O globo, n. 31701, 23/05/2020. País, p. 10

 

O linguajar palaciano: em duas horas, 34 palavrões

André de Souza

Leandro Prazeres

Alice Cravo

23/05/2020

 

 

Seguido no tom ofensivo pelos ministros, presidente puxou a fila das expressões de baixo calão com ataques a Doria e Witzel
Em reunião de pouco menos de duas horas com seus ministros em 22 de abril deste ano, o presidente Jair Bolsonaro falou ao menos 34 palavrões, alguns deles dirigidos a dois de seus principais adversários políticos: os governadores do Rio de Janeiro, Wilson Witzel, e de São Paulo, João Doria, chamados de "bosta". Os ministros repetiram o presidente. Três deles também recorreram ao uso de palavrões em ao menos oito momentos.

A relação entre Bolsonaro, Doria, Witzel e outros governadores piorou com a pandemia. Os chefes de executivos adotaram políticas mais restritivas em relação ao isolamento social como forma de combater os efeitos do novo coronavírus. Já o presidente tem minimizado os efeitos do vírus que já matou mais de 20 mil pessoas em dois meses, e defendido a reabertura da economia em meio à pandemia. Foi nesse contexto que Bolsonaro atacou Doria, Witzel e também o prefeito de Manaus, Arthur Virgílio.

"Que os caras querem é a nossa hemorroida! É a nossa liberdade! Isso é uma verdade. O que esses caras fizeram com o vírus, esse bosta desse governador de São Paulo, esse estrume do Rio de Janeiro, entre outros, é exatamente isso. Aproveitaram o vírus, tá um bosta de um prefeito lá de Manaus agora, abrindo covas coletivas. Um bosta. Que quem não conhece a história dele, procura conhecer, que eu conheci dentro da Câmara, com ele do meu lado! Né?", disse Bolsonaro. s Bosta" foi um dos palavrões mais repetidos por Bolsonaro, sete vezes, atrás apenas de "porra'", com oito menções. As variações da palavra "puta" saíram nove vezes da boca do presidente: "putaria" (4), "filho da puta" (2), "puta que pariu" (2) e "puta" (1).

A palavra "puta", dita de forma solitária, foi num contexto elogioso: ao falar da edição de uma portaria para armar a população. Segundo ele, seria "um puta de um recado pra esses bosta", numa referência a prefeitos que, na sua opinião, agem como ditadores. O presidente disse ainda cinco vezes "merda", duas vezes "foder" e, uma vez cada, "fodido", "cacete" e "filha de uma égua". Insultos que não são palavrões, como "vagabundo" e "estrume" - este último reservado para Witzel - também foram citados por Bolsonaro. Dois ministros também recorreram aos palavrões. Paulo Guedes, da Economia, disse "foder" três vezes, e "porra" uma. Já Braga Netto, da Casa Civil, falou "caralho" em uma ocasião. Abraham Weintraub, da Educação, não usou palavrão, mas ofendeu os ministros do STF chamando-os de "vagabundos". Por fim, o presidente da Caixa Econômica Federal (CEF), Pedro Guimarães, falou "porra" três vezes.

Ao falar que convidaria ministros para passar por ruas de Brasília para ver a situação da população durante a pandemia, Bolsonaro enumerou vários palavrões de uma vez.

"Pra ver como é que tá o cara na esquina. Pra vir uns merda pra falar aí, né? Uns merda de sempre. 'Ah, o cara rompeu o isolamento. Tá dando um péssimo exemplo.' Péssimo exemplo é o cacete, pô! Pior é tá passando fome! Tá na merda, porra!", disse Bolsonaro. Em outro momento, o presidente afirmou: "O presidente leva porrada, mas o ministro é elogiado. A gente vê por aí: 'Ah, o governo tá, o ministério tá indo bem, apesar do presidente.'. Vai pra puta que o pariu, porra! Eu que escalei o time, porra!"

Em resposta a Bolsonaro, Witzel disse no Twitter: "A falta de respeito de Bolsonaro pelos poderes atinge a honra de todos. Sinto na pele seu desapreço pela independência dos poderes. E espero que num futuro breve o povo brasileiro entenda que, do que ele me chama, é essencialmente como ele próprio se vê." Doria afirmou que os xingamentos demonstram "descaso com a democracia, desprezo pela nação e agressões à institucionalidade da Presidência da República". Para ele, "o Brasil está atônito com o nível da reunião ministerial". Já Virgílio disse que os insultos são "um verdadeiro strip-tease moral' feito por quem não tem a mais mínima condição de governar o Brasil" e conclui: "Não gosta de mim? Que bom. Sinal de que estou no lado certo da vida. Também não gosto da ditadura que ele gostaria de reviver."