O globo, n. 31631, 14/03/2020. País, p. 22

 

Entrevista - Aldo Rebelo: "Causas identitárias não põem o sistema em xeque"

Aldo Rebelo

Dimitrius Dantas

14/03/2020

 

 

Ex-presidente da Câmara dos Deputados, Aldo Rebelo está afastado da política. Mesmo assim, continua atuante nas redes sociais, onde é uma das poucas figuras de esquerda que se atreve a apoiar algumas das medidas polêmicas do governo Jair Bolsonaro, sobretudo a política na Amazônia. Algumas publicações do deputado levantaram polêmica entre eleitores de esquerda. Nesta entrevista, Aldo critica o que considera um erro de abordagem do campo da esquerda ao promover protagonismo do debate das chamadas causas identitárias, o que, na sua visão, traz a discussão para um campo que favorece o estilo de Bolsonaro.

Os dois têm uma história antiga, apesar de nunca terem sido próximos. Em 2002, Bolsonaro, já conhecido por suas posições radicais contra a esquerda, foi até o então presidente Lula para sugerir o nome do comunista Aldo Rebelo para o Ministério da Defesa. Passadas quase duas décadas, Aldo Rebelo diz que nunca pediu apoio do hoje presidente, cujo governo considera uma tragédia.

Como o senhor avalia o desempenho do governo Bolsonaro?

Uma tragédia, um desastre. Tem uma política econômica de destruição da economia do país, a política de educação é outro desastre e a do Itamaraty, nem se fala. Por outro lado, não é porque é o Bolsonaro que está no governo que eu vou abandonar posições que sempre tive em defesa dos interesses nacionais em algumas matérias.

Temos um governo que defende esse interesse nacional?

O governo Bolsonaro aproveita algumas coisas simbólicas do interesse nacional como a Amazônia. A defesa da Amazônia contra interferência dos governos estrangeiros é uma coisa certa que ele faz. Se ele silencia, prevalece o interesse estrangeiro de tutelar a Amazônia. Os governos do FHC e do Lula foram muito coniventes com essas interferências externas. O governo Bolsonaro resiste a isso.

O senhor foi do Partido Comunista e depois passou pelo Solidariedade. Ainda se considera de esquerda?

Claro que sim, mas não essa esquerda que está aí. Quem defende a democracia, os direitos do povo e a independência do país, sempre foi de esquerda. A esquerda atual está correndo atrás de outras teses.

Que teses?

A esquerda sempre foi uma corrente que se guiava por uma ideologia. Qual era? A ideologia da igualdade, da liberdade. Hoje a esquerda se dirige pela biologia, os traços biológicos, as identidades biológicas, a raça, o gênero, a orientação sexual. Tudo isso se tornou mais importante que as ideias. E isso alimenta o embate entre o Bolsonaro e essa esquerda que eu chamo identitária.

O governo Bolsonaro tira proveito desse debate?

Gosta. Para ele está tudo resolvido. O país e a população ficam num plano secundário. Acho que a esquerda faz isso porque percebeu que a transformação social é uma coisa mais difícil, complexa, mais distante. As reivindicações identitárias são mais fáceis de serem alcançadas, mas não abalam o sistema. Não colocam o sistema em xeque.

Mas essas pautas, ligadas aos movimentos LGBT, feminista ou negro, não são importantes?

Não estou dizendo que não têm importância: mas elas não são transformadoras. São assimiladas pelo sistema financeiro, vide o apoio do George Soros. A esquerda perdeu a utopia da transformação social. Foi atrás de reivindicações mais fáceis de serem alcançadas.

Bolsonaro foi beneficiado pelo que o senhor chama de mudança de rumo da esquerda?

Não. Ele alcançou a vitória porque encontrou o PT muito desgastado e com uma taxa de rejeição muito alta. Ele não foi uma alternativa construída, foi o que sobrou. Buscaram alguém antissistema e ele era o único disponível na prateleira. Ele e essa equipe de desorientados que governa.

Críticos do governo veem em Bolsonaro um possível risco para democracia. Concorda?

O Bolsonaro tem inclinações por uma visão autoritária, é fato. Sempre manifestou isso. Mas não tem condições para impor essa visão ao país hoje. Não pode impor uma visão autoritária com Congresso funcionando, se tem liberdade de imprensa, liberdade de organização sindical, estudantil.