O globo, n. 31700, 22/05/2020. Especial Coronavírus, p. 6

 

Negociações a mesa

Daniel Gullino

Gustavo Maia

Luiz Ernesto Magalhães

Paulo Cappelli

Arthur Leal

22/05/2020

 

 

Depois de almoço com Bolsonaro, Crivella acena com menos restrições

Após almoço no Palácio do Planalto, o prefeito diz que estuda rever regras de distanciamento social na cidade.Após almoçar,ontem, com o presidente Jair Bolsonaro no Palácio do Planalto, o prefeito do Rio, Marcelo Crivella, amenizou seu discurso sobre estratégias de combate à pandemia do coronavírus e acenou coma possibilidade de afrouxar as regras de isolamento social na cidade. Ele disse que submeterá hoje ao conselho científico do município um plano elaborado com empresários para a retomada de algumas atividades, principalmente nos setores de comércio e serviços. O anúncio foi feito no mesmo dia em que a capital do estado registrou 127 mortes a mais em relação à quarta-feira, chegando a um total de 2.376 óbitos causados pela Covid-19.

—Agora estamos no estudo da retomada. Se Deus quiser, nos próximos dias, vamos começar a reabrir as coisas—informou Crivella ao deixar o palácio.

Ainda segundo o prefeito, a reabertura será escalonada, “como em todo lugar do mundo”. Ele argumentou que houve uma queda de 80% na medição das aglomerações e no número de passageiros em ônibus, o que daria “sinais no horizonte que devemos voltar às atividades”. O encontro como presidente não constava das agendas oficiais de Crivella e Bolsonaro. Eles e recusou a dar detalhes do que foi discutido, alegando que “cabe ao anfitrião divulgá-los”.

Ao ser indagados eoa frouxamento das medidas restritivas no Rio foi um pedido do presidente, que critica o isolamento social adotado por estados e municípios, Crivella desconversou. Disse apenas que o Rio é “um fato interessante” porque conta um conselho científico que orienta a prefeitura e por nunca ter adotado o chamado lockdown.

—O Rio manteve a indústria toda aberta, inclusive a construção civil, petróleo e gás, siderúrgicas... Os serviços também. Escritórios de advocacia, contabilidade, arquitetura e engenharia, todos trabalharam normalmente. Os serviços que pararam foram aqueles prestados próximos aos clientes, como manicure, cabeleireiro, dentista. Menos de dois metros, não podia —disse Crivella, lembrando que o município já recebeu 806 respiradores comprados da China.

O otimismo do prefeito não se reflete em estimativas feitas por um grupo de matemáticos da UFRJ convocado pelo próprio Crivella para avaliar adinâmica da propagação do coronavírus no Rio. Com 18.743 casos confirmados da Covid-19, eles revelaram ontem que projetam 43.806 até o próximo dia 4. Além disso, especialistas criticaram a mudança de discurso emmeio a uma situação que preocupa. Afila por vagas em UTIs públicas tem 450 pacientes, e os hospitais privados estão com uma taxa de ocupação de 90%.

— O problema de reduzir restrições é que a cidade precisa ser avaliada como um todo. Não dá, por exemplo, para ser considerada a possibilidade, já levantada, de relaxar medidas em determinada região em detrimento de outra, porque as pessoas circulam. Isso pode favorecer contaminações — alertou a médica sanitarista Lígia Bahia, da UFRJ.

MAIS REPASSES DA UNIÃO

Crivella não comentou o que foi dito no almoço com Bolsonaro, mas, segundo fontes do município, entraram no cardápio reivindicações como a liberação de mais recursos para a saúde. Desde que começou seu mandato, em 2017, o prefeito tenta aumentar os valores repassados pelo Sistema Único de Saúde (SUS). A discussão envolve o custeio de 23 unidades.

Em 2018, Crivella alegou que a União não repassava recursos suficientes para manter essas unidades e chegou a ir à Justiça para tentar devolver aquelas que eram federais e foram municipalizadas. O assunto voltou à pauta no fim do ano passado, quando a prefeitura atrasou o pagamento de funcionários de organizações sociais e chegou atermais de R$ 200 milhões arrestados para quitar as dívidas.

O que também se comenta é que Crivella pode se tornar uma vitrine para a defesa do uso da cloroquina no tratamento de pacientes, uma bandeira de Bolsonaro. A prefeitura do Rio foi uma das primeiras do país a criar uma regulamentação para a adoção do remédio. O protocolo, porém, não obriga médicos a utilizá-lo.