Correio braziliense, n. 20871 , 15/07/2020. Política, p.4

 

Gilmar Mendes reforça críticas

Renato Souza

Ingrid Soares

Sarah Teófilo

15/07/2020

 

 

CORONAVÍRUS » Ministro do STF diz que Bolsonaro cria "ônus" para Forças Armadas na pandemia ao destacar militares para postos-chave no Ministério da Saúde. Pasta da Defesa faz representação contra o magistrado na PGR por associar Exército a genocídio

Em mais um capítulo da crise entre o governo e o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, o titular do Ministério da Defesa, Fernando Azevedo, enviou ontem, à Procuradoria-Geral da República (PGR), uma representação contra o magistrado por ter dito que “o Exército está se associando a este genocídio”. O integrante da mais alta Corte do país critica a presença de militares na pasta, em vez de especialistas da área, em plena pandemia da covid-19. O ministério é comandado interinamente por Eduardo Pazuello, um general da ativa.

Mesmo pressionado, por militares e por integrantes do governo, a pedir desculpas, Gilmar Mendes voltou a externar sua preocupação com a imagem das Forças Armadas atrelada a eventuais erros do Executivo. Em nota divulgada ontem, enfatizou que “militares estão sendo recrutados para a formulação e execução de uma política de saúde que não tem se mostrado eficaz para evitar a morte de milhares de brasileiros”. Gilmar Mendes ressaltou que o país vive uma crise sanitária e social e que não se pode ignorar a realidade. “Nenhum analista atento da situação atual do Brasil teria como deixar de se preocupar com o rumo das nossas políticas públicas de saúde. Estamos vivendo uma crise aguda no número de mortes pela covid-19, que já somam mais de 72 mil”, frisou no comunicado.

"Em um contexto como esse, a substituição de técnicos por militares nos postos-chave do Ministério da Saúde deixa de ser um apelo à excepcionalidade e extrapola a missão institucional das Forças Armadas.” Logo após divulgar a nota, em uma live do portal Jota, Gilmar Mendes voltou a demonstrar preocupação com “militares que estão na cúpula do Ministério da Saúde”. Ele explicou a declaração: disse ter recebido informações, do fotojornalista Sebastião Salgado, sobre um eventual genocídio entre os povos indígenas. Também criticou o presidente Jair Bolsonaro, que, de acordo com o ministro, esquece da decisão do Supremo que entendeu que o combate à doença deve ser compartilhado entre União, estados e municípios.

“Vinte e oito militares nos cargos de cúpula do Ministério da Saúde, dificuldade de executar o orçamento, colapso, portanto, do serviço de saúde. Foi nesse contexto, então, que eu disse que, se o intuito é neutralizar o Ministério da Saúde, é neutralizar o Supremo naquela decisão...”, afirmou. “O Supremo não disse que os estados eram responsáveis pela Saúde. Mas, sim, que é uma competência compartilhada, como está no texto constitucional. Mas o presidente se esquece dessa parte e diz sempre que a responsabilidade seria do Supremo e dos estados.

Se o que se quer é mostrar isso do ponto de vista político, é um problema. E isso acaba sendo um ônus para as Forças Armadas.” Nos bastidores, o presidente do STF, Dias Toffoli, tem atuado para apagar o incêndio. No entanto, foi surpreendido com as novas declarações de Gilmar Mendes. O retorno do colega ao assunto, ontem, também motivou a representação na PGR e novas reações no governo. O procedimento será avaliado pelo procurador-geral da República, Augusto Aras, que dá início ao caso como uma notícia de fato, ou seja, uma apuração preliminar. Após análise, em tramitação interna, avalia se dá ou não andamento à acusação.