Valor econômico, v.21, n.5021, 15/06/2020. Política, p. A8

 

Atraso na eleição deve beneficiar atuais inelegíveis

Luísa Martins 

15/06/2020

 

 

Em negociação entre o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e o Congresso Nacional, o possível adiamento das eleições municipais em razão da pandemia de coronavírus vai tornar aptos à disputa políticos declarados inelegíveis pela prática de caixa dois e compra de votos durante a campanha de 2012. Se a votação for mantida no primeiro domingo de outubro, eles só poderão se candidatar em 2022.

Isso porque o prazo de oito anos de inelegibilidade, previsto na legislação, começa a contar da data da eleição, que naquele ano foi em 7 de outubro. Em 2020, o pleito cai no dia 4. Ou seja, se as eleições forem adiadas em apenas três dias, quem perdeu seus direitos políticos em 2012 estará novamente habilitado a registrar sua candidatura, pois já terá cumprido a sua sanção.

Podem ser favorecidos políticos que cometeram fraudes como desvios de verba para financiamento de campanha, propaganda irregular, uso da máquina pública para obter reeleição e concessão de vantagens à população, como redução de carga horária no funcionalismo, concessão de isenção de impostos e até mesmo festas com bebida gratuita.

Nos bastidores da Corte, as assessorias técnicas já começaram a conversar sobre de que forma isso poderia - e se poderia - ser resolvido em caso de real necessidade de adiamento. Uma das hipóteses cogitadas é a inclusão, na PEC a ser eventualmente enviada ao Legislativo para alteração de data, de algum dispositivo que vete a participação desses candidatos. Não há certeza, entretanto, em torno da constitucionalidade da medida.

Há quem defenda que a proibição é necessária para que os efeitos da prorrogação do pleito sejam os mesmos para todos os cidadãos, sem dar vantagem a um grupo específico. Outra corrente compreende que o fim do prazo de inelegibilidade não pode ser flexibilizado - é esse o entendimento que encontra mais consenso entre ministros ouvidos pelo Valor. Se esse debate avançar e resultar de fato em alguma ação concreta, o Supremo Tribunal Federal (STF) deve ser provocado a dar a palavra final.

O número exato de inelegíveis que poderiam ser beneficiados pelo adiamento não é estimado pela Justiça Eleitoral, nem pela Procuradoria-Geral Eleitoral (PGE). Os registros localizados pelo Valor junto a informações do TSE apontam somente 11 casos de cassação de mandatos de prefeitos por abusos eleitorais cometidos em 2012. Ademais, isso, por si só, não significa que eles estariam automaticamente liberados para concorrer.

Há outras hipóteses que atraem inelegibilidade, como a Lei da Ficha Limpa e a rejeição de contas, pelo Tribunal de Contas da União (TCU), por irregularidades dolosas de improbidade. Contudo, não há um banco de dados unificado em que seja possível verificar a condição real de elegibilidade de cada político.

Entre os exemplos de cassação pelo TSE, estão ex-prefeitos e ex-vereadores de Estados como Amazonas, Bahia, Goiás, Minas Gerais, Piauí Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e São Paulo - e envolvem diversos partidos, como MDB, MDB, PDT, Pros, PSC e PT.

O caso mais notável é o da ex-governadora do Rio de Janeiro Rosinha Garotinho (Pros), cassada pela Corte por uso indevido dos meios de comunicação durante a campanha que resultou na sua reeleição à prefeitura de Campos dos Goytacazes em 2012. Ela ainda recorre, mas a jurisprudência do TSE prevê execução imediata do acórdão condenatório do julgamento.

Na ocasião, Rosinha divulgou, no site da prefeitura, publicidade institucional como se fossem realizações pessoais, com o objetivo de se reeleger. Além disso, contratou 1.166 funcionários temporários em período vedado pela legislação eleitoral.

Procurados pelo Valor, seus representantes não responderam sobre sua pretensão política. A filha de Rosinha e do também ex-governador Anthony Garotinho (PRP), deputada federal Clarissa Garotinho (PROS-RJ), é pré-candidata à prefeitura do Rio e tem dito contar com o apoio dos pais para a empreitada.

No Rio, o prazo de inelegibilidade estabelecido pelo tribunal também chegou ao fim para Andinho (MDB), ex-prefeito de Arraial do Cabo, condenado por distribuir certidões de IPTU a moradores de bairros carentes, levando-os a crer que havia regularizado suas casas em áreas de proteção ambiental. O Valor apurou que ele pretende voltar a concorrer em 2020, em caso de adiamento da eleição. Sua defesa não foi localizada.

Nesta semana, o presidente do TSE, ministro Luís Roberto Barroso; os presidentes da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP); e especialistas da área da saúde vão se reunir para debater o possível adiamento.

Depois de ouvir vários profissionais da saúde, Barroso relatou aos congressistas haver consenso de que, em outubro, ainda serão altos os riscos de contaminação pela covid-19. A previsão é a de que o achatamento da curva de casos comece entre agosto e setembro, de forma que a segurança do primeiro turno só estaria garantida entre o fim de novembro e o começo de dezembro.

Barroso também levou a eles a ideia de ampliar de nove para 12 horas o horário de votação. Ele tem repetido preferir postergar o pleito por poucas semanas a fazê-lo coincidir com as eleições gerais de 2022. Porém, tem ciência de que a decisão é política.

O TSE informou que não vai comentar o impacto do adiamento na elegibilidade de condenados por abuso de poder político e econômico, porque a deliberação ainda não foi feita pelo Congresso Nacional.