Correio braziliense, n. 20866 , 09/07/2020. Política, p.6

 

Covid de Bolsonaro assusta Esplanada

Renato Souza

Sarah Teófilo

09/07/2020

 

 

CORONAVÍRUS » Presidente adota videoconferência para manter reuniões com integrantes do governo. Ministros dividem-se em relação à prevenção. Alguns deles cumprem agenda de casa, mesmo com resultado negativo no teste, mas outros seguem em atividades presenciais

Após testar positivo para o novo coronavírus e sem intenção de suspender a agenda, o presidente Jair Bolsonaro adotou a videoconferência para manter as reuniões com os integrantes de sua equipe. A confirmação de que o chefe do Executivo foi infectado mudou o ambiente no Planalto. O entra e sai de ministros e assessores praticamente cessou, e muitos servidores, que ainda realizam o trabalho presencial, evitam circular pelo prédio.
Ao todo, 108 servidores da Presidência tiveram a doença desde o começo da pandemia, sendo que 77 já se recuperaram. Ao longo do dia de ontem, o primeiro em isolamento, Bolsonaro encontrou-se com quatro ministros, por videochamada. Ele reuniu-se com os ministros da Defesa, Fernando Azevedo; Secretaria de Governo, Luiz Eduardo Ramos; interino da Educação, Antônio Vogel; e Secretaria-Geral da Presidência, Jorge Oliveira.
Entre os ministros, a equipe está dividida em relação aos cuidados para que outras pessoas não corram o risco de infecção. Há deles que, mesmo com teste negativo para o novo coronavírus, estão trabalhando de casa, por precaução. Já outros cumpriram agenda normalmente. Casos de Luiz Eduardo Ramos e Fernando Azevedo, que tiveram contato com o presidente na última segunda-feira e no sábado, respectivamente. O ministro da Defesa fez o exame na terça-feira, com resultado negativo.
Segundo assessoria de imprensa, Azevedo continua cumprindo agenda na pasta, mas redobrou os cuidados, usando máscara o tempo todo, mantendo distância segura das pessoas e priorizando as videoconferências. Ele despachou do ministério e reuniu-se com representantes da Associação de Juízes Federais do Brasil (Ajufe), além de ter participado de duas videoconferências, com o presidente e com o ministro da Ciência, Tecnologia e Inovações, Marcos Pontes.
Já o general Ramos teve reunião com o ministro Braga Netto (Casa Civil) e com os deputados federais Sidney Leite (PSD-AM) e Paulo Magalhães (PDS-BA), além do senador Fernando Bezerra (MDB-PE), líder do governo na Casa. A assessoria do ministro informou que ele fez o teste rápido na terça-feira e deu negativo.

O ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, e o advogado-geral da União, José Levi, por sua vez, adotaram o isolamento. Araújo recebeu o resultado ontem à tarde. Deu negativo. Ele cumpriu agenda em casa. No sábado, ele acompanhou Bolsonaro ao almoço na residência do embaixador dos Estados Unidos no Brasil, Todd Chapman.

Sem prejuízo
José Levi, por sua vez, teve resultado negativo para os dois exames (teste rápido e RT-PCR), mas, ainda assim, está trabalhando de casa desde a última terça-feira, “sem nenhum prejuízo às respectivas atividades funcionais”, informou a assessoria do AGU. Ele encontrou-se com o presidente na última segunda-feira.
Já o ministro do Turismo, Marcelo Álvaro Antônio, e o secretário especial da Cultura, Mário Frias, tiveram resultado negativo nos testes e continuam cumprindo as agendas. Frias esteve com Bolsonaro na segunda-feira, e Álvaro Antônio, em 30 de junho. O ministro da Economia, Paulo Guedes, fez um teste com resultado negativo, na semana passada. De acordo com recomendação médica, porém, cumpre agenda por videoconferência e fará um novo exame em quatro dias, para assegurar que não está infectado.

