Correio braziliense, n. 20868 , 11/07/2020. Política, p.4

 

Promessa pra reduzir devastação

Sarah Teófilo

11/07/2020

 

 

MEIO AMBIENTE » Na tentativa de acalmar empresários, Hamilton Mourão diz que buscará diminuir o desmatamento na Amazônia Legal "ao mínimo aceitável". Executivos reclamam que a degradação da floresta tem atrapalhado os negócios

Em reunião com executivos de grandes empresas e três entidades representativas, o vice-presidente Hamilton Mourão prometeu a elaboração de metas a serem cumpridas semestralmente contra o desmatamento na Amazônia Legal. Presidente do Conselho Nacional da Amazônia, ele afirmou, após a videoconferência, que o objetivo final é “reduzir o desmatamento ao mínimo aceitável”.

Mourão tem tentado acalmar investidores e empresários, que questionam o aumento constante de desmatamento e degradação na Amazônia. Dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), divulgados ontem, mostraram o contínuo avanço da devastação na Amazônia Legal.

O encontro foi marcado depois que veio a público uma carta assinada por executivos de 50 grandes empresas do Brasil, em que foi manifestada a preocupação com a devastação ambiental. “Todos eles colocam a questão de que a gente tem de ter uma meta. Nós temos de reduzir o desmatamento ao mínimo aceitável e, obviamente, as pessoas também têm de entender que não pode mais desmatar. Você tem duas soluções: a difícil, que é manter a repressão, e a fácil, que é o comprometimento das pessoas”, disse Mourão após o encontro.

O vice-presidente afirmou que seria leviano dizer que vai reduzir o desmatamento em 50%, se não conta com meios para tal. “Eu prefiro que a gente consiga terminar o nosso planejamento e eu dizer que, até 2022, a cada semestre, vou reunir em ‘X’% até chegarmos ao ponto aceitável. É algo factível, e eu não vou ficar fazendo promessa que não vou cumprir”, destacou.

A presidente do Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (CEBDS), Marina Grossi, que esteve na reunião representando o setor empresarial, disse que o desmatamento ilegal está arranhando não só a imagem do país, mas, também, atrapalhando os negócios de empresas. Algumas citaram que estão tendo menos investimento estrangeiro nos últimos anos devido ao problema. De acordo com ela, o vice-presidente assumiu 100% da responsabilidade em relação ao desmatamento ilegal. “Considero isso um marco importante”, frisou.

Desmonte

Mourão admitiu que existe uma defasagem grande na força de trabalho das agências ambientais e que, por isso, ele não vislumbra, de imediato, atuar no combate ao desmatamento na Amazônia sem reforço militar. “Eu não vejo, em curto prazo, (a possibilidade) de operar sem o apoio das Forças Armadas, porque, para operar sem o apoio das Forças Armadas, eu preciso reconstruir a força de trabalho das agências ambientais”, disse.

Conforme Mourão, existe uma carência de 50% do efetivo, sendo que, do quantitativo existente, só um terço está no combate direto, enquanto o restante fica em trabalho administrativo. “E não é só a Amazônia que o Ibama e o ICMBio tem que fiscalizar”, frisou, citando o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis e o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade, respectivamente. No próximo dia 15, o conselho vai se reunir para decidir as medidas, segundo Mourão.

Frase

"Eu não vejo, em curto prazo, (a possibilidade) de operar sem o apoio das Forças Armadas, porque, para operar sem o apoio das Forças Armadas, eu preciso reconstruir a força de trabalho das agências ambientais”

Hamilton Mourão, vice-presidente da República

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Destruição em disparada

Simone Kafruni

11/07/2020

 

 

Por mais que o governo diga aos gestores internacionais e presidentes de grandes empresas que está preservando o meio ambiente, os números não mentem. O desmatamento continua em disparada. Dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), divulgados ontem, apontam que a degradação na Amazônia Legal aumentou 64% de agosto de 2019 a junho de 2020. Foram 7.540km² de desmatamento ante 4.589km² entre agosto de 2018 e junho de 2019.

Segundo o sistema Deter, do Inpe, apenas em junho, houve alertas de desmatamento em uma área de 1.034km², aumento de 11% em relação ao mesmo mês do ano passado (935km²). Foi o pior mês desde 2007. Em 2020, de 1º de janeiro a 30 de junho, 3.070km² de floresta foram desmatados, 26% a mais do que o mesmo período do ano passado. Os números referem-se aos 11.822 alertas de desmatamento no primeiro semestre.

Gestores internacionais e empresários têm cobrado do governo medidas mais eficazes de combate ao desmatamento e, apesar do discurso do vice-presidente Hamilton Mourão, coordenador do Conselho da Amazônia, o que os investidores querem é ver os números da devastação caírem, e não continuarem a bater recordes. Para os ambientalistas, nem mesmo a moratória de 120 dias, proibindo incêndios na Amazônia e no Pantanal, será capaz de reduzir o desmatamento. “Mesmo que não se queime nenhum metro quadrado na atual temporada de fogo que vai até setembro, como espera Mourão, o maior estrago já foi feito”, disse o diretor de Conservação e Restauração do WWF-Brasil, Edegar Rosa.

“Mitigar e reverter os danos causados por essa política antiambiental à floresta e à imagem do país exigirá muito mais. Precisamos de resultados concretos, e, para isso, será necessário um plano robusto para conter tamanha destruição. A começar por ações de comando e controle em caráter permanente e executadas por órgãos competentes e bem aparelhados. Esse é um caminho, já conhecido, que este governo insiste em ignorar”, afirmou Cristiane Mazzetti, da campanha de Amazônia do Greenpeace. “Os números crescentes estampam a verdade, se enganam aqueles que aceitarem o que foi apresentado pelo governo como uma garantia de mudança.”

“Enquanto o Planalto se esforça para tentar enganar o mundo de que preserva a Amazônia, a realidade dos números revela que o governo Bolsonaro está colaborando na destruição da maior floresta tropical do planeta”, ressaltou Marcio Astrini, secretário executivo do Observatório do Clima. “Sob Bolsonaro, vivemos o pior momento da agenda ambiental de nosso país.”

O Deter apontou a tendência da taxa oficial de desmatamento, mesmo sem o último mês do chamado “ano fiscal do desmatamento”, medido entre os meses de agosto e julho. A área com alertas já soma 7.540km² e é o maior acumulado para o período fiscal desde 2008. Portanto, a taxa oficial do desmatamento, que ultrapassou os 10 mil km² em 2019, tende a bater novo recorde em 2020.

Campeões da degradação

O desmatamento ocorreu em toda a Amazônia Legal, mas foi pior nos seguintes locais

Estados

Pará     1.212km²

Mato Grosso     715km²

Amazonas     539km²

Municípios

Altamira (PA)     351km²

São Félix do Xingu (PA)     201km²

Apuí (AM)     155km²