O Estado de São Paulo, n.46251, 04/06/2020. Política, p.A11

 

Parlamentares recorrem ao MPF contra Camargo

Julia Lindner

Vera Rosa

04/06/2020

 

 

Entidade também reage após presidente da Fundação Palmares chamar movimento negro de ‘escória’; citada em áudio presta queixa

Palmares. Sérgio Camargo afirmou em reunião com assessores que em sua gestão a fundação não vai liberar recursos para terreiros

Um grupo de parlamentares pediu que o Ministério Público Federal (MPF) instaure inquérito para investigar afirmações do presidente da Fundação Palmares, Sérgio Camargo, que classificou o movimento negro de “escória maldita”. A entidade Educação e Cidadania de Afrodescendentes e Carentes (Educafro) também apresentou representação ao MPF contra Camargo, por crime de racismo.

Os áudios de uma reunião a portas fechadas, no dia 30 de abril, foram revelados ontem pelo Estadão. Os parlamentares consideram que o presidente da autarquia cometeu crime de responsabilidade. Entre os deputados que assinam o documento estão Áurea Carolina (PSOL-MG), Benedita da Silva (PT-RJ), Talíria Petrone (PSOL-RJ), Bira do Pindaré (PSB-MA), Damião Feliciano (PDT-PB), David Miranda (PSOL-RJ) e Orlando Silva (PCdoB-SP).

Para eles, Camargo promove o “desvirtuamento dos objetivos legais” da fundação que comanda, criada para promover e preservar a cultura negra, o que configura desvio de finalidade, abuso de poder e improbidade administrativa. “Não podem as instituições públicas permitir que o presidente da fundação, seguindo o ideário bolsonarista de promoção de ódio e de intolerância, contrarie as normas legais que fundaram e devem orientar a atuação do gestor público”, diz o documento.

Ao Estadão, Orlando Silva afirmou que é “inaceitável ter um racista à frente da Fundação Palmares”. “Ali é lugar de promover políticas para superar o racismo estrutural, não fazer proselitismo político.” David Miranda disse que as falas de Camargo demonstram que ele está “operando para manter o racismo estrutural no País”. “Ele está fazendo apologia à violência contra a população negra”, afirmou o parlamentar.

Até a conclusão desta edição, o Palácio do Planalto não tinha se manifestado sobre o caso.

Queixa. No áudio ao qual o Estadão teve acesso, Camargo também afirma que não vai destinar “um centavo” para terreiros, em referência aos locais usados por religiões de matriz africana. Ele também ofende Adna dos Santos, conhecida como Mãe Baiana, ao chamá-la de forma pejorativa de macumbeira. Ontem, ela prestou queixa contra Camargo na Delegacia Especial de Repressão aos Crimes por Discriminação Racial do Distrito Federal.

“Tem gente vazando informação aqui para a mídia, vazando para uma mãe de santo, uma filha da puta de uma macumbeira, uma tal de Mãe Baiana, que ficava aqui infernizando a vida de todo mundo”, disse Camargo, na reunião, numa referência a Adna dos Santos.

Mãe Baiana é uma das lideranças mais atuantes do candomblé no Distrito Federal e ocupa cargo de coordenadora de Políticas de Promoção e Proteção da Diversidade Religiosa da Subsecretaria de Direitos Humanos e Igualdade Racial no governo distrital. Ela também atuou na Fundação Palmares por cerca de quatro anos.

Ao Estadão, Mãe Baiana afirmou que ficou assustada com as declarações de Camargo porque não o conhece. Ela afirmou que fez Boletim de Ocorrência na delegacia pelo respeito que possui “pela sua comunidade e por sua ancestralidade”. Também defendeu que Camargo precisa respeitar a função, já que tem como papel promover políticas públicas.

Já a Educafro considerou que Camargo incorreu no artigo 20 da Constituição que veda “praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional”.

Em nota divulgada anteontem, Camargo lamentou o que chamou de “gravação ilegal” de uma reunião interna. Afirmou que a Palmares está em “sintonia” com o governo Bolsonaro.

‘Racismo estrutural’

“É inaceitável ter um racista na Palmares. Ali é lugar de promover políticas para superar o racismo estrutural, não fazer proselitismo político.”

Orlando Silva

DEPUTADO (PCdoB-SP)

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Bolsonaro confirma intenção de recriar pasta da Segurança

Julia Lindner

04/06/2020

 
 

Presidente afirma que ‘possibilidade’ existe, mas não cita data nem nomes para o cargo; Alberto Fraga é cotado

O presidente Jair Bolsonaro confirmou que tem intenção de recriar o Ministério da Segurança Pública. Como mostrou o Estadão, a decisão já é dada como certa nos corredores do Palácio do Planalto, mas ainda não tem data para ser efetivada. “Existe a possibilidade”, afirmou Bolsonaro na noite de anteontem.

O presidente tem um encontro hoje com o líder da Frente Parlamentar da Segurança Pública – a chamada bancada da bala –, Capitão Augusto (PL-SP), para tratar do assunto. Segundo o deputado, a ideia é que a recriação ocorra até julho. O nome indicado pela bancada para assumir a pasta é o do ex-deputado Alberto Fraga (DEM), que é amigo de Bolsonaro.

“Se decidir voltar (com o Ministério da Segurança Pública), já vou anunciar o nome do ministro antes de começar a tramitar o projeto”, afirmou Bolsonaro, em referência ao fato de que a criação de pastas deve passar pelo Congresso.

Questionado por jornalistas, Bolsonaro não quis se comprometer com a indicação de Fraga. “Não vou dizer que seja ele nem que não seja. Sou amigo do Fraga desde 1982. Ele está livre de todos os problemas que teve aí, é um grande articulador. Ele é cotado aí, mas nada de bater o martelo não”, declarou.

Bolsonaro afirmou que o escolhido “tem que ser alguém que entenda do assunto” da segurança pública.

A ideia de dividir a pasta ganhou força com a exoneração do ex-ministro Sérgio Moro, que exigiu a unificação da Justiça e da Segurança Pública em um superministério antes de assumir o cargo. Com a mudança, a estrutura hoje comandada por André Mendonça ficaria esvaziada, sem seus órgãos mais importantes, como a Polícia Federal, o Departamento Penitenciário Nacional (Depen) e a Polícia Rodoviária Federal (PRF).

Quando assumiu o cargo, no fim de abril, André Mendonça chegou a sondar o coronel Araújo Gomes, ex-comandante da Polícia Militar de Santa Catarina, para assumir a Secretaria Nacional de Segurança Pública.

A nomeação, no entanto, não saiu e o cargo está vago desde a demissão do antigo titular da secretaria, o general Teophilo Gaspar, no início do mês passado. “Eu estou em conversa com o ministro (Mendonça), mas em relação à Secretaria Nacional da Segurança Pública. Nos próximos dias é que vou saber como vai se encaminhar”, afirmou o coronel.

Depoimento. Na mesma entrevista, Bolsonaro afirmou que pode prestar depoimento presencialmente à PF no inquérito que investiga se houve interferência política na corporação. Para ele, o inquérito acabará sendo arquivado. “A PF vai me ouvir, estão decidindo se vai ser presencial ou por escrito, para mim tanto faz”, afirmou o presidente. “Posso conversar presencialmente com a Polícia Federal, sem problema nenhum.”

Na semana passada, a PF afirmou ser “necessária a realização” do depoimento de Bolsonaro.