O globo, n. 31703, 25/05/2020. País, p. 6

 

Moro: ‘agenda anticorrupção não teve impulso do presidente’

25/05/2020

 

 

Ex-ministro diz que precisa expor ‘verdade inconveniente’ a seguidores de Bolsonaro e que vídeo prova interferência 

MARCELO CHELLO/CJPRESS/25-7-2018De fora. O ex-ministro da Justiça Sergio Moro, que pediu demissão do governo do presidente Bolsonaro após resistir a mudanças no comando da Polícia Federal

O ex-ministro da Justiça Sergio Moro afirmou ontem, em entrevista ao Fantástico, da TV Globo, que o governo do presidente Jair Bolsonaro, apesar de todas as promessas de campanha, não priorizou o combate à corrupção e agora faz alianças questionáveis. Segundo o ministro, que pediu demissão do governo há um mês acusando o presidente de querer interferir no comando da Polícia Federal, não é possível ser leal a o chefe do Executivo se ele for obrigado a não dizer a verdade.

—Me desculpem os seguidores do presidente se essa é uma verdade inconveniente, mas essa agenda anticorrupção não teve impulso por parte do presidente para que nós implementássemos. Então tivemos transferência do Coaf, não houve empenho do Planalto para manter. Não houve apoio adequado por parte do Planalto ao pacote anticrime— disse o ex-ministro na entrevista, acrescentando que essa agenda foi “esvaziada”.

Moro também criticou a recente aproximação de Bolsonaro com grupos políticos “questionáveis”. Recentemente, Bolsonaro mantém acordos de distribuição de cargos a partidos do centrão, que sempre foi criticado por ele.

— Algumas alianças são realmente questionáveis — disse Moro.

A política de combate ao novo coronavírus também é um ponto que afastou o ex juiz do presidente:

— A própria questão das substituições no Ministério da Saúde é controversa. São substituições bastante questionáveis do ponto de vista técnico. Eu também me sentia desconfortável pela posição do governo federal em relação à pandemia. Muito pouco construtiva.

Houve também críticas à política de Bolsonaro de tentar armara população. Para ele, em nenhuma circunstância podes e concordar que apessoasse armem contra medidas sanitárias de isolamento social, como quer seu ex-chefe.

Sobre a reunião ministerial do dia 22 de abril, que, segundo o ex-ministro, comprova que Bolsonaro tentou interferir na Polícia Federal, Moro disse que as imagens comprovam o que disse no dia de sua demissão. Ao deixar o governo, o ex-juiz afirmou que Bolsonaro fazia tentativas seguidas para retirar o então diretor geralda Polícia Federal, Maurício Valeixo, sema presentar qualquer motivo. Ao responder por que ficou em silêncio na maior parte da reunião, que foi divulgada após decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) no âmbito do inquérito que apura se Bolsonaro interferiu na PF, Moro respondeu ao Fantástico.

— Pelo tom da reunião é claro ali que o contraditório não é algo fácil de ser realizado na ocasião. Essas situações geravam desconforto — explicando que buscou uma desculpa para deixar o encontro antes do término porque não estava confortável.

Em uma crítica ao presidente Bolsonaro, o ex-juiz da Lava-Jato afirmou que não havia mais espaço para diálogo em sua relação com o chefe do Executivo:

— Minha lealdade ao próprio presidente demanda que eu me posicione com a verdade e não apenas concordando com a posição do presidente. Se for assim, não precisa de um ministro, precisa de um papagaio.