Correio braziliense, n. 20874 , 18/07/2020. Brasil, p.4

 

Muito longe da imunidade

Maria Eduarda Cardim

Renata Rios

Jailson R. Sena*

18/07/2020

 

 

A pandemia do novo coronavírus abriu a discussão sobre um conceito até então desconhecido fora da comunidade científica: a “imunidade de rebanho”. Trata-se de uma definição veterinária utilizada quando a maioria dos indivíduos está imunizada contra uma doença, o que acaba protegendo os demais. Mas, mesmo ultrapassando a marca de dois milhões de infectados, o Brasil está longe de obter a “imunidade de rebanho” e não é bom forçar para que se chegue a ela. Especialistas alertam para o risco de se pensar que algo assim seria conseguido abandonando as medidas de defesa contra a covid-19. Afirmam que o resultado seria uma disparada no número de mortes. Além disso, tal conceito não tem eficácia comprovada.

“Essa imunidade é transmitida via contato de pessoas que tiveram a doença e criaram os anticorpos, que é transmitido para as demais quando estão juntas, e mesmo para quem não teve a doença”, explica o clínico-geral Marcos Pontes.

Má aposta

Médico epidemiologista e professor da Universidade de Brasília (UnB), Jonas Brant reforça que o risco de se partir para a “imunização de rebanho” é um risco alto. “Estamos muito longe dessa realidade. Não é uma boa aposta, pois, além de termos poucos estados com uma taxa tão alta de contaminação, o número de mortes seria muito elevado”, alerta o especialista, que informa que os modelos matemáticos sugerem que seriam preciso 70% da população imunizada para a covid-19.

“Para alcançar essa imunidade, estima-se que pelo menos entre 50 e 80% da população precisa estar imune ou ser, de fato, exposta ao vírus. Uma pesquisa realizada por uma universidade de prestígio no Brasil encontrou em Manaus, por exemplo, 14% de prevalência de anticorpos, que não é suficiente para a ‘imunidade do rebanho’”, explicou.

Na última terça-feira, o diretor do Departamento de Doenças Transmissíveis da Organização Pan-Americana de Saúde (Opas), Marcos Espinal, afirmou que não há evidências de que o Brasil ou qualquer área do país tenha conseguido alcançar a “imunidade de rebanho”. Ele reforçou que não recomenda que países tentem obtê-la, já que a perda de vidas seria maciça. Como a infecção não é tão leve quanto outras, não é possível que todos se contaminem ao mesmo tempo e se imunizem da mesma forma. Essa ideia poderia sobrecarregar o sistema de saúde.

Brant também salienta que ainda não se sabe se a covid-19 gera imunidade em quem contraiu a doença. “Temos visto alguns relatos de pessoas que se infectaram mais de uma vez, mas ainda são casos isolados. É preciso saber mais sobre essas ocorrências, que ainda são poucas”, destacou.

O médico alerta, ainda, que a covid-19 pode se tornar uma doença sazonal. “Outros coronavírus já mostraram que têm uma imunidade temporária, de quatro a seis meses. Isso pode fazer com que comecemos a ter uma doença sazonal. É provável que tenhamos que aprender a lidar com esse vírus”, observou.

*Estagiário 

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Platô da infecção abre chance de deter covid

Bruna Lima

Maria Eduarda Cardim

18/07/2020

 

 

OMS vê estabilização, em alto patamar, na transmissão da doença no Brasil. Alerta que, com ações corretas, a “janela de oportunidade” permitiria a redução do contágio. Mas, pelo quarto dia consecutivo, o país teve mais de mil mortes pelo novo coronavírus em 24 horas

Ainda que a epidemia do novo coronavírus no Brasil mostre tendência de uma estabilização, como destacou a Organização Mundial de Saúde (OMS), não representa que a sociedade possa abandonar as medidas de precaução. Ontem, o organismo internacional avaliou que, no momento, o Brasil tem uma “janela de oportunidade” para que, com medidas efetivas, consiga frear a progressão da covid-19, conforme salientou o diretor de emergências sanitárias Michael Ryan.

