O globo, n. 31632, 15/03/2020. Opinião, p. 2

 

Hora de um novo sistema global de alerta contra vírus

15/03/2020

 

 

Esta é uma crise mundial de características próprias, na qual o poder disruptivo de uma pandemia serve de gatilho para a desaceleração e o corte de linhas de suprimento globais de uma série de produtos, principalmente eletrônicos, com larga utilização por consumidores finais e em outras indústrias, em que são componentes de muitas máquinas. O coronavírus chama a atenção para um outro ângulo do processo de globalização por que passa a Humanidade.

Um dos aspectos que mais são destacados neste processo de interdependência é o econômico. Pelo poder de gerar riquezas e empregos, bem como pela capacidade de também produzir crises globais. Por isso mesmo, ao contrário da defesa que fazem os isolacionistas do nacional-populismo, mais globalização é a única alternativa para se aproveitarem os frutos da integração, enquanto se desenvolvem e fortalecem instituições para facilitar a atuação conjunta de países nestes momentos de tensão. O caminho não é uma reacionária e impossível volta ao passado. O coronavírus, por sua vez, chama a atenção para como esta mesma integração precisa também se voltar para o controle de epidemias, que tendem a se tornar mais frequentes à medida que, por força mesmo do avanço tecnológico, as viagens transcontinentais se tornam mais rápidas, mais baratas e mais numerosas. O convívio constante e crescente de centenas de milhões de pessoas de diversas nacionalidades e culturas enriquece o patrimônio de conhecimentos gerais, mas também facilita a circulação de vírus.

Havia a ideia de que a Gripe Espanhola (1917/18) tinha sido uma grave pandemia que ficou perdida na História, algo que jamais voltaria a ocorrer diante do arsenal de medicamentos modernos. Custoso engano, como se vê. Os surtos mundiais de doenças, principalmente gripes que atacam o sistema respiratório — como foi a Gripe Espanhola e está sendo a Covid-19 — parecem se repetir em ciclos mais curtos.

Apenas nos últimos 17 anos, houve a Sars (Síndrome Respiratória Aguda Grave ), em 2003, e a Mers,causada por outro coronavírus, detectado em 2012 no Oriente Médio, hospedado em camelos e dromedários. Além do H1N1, da Gripe Espanhola, que vem sofrendo mutações para formas menos letais. A Organização Mundial da Saúde (OMS), organismo da ONU, tem cumprido com relativo sucesso sua função de coleta redistribuir informações sobre a pandemia e manter instituições de saúde conectadas no mundo. Mas é difícil imaginar que um braço da ONU, que tem seus entraves burocráticos e diversas outras funções como a principal instituição do multilateralismo, tenha condições de rastrear constantemente os principais canais do tráfego mundial de vírus e similares para que, com agilidade, informe às autoridades sanitárias dos diversos países que um novo patógeno surgiu em algum lugar perdido na Ásia, o principal berçário desses vírus no mundo. Ainda quanto à OMS, seus funcionários, indicados pelos países membros, precisam ser selecionados de forma criteriosa e técnica.

Este coronavírus, o Sars-CoV-2, teria surgido em um mercado de animais silvestres e carnes exóticas emWu han, uma cidade de 11 milhões de habitantes. Teria começado a circular em setembro, mas só em janeiro um jovem oftalmologista de um hospital na cidade alertou outros médicos sobre o crescimento do número de pacientes com um agrave doença respiratória diferente das anteriores. Desagradou às autoridades, masa notícia escapo uda censura chinesa, e incontáveis pessoas forame estão sendo salvas na China e no resto do mundo. Não se pode ficar na dependência de abnegados como Li Wenliang, que inclusive morreu do coronavírus.