Correio braziliense, n. 20861 , 04/07/2020. Brasil, p.6

 

Liberou geral no auge da crise

Bruna Lima

Maria Eduarda Cardim

Ingrid Soares

04/07/2020

 

 

Cenas de aglomeração e de descuido na noite carioca mostram que população praticamente abandonou os cuidados necessários contra a pandemia. Rio, São Paulo e DF se preparam para voltar à “normalidade” com reabertura de bares

A lei que praticamente acaba com o uso da máscara de proteção facial contra o coronavírus chega justamente no momento em que o país vive uma onda de flexibilização, vista com a retomada de atividades em diversos estados. E a maior preocupação dos especialistas é a mensagem que os vetos do presidente Jair Bolsonaro passam à população neste momento. Antes mesmo da publicação da lei no Diário Oficial da União, a cidade do Rio de Janeiro exibiu cenas de aglomerações nas ruas durante a reabertura de bares e restaurantes. As imagens, feitas na zona boêmia do Leblon, apresentavam pessoas sem máscaras e concentradas na porta dos estabelecimentos.

A cidade de São Paulo se prepara para abrir bares, restaurantes e salões de beleza a partir da próxima semana. As condições são de funcionamento com 40% da capacidade, redução de jornada e funcionamento até, no máximo, 17h. Ontem, em coletiva, o governador de São Paulo, João Doria, criticou os vetos de Bolsonaro, apesar de ele mesmo estar promovendo a reabertura do comércio.

“Ele foi coerente com ele mesmo. O presidente Bolsonaro não usar máscaras, não recomenda o uso de máscaras, não recomenda isolamento social, adora cloroquina. O presidente Jair Bolsonaro foi o presidente Jair Bolsonaro ao fazer esse veto”, comentou.

O governador esclareceu que, independentemente da decisão presidencial, no estado de São Paulo a regra continua valendo. “Para o governador, para o prefeito e para todos os cidadãos que vivem no estado de São Paulo. E por quê? Porque aqui nós apreciamos a vida e queremos viver”, atacou.

No Distrito Federal, dias depois de declarar calamidade pública e diante do crescimento de casos e óbitos pela covid-19, o governador Ibaneis Rocha autorizou a reabertura total do comércio e a volta das aulas presenciais em escolas e universidades das redes pública e particular no Distrito Federal. As escolas devem começar a funcionar presencialmente em 3 de agosto (leia mais na página 15).

Divergências

Em abril, o STF garantiu autonomia para que prefeitos e governadores determinem medidas para o enfrentamento ao novo coronavírus. No entanto, a falta de um discurso convergente entre o presidente e os governadores, desde o início da pandemia no Brasil, preocupa especialistas.

 “Ainda que prevaleçam as legislações locais, Bolsonaro produz o que se chama dupla mensagem”, afirma o especialista em gestão da Saúde da Fundação Getúlio Vargas, Walter Cintra.

Na avaliação dele, Bolsonaro insiste em fazer das ações de combate à pandemia um instrumento de disputa política. “Com isso, demonstra, mais uma vez, o seu desprezo pela saúde pública e o bem-estar dos brasileiros e brasileiras”, completa.

O médico infectologista Leandro Machado também vê com preocupação os vetos em relação ao uso de máscaras no combate ao coronavírus, sobretudo neste momento em que o comércio se escancara e as pessoas deixam de lado cuidados básicos. Ele defende a necessidade de orientar a população.

“As medidas de prevenção passam pelo uso do equipamento que faz barreira mecânica no controle do vírus. O uso de máscara é uma medida de prevenção efetiva que o mundo usou e está usando. Tirar isso é um risco muito alto”, observou.

Para Leandro, “é preciso educar as pessoas a adotarem não porque é lei, mas porque é necessário. Acredito ainda que isso vai se tornar um caso de vigilância pública, onde o próprio cliente vai fazer essa cobrança de que se o estabelecimento não atender aos requisitos de higiene sanitária, a pessoa deixa de frequentar”, salientou.Ou seja, tudo que não se viu na noite carioca.