Valor econômico, v.21, n.5019, 11/06/2020. Brasil, p. A6

 

Renda Brasil deve incluir 3 programas de renda

Fabio Graner

11/06/2020

 

 

Entre os principais candidatos a incorporarem o programa Renda Brasil, que o ministro Paulo Guedes pretende criar como versão turbinada do Bolsa Família, estão abono salarial, seguro-defeso e salário família. A discussão do novo programa social já ocorria desde o ano passado, mas ganhou força com o pagamento de auxílio emergencial de R$ 600 para um público bem maior, o trabalhador informal que não era atingido pelo Bolsa Família ou outros programas governamentais.

Segundo fonte do governo, a discussão também se conecta com a reforma tributária, que vai mirar também a redução de exceções e benefícios, como as deduções de Imposto de Renda e as isenções para cesta básica. Assim, o desenho vai se aproximando do conceito de renda básica de cidadania, com a ideia de "imposto de renda negativo", no qual os mais pobres recebem auxílio do governo e os mais ricos pagariam mais tributos.

Fechar brechas e exceções no sistema tributário traz fonte de recursos para bancar o programa social novo, mas não enfrenta a questão do teto de gastos. Por isso que também está sendo discutida a revisão de outras despesas sociais, como abono e defeso, consideradas menos eficientes e que consomem espaço fiscal.

Este governo e o anterior já tentaram acabar com o abono, que tem um custo para este ano previsto em R$ 19,1 bilhões, mas esbarraram no Congresso. Até mesmo na gestão de Dilma Rousseff, o abono esteve na linha de tiro, embora a proposta tenha ficado nas gavetas.

A leitura é que trata-se de um programa que não faz mais sentido, dado que, quando foi criado, era direcionado para os mais pobres, mas hoje acaba atingindo famílias que não estariam entre as mais necessitadas.

O seguro-defeso, com previsão de gastos de R$ 3 bilhões, é voltado para pescadores, para deixarem de trabalhar em período de reprodução dos peixes. A atual equipe considera esse um recurso mal alocado e que poderia compor essa nova renda que beneficiaria as pessoas de menor renda.

O salário família tem menos impacto, em torno de R$ 2 bilhões de renúncia fiscal, mas também é direcionado para trabalhadores formais, vistos como menos necessitados do apoio governamental.

Um estudo do economista Sergei Soares, publicado pelo Ipea em 2019, é uma das referências que vêm sendo utilizadas para o trabalho da equipe econômica. Soares no ano passado chegou a discutir seu trabalho com a equipe econômica. No texto para discussão (TD 2505), ele propõe juntar ao Bolsa Família os recursos do abono, do salário família e das deduções do Imposto de Renda, o que faria o orçamento do programa saltar da casa de R$ 30 bilhões para mais de R$ 50 bilhões por ano.

A proposta redesenhava o arcabouço de parte da rede de proteção social, com recursos direcionados a crianças e jovens e às pessoas em situação de extrema pobreza. Assim, haveria um benefício universal de R$ 45, independentemente da renda, por criança e jovem de até 18 anos; um benefício para crianças de até 4 anos, de R$ 90, mas que seria reduzido gradualmente conforme a renda familiar per capita fosse subindo em relação à linha de corte de R$ 250; e o terceiro, de R$ 44, seria para famílias em extrema pobreza.

Esse desenho partiu de um diagnóstico, que o governo concorda, de que há excessiva fragmentação de programas sociais e que o problema não seria de falta de recursos para a proteção, e sim um direcionamento inadequado e ineficiente do orçamento. Mas foi feito em um contexto econômico bem mais tranquilo, inclusive fiscal.

A crise da pandemia e o auxílio emergencial, entretanto, forçaram a equipe econômica e o governo a acelerar a busca de uma solução de longo prazo que resolva o problema diagnosticado anteriormente e também evite uma perda abrupta da renda para quem teve o auxílio e era "invisível". De qualquer forma, é majoritária a visão no time de Paulo Guedes de que não é possível trabalhar com um valor de R$ 600 de forma permanente, como alguns economistas e políticos defendem.

Nesse contexto, é difícil que o governo também não seja forçado a repensar seu arcabouço fiscal (metas fiscais, teto de gastos e "regra de ouro" das contas públicas), já que o espaço no teto de gastos é muito limitado e há uma série de analistas que consideram que será impossível mantê-lo já no ano que vem diante da continuidade dos efeitos negativos do coronavírus na economia e a demanda por apoio estatal, em especial para os atingidos diretamente pela crise.