Correio braziliense, n. 20874 , 18/07/2020. Cidades, p.13

 

Pacientes vão à justiça por um leito de UTI

Alan Rios

18/07/2020

 

 

Há casos em que pessoas em estado grave por causa da covid-19 ficam mais de 24h sem o atendimento necessário da unidade de terapia intensiva. Secretaria de Saúde, porém, reafirma o reforço nos leitos especiais e a ampliação dos hospitais de campanha

A luta contra o novo coronavírus torna-se ainda mais difícil quando os casos confirmados evoluem e há necessidade de internação na unidade de terapia intensiva (UTI). Esse tem sido o drama de diversas famílias do Distrito Federal, que sofrem, ao mesmo tempo, com a dificuldade de lidar com a doença e com a burocracia pela transferência para leitos adequados. Apenas ontem, em relatório atualizado às 17h pela Secretaria de Saúde, 29 pessoas com suspeita ou confirmação de covid-19 aguardavam vaga de UTI, sendo que 18 estavam em estado grave. Muitas vezes, é preciso recorrer à Justiça para conseguir esse direito. A Defensoria Pública recebeu 61 pedidos de pacientes no mês passado, número crescente desde maio, quando houve 15.

Oito unidades de saúde do DF, entre públicas e particulares, contavam com pelo menos um leito com suporte para hemodiálise ontem, algo necessário em diversos quadros graves. A taxa de ocupação total de leitos de UTI chegou a 85%. Esse cenário fica mais delicado quando as estatísticas se transformam em histórias. O morador de Ceilândia Marcos Alves, 37 anos, perdeu a mãe para o coronavírus após dias de angústia e processos judiciais. “Ela começou a passar muito mal, com aqueles sintomas de como se estivesse gripada e teve perda do olfato. Meus irmãos a levaram ao hospital particular, porque ela tinha um plano de saúde que cobria consultas e exames, mas os médicos disseram que ela estava debilitada e precisava de uma UTI urgente”, conta o agente de operações.

Suporte

 Nadir Simplicio, 58, foi intubada, e a família começou a procura por leitos. Na rede pública, Marcos ouviu que precisaria entrar com um pedido de internação pela Defensoria Pública. “Foi uma sensação muito ruim, de impotência. Porque a gente não tinha condição de mantê-la na rede particular, não podia nem ficar perto dela por conta do vírus, os médicos estavam pedindo urgência e a gente em uma correria”, detalha. Quando os familiares foram à Justiça, descobriram que havia 87 pessoas em uma lista de espera para leitos de UTI, segundo Marcos. “A gente via que tinha leito disponível no site da Secretaria de Saúde, mas, na prática, era outra história. Ao mesmo tempo, uma amiga da minha esposa passou pelo mesmo problema com o irmão”, lembra.

Nadir foi transferida, dois dias depois do pedido de urgência, para um leito do Sistema Único de Saúde (SUS) de outra unidade privada. “Essa demora complicou muito. Ela chegou com o coração fraco”, lamentou o filho. “Na semana seguinte, Nadir faleceu. Nessas horas, passa muita coisa pela cabeça. A sensação é de que a minha mãe poderia ter tido outro destino se o procedimento fosse outro. É triste”, desabafa Marcos. Por causa dos dias em que ela passou no primeiro hospital, a família foi cobrada em R$ 21 mil.

Apesar de cada caso ter uma especificidade, especialistas alertam que a demora no atendimento pode ser fatal. “Quanto mais tarde se atende ao paciente, pior será o prognóstico e pior o quadro tende a evoluir”, diz a infectologista Ana Helena Germoglio, do Hospital Brasília. Segundo ela, um leito de UTI não é só uma cama, mas um suporte essencial. “Para pacientes graves, é fundamental, pois envolve toda uma parte física e operacional. Ali, a pessoa recebe a atenção de médicos, enfermeiros, técnicos em enfermagem, fisioterapeutas, odontologistas, nutricionistas. Tudo isso é vital”, ressalta.

Pacientes que receberam esse apoio hoje são gratos pela vida. Marcos Antônio Lima, 49, hoje está em casa, em Ceilândia, curado da covid-19, mas também precisou aguardar a liberação de leito. “Dei entrada na emergência em 24 de junho, fui examinado e constatou-se que o meu quadro era gravíssimo. Eu estava com 69% de saturação, febre de mais de 38 graus e vômitos constantes. A indicação era de internação em UTI imediatamente, com risco de morte”, contou o professor. Sem leito disponível, os familiares acionaram a Defensoria Pública. A irmã Marilda Lima, 46, descreve a espera como um “dia de pânico”. “Consegui abrir o pedido pela Defensoria Pública às 17h e só finalizou às 22h. Fiquei a noite inteira acordada, sabendo que ele estava em estado grave e poderia não resistir”, relata.

