O Estado de São Paulo, n.46240, 24/05/2020. Internacional, p.A13

 

Democratas aderem à ofensiva de Trump contra a China

Fareed Zakaria

24/05/2020

 

 

Partido Democrata, que por medo de parecer fraco apoiou a Guerra do Iraque, inexplicavelmente se une a campanha contra Pequim

 

THE WASHINGTON POST

À medida que as pesquisas continuam mostrando uma liderança constante de Joe Biden, o presidente Donald Trump fica cada vez mais desesperado. Ele se comprometeu com uma estratégia eleitoral centrada em apontar o dedo para a China e seu líder, Xi Jinping. Durante janeiro e fevereiro, Trump fez elogios a Xi, descrevendo-o como “forte, perspicaz e muito focado”, enfatizou a estreita cooperação sino-americana contra a covid-19 e elogiou Pequim por sua “transparência’. Em 27 de março, Trump tuitou: “Estamos trabalhando juntos. Temos muito respeito um pelo outro!”

Isso foi antes de ficar claro que ele havia lidado mal com o surto nos EUA e antes que seu índice de aprovação começasse a cair. Então ele voltou a um padrão familiar – culpar os estrangeiros. Se a campanha de 2016 foi centrada em culpar o México, a campanha de 2020 se concentrará claramente em usar a China como bode expiatório. Os apoiadores de Trump já estão insistindo que a China deve pagar pelo dano que causou – o que presumivelmente acontecerá logo após o México pagar pelo muro.

Deixe-me esclarecer algo: a China claramente se envolveu em um acobertamento do surto inicial em Wuhan. As autoridades locais silenciaram aqueles que tentaram trazer a público as informações. Todo o sistema do Partido Comunista da China estava aterrorizado com o fato de essas más notícias retardarem o crescimento, assustarem os mercados e revelarem como se havia lidado mal com uma emergência de saúde pública. O PC usou a mesma estratégia, além de outras, durante o surto de SARS de 2003.

Mas as autoridades chinesas também fizeram algumas coisas certas. Eles sequenciaram todo o genoma do coronavírus e o liberaram para o mundo em 12 de janeiro, muito mais rápido do que aconteceu com a SARS. Eles também perceberam, tardiamente, que nesse caso sua censura e controle estavam exacerbando a crise da saúde pública. Em 21 de janeiro, a Comissão Central de Assuntos Políticos e Jurídicos do Partido Comunista da China divulgou um comunicado: “Quem atrasar ou ocultar deliberadamente os relatórios em nome de seus próprios interesses, estará eternamente pregado ao pilar da vergonha na história”. A postagem foi removida depois, provavelmente porque revelou que alguém estava atrasando e ocultando relatórios.

De qualquer forma, até o final de janeiro, a Organização Mundial da Saúde (OMS) havia anunciado uma emergência de saúde global e vários lugares se movimentaram rapidamente para combatê-la. Os EUA não foram um deles. Se Trump tivesse feito isso, os EUA estariam em uma situação muito diferente hoje. Taiwan, que recebe milhões de viajantes da China continental a cada ano, demorou mais que os EUA para controlar suas fronteiras, mas tomou medidas inteligentes e direcionadas para limitar a propagação do vírus. Até o momento, teve sete mortes por covid-19. Hong Kong, uma cidade densa com um número semelhante de residentes ao de Nova York, teve quatro. Esses não são erros de digitação.

O que causa perplexidade não é Trump atacar a China, mas por que os democratas estão aderindo a isso. Eles estão caindo em uma armadilha familiar. Os republicanos assumem um desafio legítimo aos EUA e colocam o país em perigo mortal, exagerando maciçamente a ameaça e acusando os democratas de apaziguamento ou mesmo de participar de uma conspiração com o inimigo. E os democratas, em vez de se manterem firmes, ficam assustados e se juntam ao alarmismo. Em resposta a anúncios atacando Biden e a China, Biden lançou seu próprio anúncio atacando a China, que chegou a competir com o de Trump em seu tom racialmente carregado. Em vez de explicar que a política em relação à China exige confronto e cooperação, a campanha de Biden reforçou o argumento de Trump.

Efeitos. Essas não são apenas palhaçadas de um ano eleitoral. Tais táticas têm consequências duradouras. Os democratas apoiaram golpes e operações secretas em todo o mundo nas décadas de 1950 e 1960, por medo de serem rotulados como fracos. Eles fracassaram no Vietnã em grande parte porque Lyndon Johnson não queria enfrentar as acusações republicanas de que ele “perdeu” um país para o comunismo.

A geração mais recente de democratas apoiou a Guerra do Iraque em grande parte porque não queria ser vista como fraca na Guerra ao Terror. Em 2002, quando os republicanos começaram a soar os tambores na guerra contra o Iraque, Biden se juntou a eles. “Não temos escolha a não ser eliminar a ameaça”, disse ele no Meet the Press. “Este é um homem extremamente perigoso para o mundo.”

A última estratégia de campanha de Trump é atacar a China e a OMS. Não importa que a OMS esteja, como observou Bill Gates, mais intimamente ligada aos EUA do que a qualquer outro país. Não importa que ela não tenha poderes para coagir países soberanos (como a China) em grande parte por causa de regras escritas e apoiadas por Washington, alérgica a interferências de grupos internacionais.

Para Trump, os ataques fazem sentido. Ele e seus seguidores querem prejudicar instituições internacionais. Eles querem o fim da cooperação global em questões como as mudanças climáticas. Eles entendem que uma Guerra Fria com a China destruiria a globalização e a abertura às regras baseadas em decretos internacionais.

Mas os democratas acreditam neste mundo. Eles veem isso como a realização de uma visão concebida por Woodrow Wilson e Franklin Roosevelt, que proporcionou paz e prosperidade sem precedentes nos últimos 70 anos. Então, por que eles estão se unindo em sua destruição?  / TRADUÇÃO DE ROMINA CÁCIA

É COLUNISTA