“Há um platô. O Brasil tem, agora, a oportunidade de frear a doença e conter a transmissão do vírus, de tomar o controle”, avisou.

Este platô não indica uma curva de descida na infecção, mas somente que o número de pessoas atingidas e de mortes tende a se estabilizar. “O Brasil está sustentando o patamar mais alto de casos e óbitos a que chegou desde o início. Isso é péssimo. Se comparamos com ondas, é como um tsunami que não passa. Trata-se de uma média nacional, resultado de variações para cima e para baixo em cada cidade, a maioria para cima”, alerta o sanitarista da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) do Distrito Federal, Claudio Maierovitch.

Na avaliação do diretor médico da Dasa, Gustavo Campana, diferenças no isolamento e nas medidas de restrição de cada localidade influenciam nas curvas. “Essas diferentes curvas vistas no Brasil têm relação com hábitos de isolamento de cada uma das regiões. A gente teve menor isolamento no Norte e no Nordeste, daí porque tiveram o pico precocemente. No Sul, a gente sabe de várias cidades que tiveram isolamento mais forte no começo e, por isso, demorou mais para subir”, observou.

Fator que influencia diretamente na formação do platô é a taxa de transmissão do vírus, que, segundo a OMS, tem demonstrado queda desde o fim de junho. O índice varia de 0,5 a 1,5, atualmente, sendo que, na fase de maior explosão de casos, estava entre 2 e 1,5. Taxas acima de 1 indicam que a transmissão do vírus ainda ocorre de forma descontrolada.

Outro comportamento que mostra que o coronavírus avança descontrolado pelo país é a velocidade com que se alastra em municípios do interior. Desde a semana 24, a distribuição de casos entre metrópoles e cidades menores se igualou e, atualmente, 57% das infecções novas ocorrem no interior.

“Experimentamos a consequência das diversas ondas de chegada do vírus no contexto geográfico. Em diferentes lugares, a epidemia está em estágios também distintos. E como não conseguimos realmente controlar, tende a ficar estável, mas em um nível alto. Em certo sentido, é o que ocorre nos Estados Unidos, mas lá as ondas ficam mais perceptíveis. Aqui, aparentemente é mais contínuo”, explicou o pesquisador José Alexandre Diniz Filho, professor do Departamento de Ecologia da Universidade Federal de Goiás (UFG).

Média alta

Ontem, pelo quarto dia consecutivo, o Brasil confirmou mais de mil mortes pelo novo coronavírus em 24 horas. Foram 1.163 novas mortes pela covid-19 e, com isso, o país soma 77.851 vítimas da doença. Também foram contabilizadas 34.177 infecções e, no total, 2.046.238 brasileiros foram diagnosticados positivamente com o vírus.

É justamente pelo comportamento heterogêneo da doença no país que não se consegue baixar os números de mortos e infectados coletados diariamente. No fechamento da semana epidemiológica 28, a observação é de que há uma acentuada aceleração de novos casos de covid em estados como Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Goiás, Tocantins, Pernambuco, Minas Gerais, São Paulo, Santa Catarina, Rio Grande do Sul. Em mais da metade das unidades federativas, as mortes continuam crescendo ou não conseguiram desacelerar nos incrementos.

Das 27 unidades da Federação, 20 já acumulam mais de mil mortes cada. A última a atingir o patamar foi Goiás, que registrou, ontem, 1.029 óbitos. Quem lidera o ranking nacional é São Paulo, com 19.377 óbitos pelo novo coronavírus. O Rio de Janeiro é o segundo, com 11.919 vítimas fatais da doença. Os dois são os únicos estados que têm mais de 10 mil mortes.

Em seguida estão Ceará (7.165), Pernambuco (5.869), Pará (5.448), Amazonas (3.118), Bahia (2.738), Maranhão (2.640), Espírito Santo (2.174), Minas Gerais (1.904), Rio Grande do Norte (1.526), Paraíba (1.446), Alagoas (1.365), Paraná (1.292), Mato Grosso (1.268), Rio Grande do Sul (1.166) e Sergipe (1.088), Piauí (1.065) e Distrito Federal (1.060). Atualmente, apenas os EUA têm números absolutos mais altos do que o Brasil.