O globo, n. 31694, 16/05/2020. Opinião, p. 2

 

Acabam as dúvidas sobre referência do presidente à PF em reunião

16/05/2020

 

 

Até material divulgado pela AGU comprova que Bolsonaro não falava de sua segurança pessoal
A projeção do vídeo da reunião ministerial de 22 de abril, feita terça-feira, deixou em pessoas que assistiram à gravação a convicção de que o presidente Bolsonaro, ao se exaltar quando reclamava de não poder fazer mudanças na sua "segurança", garantindo que as faria mesmo que tivesse de trocar "o chefe" e o ministro, referia-se mesmo à Polícia Federal, em que estava na direção-geral Maurício Valeixo, e ao ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro. Depoimentos que se seguiram neste inquérito, tendo à frente o ministro do Supremo Celso de Mello e conduzido pelo procurador-geral da República, Augusto Aras, não contestam este entendimento.

O suposto problema de interpretação é uma tentativa da defesa do presidente de protegê-lo da acusação pública do ex-juiz Sergio Moro de que o presidente desejava intervir na PF, para conseguir informações que o ajudassem a tomar decisões, função que é da Agência Brasileira de Inteligência (Abin). Onde estava Alexandre Ramagem, chefe da segurança do presidente na campanha, e de quem o ainda candidato e filhos se aproximaram. Ramagem, convidado por Bolsonaro, foi impedido de assumir a PF por liminar do ministro Alexandre de Moraes,doSTF, e voltou para a Abin. Na atual crise na saúde,em que o presidente afastou mais um ministro, Nelson Teich, ficou ainda mais exposta a forma como Bolsonaro atua na Presidência, sem preocupação com limites legais e sem ouvir conselhos de especialistas. Quem não ouve médicos sobre a inadequação de um medicamento no tratamento da Covid-19 também não entenderá que uma polícia judiciária, a PF, não pode compartilhar investigações. Também nada verá de aético em proteger filhos e "amigos" que estejam em algum inquérito na área federal.

O modo autoritário, voluntarioso, sem cuidado com regras, de Bolsonaro agir aparece no depoimento do delegado Alexandre Saraiva, da superintendência da PF do Amazonas, que disse ter sido sondado em 2019 por Alexandre Ramagem, a pedido de Bolsonaro, sobre o interesse em dirigir a Polícia no Rio de Janeiro, estado do presidente. Uma ação sub-reptícia, ao largo do ministro Moro e de Valeixo.

Celso de Mello irá assistir ao vídeo na segunda-feira, quando se espera que o divulgue, para que se conheça todo o contexto da reunião. A falsa discussão sobre o verdadeiro sentido da palavra "segurança", usada por Bolsonaro, não resiste ao que disse o presidente num trecho divulgado pela própria Advocacia-Geral da União (AGU), no qual ele reclama que a PF não lhe dá informações, nem as Forças Armadas. (...)