O globo, n. 31694, 16/05/2020. Economia, p. 19

 

Moeda de troca com estados

Geralda Doca

Manoel Ventura

16/05/2020

 

 

Governo pretende negociar socorro em busca de apoio à reabertura gradual
 O governo quer usar a negociação em torno do pacote de socorro aos estados — que ainda depende de uma decisão do presidente quanto ao veto a reajuste de servidores — como moeda de troca para montar uma ação coordenada com os governadores. O objetivo é iniciar a abertura gradual da economia a partir do próximo mês de junho. Os estados, que viram sua arrecadação despencar desde o início da crise, contam com o dinheiro do pacote, que prevê o repasse de R$ 60 bilhões aos governos locais, para combater o coronavírus.

A abertura da economia não seria linear. Começaria nos municípios menos atingidos pela Covid-19 e com normas sanitárias definidas, como uso obrigatório de máscaras, álcool em gel, distanciamento e entrada controlada de consumidores nos estabelecimentos. Para isso, está sendo aguardado o plano do Ministério da Saúde com as diretrizes do governo federal. Nelson Teich, ex-ministro da pasta, havia sido escalado para essa missão. Estados e municípios têm autonomia para aceitar ou não essa abertura gradual idealizada pelo governo federal. Um exemplo foi o decreto presidencial autorizando a volta ao funcionamento de academias, barbearias e salões de beleza no país. Nem todos os governadores concordam com isso e continuarão impondo medidas restritivas de circulação de pessoas. O problema é que muitos estados e municípios necessitam com urgência dos recursos e já falam abertamente na possibilidade de atrasar salários de servidores. O principal ponto em aberto do projeto é a permissão a reajustes salariais. Inicialmente, o projeto previa uma economia de R$ 130 bilhões com o congelamento de salários de servidores por 18 meses. Havia exceção para atividades que lidam diretamente com o combate à pandemia, mas alista de atividades fora do congelamento foi aumentando durante a tramitação e passou a abranger profissionais de saúde, educação e segurança. Com isso, a economia do projeto cai para R$ 43 bilhões. A expectativa é que o presidente JairBol sonar o vete a possibilidade de aumento, atendendo a um pedi dodo ministro da Economia, Paulo Guedes.

A negociação com os estados começa nos próximos dias. Na quinta-feira, o presidente anunciou que terá uma reunião por videoconferência com os governadores. Bolsonaro conversou com o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ). Foi aconselhado por Maia a se reaproximar dos chefes dos executivos locais para encontrar uma solução para os efeitos da pandemia no país. Orientado pela equipe econômica, o Palácio do Planalto trabalha com o próximo dia 31 de maio para iniciar esse processo, data que coincide com o fim do confinamento previsto pelo governador de

São Paulo, João Dor ia—adversáriopolítico deBol sonar o eque estáà frente doestado mais afetado pela pandemia. Integrantes da equipe econômica argumentam que, se não houver um movimento coordenado, a abertura ocorrerá de qualquer jeito e será descontrolada.

A equipe econômica sustenta que a economia brasileira não suporta mais dois meses de fechamento e teme falências de empresas. Especialistas ponderam, porém, que o isolamento social dos que podem ficar em casaéamed ida acertada para conter a disseminação do coronavírus eque cabe ao Estado ajudar aparcelada população mais vulnerável. Em uma entrevista no fim da tarde de ontem no Palácio do Planalto, o ministro Paulo Guedes afirmou que não concorda com o uso de "cadáveres para fazer palanque". Ele não se dirigiu diretamente

aos governadores, mas fez as críticas logo após enumerar medidas direcionadas a estados e municípios. —Vamos nos aproveitar de um momento desse, da maior gravidade, de uma crise de saúde, e vamos subir em cadáveres para fazer palanque? Vamos subir em cadáveres para arrancar recursos do governo? Isso é inaceitável, a população não vai aceitar. A população vai punir quem usar cadáveres como palanque —disse Guedes. Para Guedes, o país é um gigante que pode ser saqueado. — Na hora que estamos fazendo esse sacrifício, é inaceitável que tentem saquear o gigante que está no chão. Que usem a desculpa da crise da saúde para saquear o Brasil na hora que ele cai. Nós queremos saber o que podemos fazer de sacrifício pelo Brasil nessa hora e não o que o Brasil pode fazer por nós —afirmou.

 PEDIDO DE CONTRIBUIÇÃO

O ministro da Economia voltou a criticar a possibilidade de aumento de servidores públicos durante a crise. Disse que as "medalhas" são dadas apenas após a guerra, e não agora.

— As medalhas são dadas após a guerra, não antes da guerra. Nossos heróis não são mercenários. Que história é essa de pedir aumento de salário porque um policial vai à rua exercer sua função? Ou porque um médico vai à rua exercer sua função? Se ele trabalhar mais por causa do coronavírus, ótimo, ele recebe hora extra. Mas dar medalhas antes da batalha? As medalhas vêm depois da guerra, depois da luta —disse o ministro. Um dos fatores, porém, que levaram o presidente a atrasar a sanção ao projeto foi o compromisso com a aprovação no Congresso de um reajuste de até 25% para policiais do Distrito Federal, que já são os mais bem pagos do país. Guedes não comentou o aumento. — Nós vamos nos lembrar disso, vamos botar o quinquênio, o anuênio, o milênio, o eugênio, tudo que for preciso. Mas não antes da batalha —disse Guedes. O ministro pediu apoio do Congresso, de governadores e de prefeitos para um eventual veto dos reajustes. —Não vamos tirar nada de ninguém. Só vamos pedir uma contribuição. Por favor, enquanto o Brasil está de joelhos, nocauteado, tentando se reerguer, por favor, não assaltem o Brasil —afirmou. Guedes disse que as críticas de Bolsonaro ao isolamento social são "alertas". — Essa segunda onda que o presidente tem nos alertado pode nos remeter a um país onde as prateleiras estão vazias —completou.

"As medalhas são dadas após a guerra, não antes da guerra. Nossos heróis não são mercenários. Que história é essa de pedir aumento de salário porque um policial vai à rua exercer sua função?" _ Paulo Guedes, ministro da Economia