais alvos de queixas do presidente, produziu 54 relatórios de inteligência que foram enviados para o Sisbin em 2019 e 11 este ano. No vídeo da reunião ministerial realizada no dia 22 de abril, Bolsonaro disse que os serviços de inteligência do país eram “uma vergonha”.

MARINHA ENTREGA MAIS

O GLOBO teve acesso aos temas dos relatórios de inteligência produzidos pela PF em 2019, segundo a classificação feita pela própria corporação. São eles: crime organizado (16), fluxos migratórios (15), terrorismo e extremismo violento (13), contrainteligência (5), conflitos (3), processo decisório e Estado democrático de Direito (1) e segurança cibernética. Na última terça-feira, o exdiretor de Inteligência da Polícia Federal, Cláudio Ferreira Gomes, afirmou em depoimento aos investigadores do inquérito sobre as supostas tentativas de interferências de Bolsonaro na atuação do órgão que o número de documentos de inteligência produzidos pela PF no ano de 2019 foi “superior aos dos anos anteriores”.

O Centro de Inteligência da Marinha foi um dos órgãos que mais produziram esse tipo de informação: foram 221 relatórios destinados ao Sisbin, em 2019, e 62 neste ano. O Centro de Inteligência do Exército enviou 183 relatórios em 2019 e 36 neste ano. O Departamento Penitenciário Nacional (Depen) produziu 113 relatórios de inteligência no ano passado e 19 neste ano. A Subchefia de Inteligência do Ministério da Defesa enviou 90 relatório em 2019 e 44 neste ano.

O Sisbin é composto atualmente por 42 órgãos, que fornecem informações sensíveis para auxiliar o governo na tomada de decisões. Em dezembro de 2019, foi aprovada a entrada de mais cinco órgãos: a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel); a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP); a Comissão Nacional de Segurança Pública nos Portos (Conportos); o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio); e a Secretaria de Operações Integradas do Ministério da Justiça (SEOPI/MJ). O ministro Sergio Moro publicou ontem no Twitter que, ao Ministério da Justiça, não cabe “obstruir investigações da Justiça estadual, ainda que envolvam supostos crimes dos filhos do presidente”. O comentário foi feito a partir de um vídeo de Bolsonaro reclamando de seu ex-ministro por supostamente não tê-lo protegido de supostas operações policiais fraudulentas sobre seus filhos. Logo após a saída de Moro do governo, o superintendente

“O que é meu serviço de informações particular? É o sargento do batalhão do Bope do Rio de Janeiro, é o capitão do grupo de artilharia lá de Fortaleza, é o policial civil que ‘tá’ em Manaus, é meu amigo que ‘tá’ na reserva e me traz informação da fronteira. Este é meu serviço de informação particular que funciona melhor do que este que eu tenho oficialmente, que não traz _ informação” Jair Bolsonaro, presidente

da PF no Rio foi trocado nas primeiras horas de Rolando Alexandre de Souza no cargo de diretor-geral da PF, no dia 4 de maio. No vídeo da reunião de 22 de abril, divulgado ontem pelo ministro do STF Celso de Mello —que apura as denúncias do ex-ministro Sergio Moro de tentativa de interferência do presidente na Polícia Federal —, Bolsonaro reclama por diversas vezes da falta de informações de inteligência e diz que a PF e Abin não o deixavam informado:

— Eu não posso ser surpreendido com notícias. Pô, eu tenho a PF que não me dá informações. Eu tenho as ... as inteligências das Forças Armadas que não tenho informações. Abin tem os seus problemas, tenho algumas informações. Só não tenho mais porque tá faltando, realmente, temos problemas, pô! Aparelhamento etc. Mas agente num pode viver sem informação. Em outro momento da reunião ministerial, Bolsonaro disse que recorria a um sistema “privado” de inteligência que o mantinha informado. Em entrevista à rádio Jovem Pan, na noite desta sexta, Bolsonaro acrescentou que o “sistema particular” de informações que ele citou durante a reunião ministerial é formado por conhecidos dele.

—O que é meu serviço de informações particular? É os argento do batalhão do Bope do Rio de Janeiro, é o capitão do grupo de artilharia lá de Fortaleza, é o policial civil que “tá" em Manaus, é meu amigo que “tá” na reserva e me traz informação da fronteira. Este é meu serviço de informação particular que funciona melhor do que este que eu tenho oficialmente, que não traz informação. Esta sempre foi a minha crítica. Este problema, temos aqui o aparelhamento de instituições e não é fácil mudar isso —afirmou na entrevista.

SUSPEITAS

A suspeita de um sistema paralelo de informações montado no governo Bolsonaro já surgiu diversas vezes na atual gestão (leia quadro abaixo). O exministro Gustavo Bebianno, que morreu em março após um infarto, chegou a fazer a acusação em uma entrevista.

—Um belo dia o Carlos Bolsonaro aparece com um nome de um delegado federal e três agentes que seriam uma Abin paralela. Isso porque ele não confiava na Abin. O general Heleno (chefe do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência) foi chamado. Ficou preocupado. Ma sele não é de confronto, e o assunto acabou comigo e o general Santos Cruz. Nós aconselhamos o presidente anão fazer aquilo porque também seria motivo de impeachment. Eu não sei se isso foi instalado porque depois eu acabei saindo do governo—disse Bebianno, no programa“Roda Viva ”.

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‘Moro, Valeixo sai esta semana’, escreveu Bolsonaro

24/05/2020

 

 

Mensagem de texto foi enviada horas antes da reunião do dia 22 de abril e contradiz versão oficial do Planalto sobre troca na PF

 Enquanto o presidente Jair Bolsonaro afirma que jamais quis interferir na Polícia Federal, mensagens enviadas por ele ao então ministro da Justiça, Sergio Moro, mostram que partiu do próprio Bolsonaro a decisão de trocar o então diretor-geral da instituição, Maurício Valeixo. A conversa foi revelada pelo jornal “O Estado de S.Paulo” e confirmada pelo GLOBO. Segundo o jornal, em uma delas, encaminhada a Moro às 6h26m de 22 de abril, o dia da reunião ministerial tornada pública na sexta por decisão do Supremo Tribunal Federal, Bolsonaro informou pelo celular: “Moro, Valeixo sai esta semana”. Moro respondeu 11 minutos depois, às 6h37m. “Presidente, sobre esse assunto precisamos conversar pessoalmente. Estou ah disposição para tanto (sic)”. Outras duas mensagens foram enviadas ao então ministro. “Está decidido”, disse Bolsonaro, emendando com “Você pode dizer apenas a forma. A pedido ou ex oficio (sic)”.

Moro mencionou a reunião, que aconteceu horas depois, para provar que Bolsonaro pretendia, sim, intervir na PF. Ainda conforme o “Estado”, a série de quatro mensagens consta do inquérito do STF que investiga se Bolsonaro interferiu na Polícia Federal para ter acesso a informações de investigações sigilosas contra seus filhos e amigos, como acusou Moro. O ex-ministro afirma que, durante a reunião, foi constrangido pelo presidente, que cobrou mudanças na corporação.

A versão de Bolsonaro, no entanto, é que foi Valeixo quem pediu para deixar o cargo, alegando cansaço. Em depoimento no inquérito, no último dia 11, Valeixo declarou não ter formalizado um pedido de demissão. Disse ter recebido um telefonema do próprio presidente perguntando se ele concordava que sua exoneração saísse a pedido. O ex-diretor concordou, alegando não ter tido outra opção.