O globo, n. 31692, 14/05/2020. Especial Coronavírus, p. 4

 

Novo recorde

Leandro Prazeres

Paula Ferreira

Gustavo Maia

14/05/2020

 

 

Brasil se torna o 6º país com mais casos de covid-19

Com mais 11.385 casos de Covid-19 registrados ontem, segundo o Ministério da Saúde, o Brasil superou a França e passou a ser o sexto país com mais pessoas atingidas pela doença, de acordo com levantamento feito pela universidade norte americana Johns Hopkins.

O Brasil atingiu a marca de 188.974 casos da doença, enquanto a França, um dos países mais atingidos da Europa, contabilizava 178.184 até a noite de ontem.

A subida do país no ranking ocorre mesmo com os baixos índices de testagem — entre as dez nações com mais contaminados, o Brasil é a que menos testa —, que levam à já reconhecida subnotificação. Nesse contexto, o governo federal tenta avançar no debate sobre as diretrizes para a possível reabertura da economia, encontrando resistência de estados e municípios.

Os 11.385 casos confirmados em 24 horas foram um novo recorde. Em relação ao número de mortes, foram 749 novos óbitos, totalizando 13.149 desde 17 de março.

Os dados divulgados mostram uma piora da situação no Ceará e no Amazonas em relação ao número total de casos. O Ceará superou o Rio de Janeiro e é, agora, o segundo estado neste quesito. O Amazonas também registrou um avanço rápido, superou Pernambuco e agora está na quarta posição.

No ranking mundial, à frente do Brasil estão Itália (222.104 casos), Espanha (228.691), Reino Unido (230.985), Rússia (242.271) e EUA (1.388.936). Em relação ao número de mortes, o Brasil também é o sexto colocado, atrás apenas da França (27.077), Espanha (27.104), Itália (31.106), Reino Unido (33.263) e EUA (83.791).

A falta de testes no Brasil faz com que os índices do país estejam defasados. Dados divulgados pelo Ministério da Saúde indicam que, dos 482,7 mil moleculares já realizados desde o início da epidemia, 30% ainda estão sendo analisados pelos laboratórios ou não tiveram seus resultados divulgados. Ou seja, o número de casos confirmados pode ser ainda maior apenas considerando os exames já realizados.

Os 482,7 mil exames moleculares já realizados representam apenas 2% da meta de 24 milhões de exames desse tipo (considerados mais precisos) prometidos pelo governo federal até o final do ano.

DISTANCIAMENTO

Enquanto o número de casos e mortes causadas pela Covid-19 não para de subir, o Ministério da Saúde enfrenta resistência junto a secretários de estado de saúde para divulgar integralmente as diretrizes do governo federal para orientar estados e municípios em suas estratégias para flexibilizar as medidas de distanciamento social.

Na segunda-feira, a pasta chegou a divulgar uma versão resumida do plano. Ele consiste em um sistema de pontos que avalia critérios como tamanho da infraestrutura de saúde, velocidade de crescimento da doença, capacidade de processar informações sobre a epidemia, entre outros. A pontuação atingida por cada localidade indicaria uma das cinco faixas de risco criadas pelo ministério. Essas faixas previam medidas desde um distanciamento social mais flexível até o bloqueio total.

O governo queria o apoio dos secretários estaduais e municipais de saúde para divulgar a matriz preparada pelo Ministério da Saúde, mas o Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass) e o Conselho Nacional dos Secretarias Municipais de Saúde (Conasems) não concordaram com a divulgação do documento.

Nas última semanas, o ministro Nelson Teich vinha repetindo que só divulgaria a matriz após uma “pactuação” com os gestores estaduais e municipais de saúde, para evitar que o documento fosse utilizado para “politizar” o assunto.

O impasse fez com que o Ministério da Saúde cancelasse a entrevista coletiva marcada para ontem, na qual o ministro havia prometido que faria um detalhamento da proposta do governo federal.

Em nota, a pasta disse que a divulgação havia sido cancelada por falta de “consenso” em torno da matriz e afirmou que a discussão sobre o documento com o Conass e Conasems seria “aprofundada”.

Após o cancelamento, no entanto, as duas entidades divulgaram uma nota sem indicar que o assunto seria discutido agora. Nela, os secretários classificaram a diretriz elaborada pelo governo como “inoportuna” diante do “franco crescimento” da epidemia no Brasil.

CLOROQUINA

O ministro da Saúde também está sob fogo cruzado dentro do governo. O presidente Jair Bolsonaro anunciou ontem que discutiria com Teich um protocolo da pasta para a ministração de cloroquina aos pacientes de Covid-19. Os dois se reuniram, mas nada foi divulgado.

Contrariando estudos científicos, Bolsonaro afirmou que a administração da cloroquina junto com a azitromicina “pode ser um alento para esta quantidade enorme de óbitos que estamos tendo no Brasil”.

Ele disse que seu entendimento, após ouvir médicos, é que o medicamento deve ser usado desde o início da contaminação pelo novo coronavírus por quem integra grupos de risco, com comorbidade ou idosos.

— Como a pessoa não pode esperar quatro, cinco dias para decidir, que a morte pode vir, é melhor usar — afirmou o presidente.

Anteontem, em suas redes sociais, Teich destacou que a pasta já autorizou em 23 de março, ainda na gestão de Luiz Henrique Mandetta, a prescrição de cloroquina a pacientes hospitalizados infectados com coronavírus. O ministro ressaltou que o medicamento tem efeitos colaterais e que o paciente deve assinar um “termo de consentimento”.

Questionado se ficou contrariado com as publicações do ministro, Bolsonaro respondeu que todos seus auxiliares têm que estar afinados, dizendo não ser o caso de “gostar ou não” de Teich.

Sobre o alinhamento com o ministro em outras questões, como a do isolamento social, o presidente disse que, desde o começo da pandemia, defende o que classifica como “isolamento vertical”, cuidar das pessoas do grupo de risco e “botar o povo pra trabalhar”.