Valor econômico, v.21, n.5033, 01/07/2020. Política, p. A7

 

Decotelli deixa MEC cinco dias após nomeação

Matheus Schuch

Marcelo Ribeiro

01/07/2020

 

 

Após cinco dias frente da pasta, o recém-nomeado ministro da Educação, Carlos Alberto Decotelli, entregou sua carta de demissão no Palácio do Planalto. O novo ministro, indicado para substituir Abraham Weintraub, tomaria posse formalmente ontem, mas a cerimônia foi adiada um dia antes.

A permanência de Decotelli no MEC ficou insustentável com a revelação de inconsistências em seu currículo acadêmico e profissional. Com o desgaste provocado pelo episódio, a saída negociada com o presidente Jair Bolsonaro foi a apresentação de um pedido formal de demissão, em audiência no Palácio do Planalto.

A solução foi construída de forma “pacífica”, segundo um auxiliar do presidente, de modo a frear a repercussão sobre as inconsistências no currículo acadêmico e profissional de Decotelli. A exoneração não havia sido publicada até o fechamento desta edição.

A gota d’água para a saída precoce do ministro foi a declaração da Fundação Getúlio Vargas (FGV) de que Decotelli atuou como professor colaborador junto à instituição, e não de forma efetiva, como ele registrou em seu currículo. O caso se somou às suspeitas de plágio na dissertação de mestrado e às revelações de que Decotelli não fez pós-doutorado na Universidade de Wuppertal, na Alemanha, e não obteve o título de doutorado na Universidade de Rosário, na Argentina.

O presidente analisa uma lista de cotados para assumir o cargo e agora exigirá análise profunda do histórico dos candidatos. Entre os candidatos levados pela ala mais moderada do governo, com apoio de militares, estão o reitor do Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA), Anderson Ribeiro Correia, e o ex-presidente do Conselho Nacional de Educação e reitor da Universidade São Francisco (SP), Gilberto Garcia. Integrantes da ala ideológica trabalham pela nomeação do advogado Sérgio Sant’Ana, que foi assessor especial do ex-ministro Abraham Weintraub. Alinhado às ideias de Olavo de Carvalho, ele já era colocado como favorito por deputados bolsonaristas.

A formação de Decotelli, agora contestada, foi apresentada pelo presidente como o principal motivo de sua escolha para o cargo.

No Planalto, há quem aposte que o presidente permitirá o vazamento de nomes na imprensa para que eventuais falhas venham a público antes da nomeação. Isso não ocorreu no caso de Decotelli, cujo anúncio pegou de surpresa até mesmo alguns de seus auxiliares.

Criticado por militantes da área ideológica do governo e ironizado por internautas, o trabalho da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) no caso foi defendido pelo chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), Augusto Heleno. “Aos desinformados: o GSI/ABIN examinam, sobre quem vai ocupar cargos no governo, antecedentes criminais, contas irregulares e pendentes, histórico de processos e vedações do controle interno. No caso de ministros, cada um é responsável pelo seu currículo”, escreveu o general, no Twitter.

Em poucos dias, Decotelli perdeu o apoio que tinha de militares e a confiança do próprio presidente. Em uma tentativa de evitar a demissão, Bolsonaro chegou a pedir esclarecimentos sobre as inconsistências no currículo, em reunião na segunda-feira. Após o encontro, o presidente elogiou as credenciais de Decotelli, mas deixou em aberto a sua permanência. A esta altura, auxiliares já enxergavam que era questão de tempo para Bolsonaro se dar conta de que precisaria recuar. Para o futuro da pasta, além de escolher o quarto nome do governo para o comando da Educação, Bolsonaro terá de conciliar os interesses de militares, do grupo ideológico e de integrantes do centrão, que já tem indicados no Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), um dos órgãos com maior orçamento na Esplanada e que já foi presidido por Decotelli. A escolha de um nome alinhado à ala ideológica iria na contramão dos últimos movimentos de Bolsonaro, que tenta se aproximar de líderes partidários que garantam a governabilidade e o protejam de um eventual processo de impeachment.

Na tarde de ontem, Decotelli cancelou a reunião que faria com o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ). De acordo com a assessoria do parlamentar do DEM, o cancelamento foi informado pela equipe de Decotelli. Segundo aliados de Maia, o deputado pretendia enviar um recado ao Palácio do Planalto e sinalizar que, mesmo com o eventual recuo na nomeação de Decotelli, o Poder Legislativo ainda preferia um indicado com perfil técnico para assumir o posto, comandado anteriormente por Abraham Weintraub, do que um nome bolsonarista adepto da guerra ideológica. Maia protagonizou alguns embates públicos com o ex-ministro.