Até conseguir o leito, Marcos sofreu. “O mundo passou pela minha cabeça. Vida, morte, tudo. Mas o que mais me mantinha na luta era o meu filho, de 11 anos, que ainda precisa muito de mim. Era a principal força da minha vontade de vencer aquele momento”, diz. O leito foi disponibilizado após 26h. O ápice da gravidade surgiu quando Marcos ficou com 75% dos pulmões comprometidos. Mas os cuidados na UTI reverteram o quadro. “Se não fosse isso, eu não estaria contando a minha história. Devo a minha vida a Deus, à minha esposa, à minha irmã, a toda a minha família, amigos, conhecidos e até desconhecidos, que ajudaram a entrar com pedido na Justiça”, agradece.

Critérios

A Secretaria de Saúde informou, em nota, que “os leitos de UTI são regulados pelo Complexo Regulador, que funciona 24 horas, seguindo critérios clínicos, priorizando os casos de acordo com a gravidade”. A pasta acrescenta que “um dos objetivos da central é direcionar o paciente ao leito com suporte necessário o mais breve possível”. A nota ressalta que há pacientes que precisam de leitos específicos, como suporte de hemodiálise.

“A SES tem aumentado, gradativamente, o número de leitos para covid-19 com suporte de ventilação mecânica. O DF conta com 657 leitos, sendo 128 vagos. Também foi feito um acordo com a rede privada, garantindo mais 35 leitos de UTI. Na segunda-feira, foi inaugurado o hospital modular anexo ao HRC, com 73 leitos para a covid-19. Por fim, as obras do hospital de campanha na Ceilândia também tiveram início nesta semana, com prazo de término de 60 dias e 60 leitos”.

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Ceilândia reabrirá comércio na 2ª feira

Cibele Moreira

18/07/2020

 

 

O decreto que autoriza o funcionamento das atividades não essenciais nas regiões de Ceilândia, Sol Nascente e Pôr do Sol foi publicado, ontem, no Diário Oficial do Distrito Federal. A região lidera o número de casos e de mortes no Distrito Federal. Mesmo assim, com a perspectiva de reabertura na próxima segunda-feira, comerciantes mostram-se otimistas com a retomada. Dona de um estabelecimento de artigos de decoração, Márcia de Freitas Lima, 46 anos, relata que a vontade de abrir, mesmo não podendo, é grande. No período em que o funcionamento da loja estava impedido, ela atendeu apenas por delivery. “Nunca é a mesma coisa. A gente manda a foto para o cliente, mas, às vezes, voltamos com o produto, porque ele não gostou. Espero ter um aumento de 60% nas vendas com a loja aberta”, prevê.

Na primeira fase de reabertura, ela explica que houve uma procura boa. “O pessoal estava doido para comprar. Tivemos bastante movimento. Agora, é torcer para não fechar mais”, ressalta. Com álcool em gel disposto no balcão e avisos em vários pontos da loja para o uso da máscara, Márcia afirma que está preparada para o retorno.

Fabiano Rodrigues, 35, tem uma loja de utilidades no Sol Nascente e reclama do fechamento do comércio apenas em Ceilândia. “Fecha aqui, e as pessoas vão para Taguatinga comprar, não adianta. Preciso pagar as contas, preciso da loja aberta. O setor aqui é bem carente de loja de utilidade, a gente vende álcool em gel, máscaras, itens necessários para a população combater o coronavírus”, pontua.

Para o cabeleireiro Elismar Rodrigues a notícia da reabertura foi vista com descrença. “Será que vai abrir mesmo? Fica nesse abre e fecha, que eu nem sei mais. Não tem como manter fechado. O aluguel aqui é de R$ 700. Se eu não pagar em dia, eu perco o espaço. Tenho uma família para sustentar. O auxílio do governo não dá”, conta. Com um cliente por vez, e fazendo a higienização das cadeiras e do espaço sempre que possível, além do uso de máscara, ele destaca que é possível para funcionar com segurança. “O problema não está no comércio. O ônibus circula lotado, as pessoas fazem festa com aglomeração, mas a culpa sempre cai nos comerciantes”, avalia.

Balanço

84

Total de pacientes na lista de espera por leitos de UTI, sendo 29 de casos suspeitos ou confirmados de covid-19

86,52%

Taxa de ocupação total de leitos de UTI com suporte de ventilação mecânica

8

Número de hospitais em todo o DF com pelo menos um leito de UTI com suporte para hemodiálise