O globo, n. 31698, 20/05/2020. Especial Coronavírus, p. 6

 

Sem ministro, pais tem 1.179 mortos em um dia

Leandro Prazeres

Naira Trindade

Natália Portinari

20/05/2020

 

 

Há cinco dias sem um titular à frente do Ministério da Saúde, o Brasil bateu mais um recorde ontem e ultrapassou a marca de mil mortes registradas em 24 horas por Covid-19. Foram 1.179, somando quase 18 mil óbitos pela doença. Insatisfeito com os últimos ministros,o presidente Jair Bolsonaro sinalizou ontem que não tem pressa para decidir o futuro da pasta. Enquanto isso, Eduardo Pazuello, general da ativa do Exército,que substitui Nelson Teich interinamente desde sábado, vem dando nova cara ao ministério: ontem, ele nomeou nove militares para postos estratégicos.

Bolsonaro evitou entrevistas coletivas em Brasília ontem. Ao jornalista Magno Martins, que mantém um blog, o presidente disse que, por ora, Pazuello segue interinamente no cargo:

—Por enquanto, deixa lá o general Pazuello, está indo muito bem. É um gestor de primeira linha — afirmou.

— É um tremendo de um gestor, está fazendo um excepcional trabalho lá.

QUEBRA DE HIERARQUIA

Na mesma entrevista, o presidente voltou a minimizar os impactos do coronavírus no país, menos de uma hora depois da divulgação dos novos números sobre a doença.

— Parece que, no Brasil, só tem gente com problema de vírus. Tem gente com dor no peito que não vai para o hospital para não se contaminar. Acaba enfartando em casa — disse, em outro momento, acrescentando que “em poucos locais, faltaram respiradores e leitos de UTIs”, problemas que já afetam as capitais com maior número de casos, como Manaus e Rio.

A pessoas próximas, Bolsonaro disse que pode manter Pazuello até o fim da situação de emergência da pandemia. A intenção é evitar o desgaste de nomear alguém que não faça parte do seu círculo de confiança. No Planalto, o sentimento é que a experiência com Teich mostrou que “agora, não é hora de um médico que não aguenta a pressão, mas de um gestor”.

O ministro interino afirmou a interlocutores que não será efetivado, porque isso seria uma quebra da hierarquia militar —sendo general da ativa, Pazuello está um nível abaixo dos generais da reserva que ocupam espaços no Palácio do Planalto. Em respeito a essa lógica,tem dito que deve permanecer como interino.

OS NÚMEROS DA DOENÇA

Políticos do centrão próximos ao governo também vêm aconselhando Bolsonaro a manter Pazuello. O argumento é que, por ser um militar, ele seguiria as ordens impostas por Bolsonaro sem questionamentos, ao contrário de um médico, como foram os dois ministros anteriores.

Edison Bueno, pesquisador e professor de saúde coletiva da Unicamp, acredita que “pior do que não ter ministro é a falta de coordenação no ministério”:

—Até agora vimos posições antagônicas entre o governo federal, estados e municípios.

A população não sabe como olhar a epidemia, já que algumas autoridades falam em flexibilização da quarentena ou que o país já atingiu o pico de casos, e, enquanto isso, a realidade se impõe. O pior é que vemos cada vez mais casos na periferia.

Na interinidade, Pazuello tem formado sua equipe, valorizando militares. Além de nomeações para assessoramento do ministro, os militares ocuparam cargos na área de finanças do Fundo Nacional de Saúde e na área de avaliação do Sistema Único de Saúde (SUS).

As nomeações foram publicadas na edição de ontem no Diário Oficial da União, elevando para 16 o número de militares na pasta. Uma consulta ao Portal da Transparência indica que os escolhidos por Pazuello são militares ou estão lotados em cargos subordinados ao Comando do Exército. A chegada de militares ao Ministério da Saúde ainda durante a gestão de Nelson Teich foi um dos elementos que causaram o isolamento do ex-ministro dentro da pasta. A nomeação desses quadros para postos de chefia gerou desconfiança no corpo técnico do Ministério da Saúde. Segundo relatos, servidores temiam um ministério “tutelado” por pessoas sem conhecimento amplo sobre o SUS.

Para cargos de assessoria, Pazuello nomeou Alexandre Magno Asteggiano e Luiz Otávio Franco Duarte, sendo o último como assessor especial do ministro. Já para o Fundo Nacional de Saúde foram nomeados Giovani Cruz Camarão como coordenador de finanças da coordenação-geral de execução Orçamentária, Financeira e Contábil da Diretoria Executiva do Fundo; André Cabral Botelho, coordenador contábil da mesma área; e Vagner Luiz da Silva Rangel, coordenador geral.

Já Marcelo Sampaio Pereira foi nomeado para exercer a função de diretor de programa da Secretaria de Atenção Especializada à Saúde; e Angelo Martins Denicoli foi o nome escolhido como diretor do Departamento de Monitoramento e Avaliação do SUS. Mario Luiz Ricette Costa foi nomeado como assessor técnico da Subsecretaria de Planejamento e Orçamento. E Ramon da Silva Oliveira ocupará o cargo de coordenador Geral de Inovação de Processos e de Estruturas Organizacionais.

O ministro interino também designou o atual secretário-executivo da pasta, Élcio Franco, como seu substituto eventual.

‘APAGÃO’ EM POSTOS-CHAVE

No troca-troca de ministro, o órgão ainda sofre um “apagão” em cargos-chave em meio ao avanço do novo coronavírus. O GLOBO mapeou ao menos dez cargos do segundo e terceiro escalões que estão, há semanas, sem comando efetivo. Entre eles, duas das secretarias mais importantes do ministério e o Departamento de Imunizaçõese Doenças Transmissíveis, considerados fundamentais para o combate à Covid-19.

A instabilidade em torno do comando do Ministério da Saúde se agravou no final da gestão de Luiz Henrique Mandetta (DEM) e se aprofundou durante a passagem de Nelson Teich pela pasta. Após a saída de Mandetta, pelo menos 30 pessoas da sua equipe foram exoneradas ou pediram para deixar os cargos.

Em quase um mês à frente do ministério, Teich não conseguiu preencher todos os cargos e deu início ao processo de “militarização” da gestão da pasta.

Estão vagas, por exemplo, as secretarias de Atenção Primária à Saúde (SAPS) e de Atenção Especializada à Saúde (SAES). A primeira é responsável pela expansão e pelo funcionamento de programas como o Saúde da Família e pela elaboração de políticas públicas para populações vulneráveis como mulheres, crianças e idosos. A segunda é responsável pela qualidade dos serviços de urgência e emergência do Sistema Único de Saúde (SUS).

Em nota, o ministério alegou que “todos os cargos de gestão possuem indicações de substitutos e, portanto, suas atividades estão sendo administradas por esses gestores”. “O Ministério da Saúde possui um corpo técnico de servidores qualificados que mantêm a normalidade das atividades. Todas as nomeações são públicas e podem ser consultadas no Diário Oficial da União.”