O globo, n. 31631, 14/03/2020. Especial Coronavírus, p. 10

 

Distanciamento social

14/03/2020

 

 

Nível do risco muda, e Rio e São Paulo suspendem aulas e eventos

O Ministério da Saúde anunciou ontem que os municípios do Rio de Janeiro e de São Paulo registraram transmissão comunitária do novo coronavírus —ou seja, que já há casos nessas cidades em que não é mais possível saber a origem do contágio, o que mostra quão disseminado ele está. Nesse contexto, a pasta recomendou que estados e municípios ampliassem suas equipes de saúde, valendo-se de estudantes e de aposentados, e adotassem “medidas de distanciamento social” para tentar frear a disseminação da Covid-19 —entre elas, o isolamento voluntário por uma semana de qualquer

pessoa que chegar do exterior, independentemente de sintomas, o cancelamento ou adiamento de eventos de massa e a redução de deslocamentos para o trabalho. —Não há uma regra única para todo o país. Cada região deve avaliar com as autoridades locais o que se deve fazer caso a caso. Neste momento, nós não temos o Brasil inteiro na mesma situação, por isso é importante analisar o cenário de casos e possíveis riscos —disse o secretário de Vigilância em Saúde do ministério, Wanderson de Oliveira.

Ele também afirmou que, se medidas de isolamento populacional não forem tomadas, o número de casos da doença dobrará a cada três dias —o ministério anunciou 98 confirmações até ontem, um dado defasado, que não incluiu atualizações posteriores dos estados, levando o total do país a mais de 150 casos positivos.

RIO E SP LIMITAM CIRCULAÇÃO

Os governadores Wilson Witzel (RJ) e João Doria (SP) apresentaram suas próprias medidas de distanciamento social par aseus estados, inspiradas e mações semelhantes da China e da Coreia do Sul, que conseguiram conter a disseminação do Sars-CoV-2. As chamadas “medidas não farmacológicas” visam retardar o pico da epidemia, reduzindo a transmissão e permitindo que o sistema de saúde se ajuste para lidar com o aumento da demanda. Witzel editou um decreto suspendendo as aulas das redes pública e privada e determinandoo fechamento de teatros, cinemas e casas de show

por 15 dias, a partir de ontem. Também impediu visitas a pacientes internados com Covid-2019, tanto na rede pública de saúde quanto na privada e visitas nas unidades prisionais. O governador fluminense disse ainda que não permitirá “aglomeração na praia”. Já João Doria, que durante a manhã havia se mostrado contrário a adotar medidas mais restritivas à circulação, mudou de ideia quando a transmissão comunitária foi confirmada em seu estado.

Ao lado do ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, Doria anunciou a suspensão gradativa de aulas na rede pública —a partir do dia 23, para permitir que os pais tenham tempo para se planejar, e de eventos no estado de São Paulo.

— Fatos relevantes se apresentaram a nós hoje

(ontem) e, por isso, vamos suspender eventos esportivos, musicais e de outras natureza com público acima de 500 pessoas.

Pouco antes, a prefeitura de São Paulo havia decidido cancelar todos os eventos do governo municipal e recomendado a mesma atitude à iniciativa privada. Em princípio, não há obrigatoriedade para eventos privados suspenderem sua programação, mas o governador falou em “bom senso” num recado a organizadores do setor de entretenimento, esportivo e religioso. Doria disse ainda que o ministro da Saúde liberou R$ 92 milhões ao estado para ajudar no combate à pandemia do coronavírus, após solicitação de recursos do próprio governador. Mandetta reafirmou que está enviando inicialmente cerca de R$ 230 milhões

aos estados —a serem distribuídos pelo tamanho da população, R$ 2 per capita. Segundo o Ministério da Saúde, são dois casos confirmados de transmissão comunitária ou sustentada na cidade do Rio, e mais dois na cidade de São Paulo. A pasta ponderou que essa situação poderia voltar à condição de transmissão local se fosse identificado o contato prévio com outros casos confirmados. Não é um cenário fixo e pode ser revertido.

MP PARA LIBERAR R$ 5 BI

O governo federal enviou ontem o texto de uma medida provisória que libera R$ 5,099 bilhões do orçamento para ações de saúde voltadas a combater o avanço do novo coronavírus no Brasil. O dinheiro virá da fatia de R$ 19 bilhões aos quais o Congresso Nacional tem direito de indicar o destino por contado orçamento impositivo e deverá ser liberados na sem anaque vem. Os recursos são resultado de um acordo costurado entre a equipe econômica do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e parlamentares do Congresso. O consenso em torno da liberação de recursos aconteceu em meio a um ambiente tenso entre o Parlamento e o Executivo. Nesta semana, o Congresso derrubou vetos do presidente relacionado ao montante de dinheiro destinado ao chamado orçamento impositivo, valor aplicado em emendas que não depende da intervenção do Executivo. Dos R$ 5.099 bilhões que deverão ser liberados para combater o novo coronavírus, R$ 4,8 bilhões serão destinados ao Fundo Nacional de Saúde e serão utilizados nas ações mais emergenciais organizadas pelo governo para enfrentara pandemia. Outros R$ 20 milhões foram destinados à Fundação Oswaldo Cruz, R$ 204 milhões à Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (que administra hospitais universitários federais) e R $57 milhões irão para o Hospital de Clínicas de Porto Alegre.

O chamado “teto de gastos” permite a abertura de créditos extraordinários no orçamento para “despesas imprevisíveis e urgentes”. Isso significa que seria possível liberar as verbas sem comprometera trava fiscal, uma vez que as despesas do governo federal já estão no limite para 2020.