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Alerta contra os efeitos colaterais 

Augusto Fernandes

Ingrid Soares

09/07/2020

 

 

Apesar de garantir que está “perfeitamente bem” no tratamento contra a covid-19, por tomar doses de hidroxicloroquina, o presidente Jair Bolsonaro precisa de avaliações cardiológicas devido ao uso do medicamento. Segundo o jornal O Globo, desde que foi diagnosticado com a doença, na última terça-feira, o mandatário teve de fazer duas baterias diárias de eletrocardiograma — exame que avalia a saúde cardiovascular e pode revelar anormalidades cardíacas — para monitorar possíveis efeitos colaterais da substância no coração.

O procedimento é uma orientação da Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC). A entidade não recomenda o uso da hidroxicloroquina no combate ao novo coronavírus, mas diz que “para os pacientes que optarem pela realização do tratamento, que sejam realizados eletrocardiogramas”.

De acordo com jornal, o monitoramento do coração de Bolsonaro tem sido diferente do que sugere a SBC. Pelas recomendações da instituição, os eletrocardiogramas para pacientes que são tratados à base de hidroxicloroquina devem ser feitos no primeiro, terceiro e quinto dias após a ingestão da primeira dose da substância, e não duas vezes por dia.

Bolsonaro voltou a dizer que está “muito bem”, graças à medicação. “Aos que torcem contra a hidroxicloroquina, mas não apresentam alternativas, lamento informar que estou muito bem com seu uso e, com a graça de Deus, viverei ainda por muito tempo”, afirmou nas redes sociais. Na publicação, voltou a dizer que não se pode “propagar o pânico” acerca da crise sanitária, pois isso “também leva à depressão e mortes”. Em estágio inicial da covid-19, ele aparenta não temer os efeitos da doença, mesmo sendo do grupo de risco, por ter 65 anos.

Para o diretor científico da Sociedade de Infectologia do Distrito Federal, José David Urbaez, o mandatário ter reagido bem à medicação é algo a se comemorar. No entanto, destacou ser necessário bastante cuidado. “Isso é uma droga cardiotóxica. Quem utilizar essa substância pode ter arritmias cardíacas malignas, que muitas vezes evoluem para óbito. A prescrição desse remédio não encontra respaldo científico e não tem eficácia contra a covid-19 comprovada”, alertou Urbaez.

Ele acrescentou que a doença pode ser perigosa depois da primeira semana de infecção. Apesar de ter sido diagnosticado há dois dias, o presidente tem sintomas há mais tempo. Na live da quinta-feira passada, na qual não usava máscara e era acompanhado por, pelo menos, seis pessoas, ele já estava tossindo. Depois, entre domingo e segunda-feira, teve dores musculares e febre. “É comum que a pessoa infectada persista com os sintomas, como dores musculares, febre e tosse seca, por algum tempo. Quando isso acontece, há uma piora entre o oitavo e o 12º dia, habitualmente”, destacou Urbaez.

Infectologista do Hospital Sírio-Libanês em Brasília, Alexandre Cunha reforçou que a resposta de cada organismo, ao ser exposto ao vírus, é individual. Por isso, no caso de Bolsonaro, o médico disse que é incerto afirmar que ele terá um quadro leve durante todo o curso da doença. “Alguns pacientes apresentam sintomas mais leves na primeira semana, mas que podem se intensificar na segunda semana. Ainda é cedo para fazer uma avaliação do quadro do presidente.”

Hemerson Luz, infectologista do Hospital das Forças Armadas (HFA), ressaltou que a covid-19 é uma doença bifásica. Segundo ele, a fase inicial vai até a primeira semana, com sintomas mais leves, como perda de paladar e febre. O perigo está a partir do sétimo dia, quando as complicações da enfermidade podem se agravar. “É necessário atenção por conta da idade dele. Após uma semana de infecção, começa a resposta sistêmica, na qual os pulmões podem ser acometidos, e o paciente tem falta de ar”, explicou.

Frase

"Alguns pacientes apresentam sintomas mais leves na primeira semana, mas que podem se intensificar na segunda semana. Ainda é cedo para fazer uma avaliação do quadro do presidente”

Alexandre Cunha, infectologista do Hospital Sírio-Libanês em Brasília