O globo, n. 31700, 22/05/2020. País, p. 12

 

Chefe para índios isolados tem nomeação suspensa

Leandro Prazeres

Daniel Biasetto

Bruno Góes

22/05/2020

 

 

Desembargador do Tribunal Regional Federal da 1ª Região afirma que pastor na Funai representa ‘risco’ para política indígena

 O Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1) suspendeu ontem a nomeação do pastor evangélico Ricardo Lopes Dias para a chefia da Coordenação-Geral de Proteção a Índios Isolados e de Recente Contato da Fundação Nacional do Índio (Funai). A decisão foi dada pelo desembargador federal Souza Prudente, após recurso do Ministério Público Federal (MPF). A Funai ainda pode recorrer da decisão no Superior Tribunal de Justiça (STJ) ou no Supremo Tribunal Federal (STF).

Dias, que tem doutorado em Ciências Sociais, foi pastor e missionário durante quase dez anos ligado à entidade Missão Novas Tribos do Brasil (MNTB), que atua principalmente na região Amazônica no processo de evangelização de povos indígenas, o que é vedado pela legislação brasileira e criticado pela comunidade acadêmica e pelos movimentos indígenas.

Em sua decisão, o magistrado suspendeu tanto a nomeação de Dias quanto a mudança no regimento interno da Funai que permitiu a sua nomeação. Há um mês, o GLOBO mostrou que o coordenador omitiu sua atuação em projetos missionários de evangelização e nada fez para impedir as frequentes denúncias de invasão de missionários religiosos em área de índios isolados.

A decisão do desembargador federal Souza Prudente levou em consideração uma ação da União dos Povos Indígenas do Vale do Javari (Unijava) que integrou em consórcio o recurso do MPF e juntou no processo os casos revelados pelo GLOBO de planejamento e invasão de missionários para contatar índios korubos, no Igarapé Lambança, no Vale do Javari.

O desembargador afirma que a nomeação de Ricardo representa um “alto grau de risco à política consolidada de não contato com as populações e o respeito ao isolamento voluntário” dos povos isolados ou de recente contato.

Até a noite de ontem, a Funai não havia respondido aos questionamentos feitos pela reportagem.

A nomeação de Dias só foi possível porque o presidente do órgão, Marcelo Xavier, alterou o regimento interno da Funai permitindo que a coordenação pudesse ser ocupada por pessoas de fora da administração pública — o que também foi vetado pela decisão do TRF-1.

MISSÕES RELIGIOSAS

Parlamentares do centrão incluíram um artigo no projeto de lei sobre medidas para proteção de índios contra a Covid-19 que legaliza a permanência de missões religiosas dentro de território ocupado por índios isolados. Atualmente, a legislação proíbe a presença de missões religiosas em territórios ocupados por índios isolados e de recente contato. O projeto de lei foi aprovado ontem e segue agora para o Senado.

A manobra foi organizada por parlamentares do centrão ligados à bancada evangélica. Até a quarta-feira, o projeto que estava sendo analisado pelos deputados previa a prisão por até cinco anos para quem ingressasse em território ocupado por isolados sem autorização da Funai. O deputado Wellington Roberto (PL-PB), então, apresentou uma emenda substitutiva global que alterou o texto que foi aprovado.

O projeto aprovado prevê a proibição do ingresso nas áreas ocupadas por isolados sem autorização da Funai, mas permite que as missões religiosas que já estejam nessas áreas possam continuar atuando nelas.