O Estado de São Paulo, n.46240, 24/05/2020. Política, p.A6

 

Marco Aurélio se diz ‘perplexo’ e pede saída de Weintraub

Rafael Moraes Moura

24/05/2020

 

 

Ministro da Educação defendeu a prisão de integrantes do STF durante reunião com Bolsonaro e colegas

*Tribunal. Marco Aurélio Mello criticou fala de Weintraub

O ministro Marco Aurélio Mello, do Supremo Tribunal Federal (STF), disse ontem ao Estadão que ficou “perplexo” com o vídeo da reunião ministerial do presidente Jair Bolsonaro com o primeiro escalão do governo, marcada por palavrões, ameaças e ataques a instituições. O ministro da Educação, Abraham Weintraub, chegou a dizer: “Por mim, botava esses vagabundos todos na cadeia. Começando no STF”.

“Tudo lamentável, ante a falta de urbanidade. Fiquei perplexo. O povo não quer circo. Quer saúde, emprego e educação”, disse Marco Aurélio. “Fosse o presidente (Bolsonaro), teria um gesto de temperança. Instaria o ministro da Educação a pedir o boné. Quem sabe?”

Ao levantar o sigilo do vídeo da reunião, o decano do STF, ministro Celso de Mello, apontou aparente “prática criminosa” na conduta de Weintraub, “num discurso contumelioso (insultante) e aparentemente ofensivo ao patrimônio moral” em relação aos ministros da Corte. Para Celso de Mello, a declaração de Weintraub põe em evidência “seu destacado grau de incivilidade e de inaceitável grosseria” e configuraria possível delito contra a honra.

Em sua decisão, Celso de Mello mandou comunicar os colegas do Supremo sobre os ataques de Weintraub para que os ministros, caso queiram, adotem as medidas que considerarem pertinentes.

‘Carapuça’.  Mesmo assim, Marco Aurélio não pretende tomar nenhuma medida contra o titular da Educação. “De forma alguma. Não sou vagabundo. A carapuça passou longe”, rebateu o ministro do Supremo.

Indagado pela reportagem se vê uma ameaça à democracia nas falas, o ministro foi categórico: “A resposta é desenganadamente negativa. Não vejo. Não há espaço para retrocesso”.

Um segundo ministro do STF, ouvido reservadamente, disse ter ficado “horrorizado” com o vocabulário empregado por Bolsonaro e pelos ministros, e avaliou que o material não deve provocar consequências jurídicas para o chefe do Poder Executivo.

Uma das últimas pontes que restam do Palácio do Planalto com o STF é com o presidente da Corte, ministro Dias Toffoli, que ainda não se manifestou.

Toffoli tem procurado manter um diálogo institucional com Bolsonaro e tem usado a própria a abertura das sessões plenárias – que ocorrem às quartas e quintas-feiras – para mandar recados e defender a Corte de ataques.

Aborto. Em outro momento da reunião, a ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Damares Alves, fez críticas ao STF e falou que é “palhaçada” a Corte trazer o aborto de novo para a pauta. “As mulheres que são vítima do zika vírus vão abortar e agora vem do coronavírus? Será que vão querer liberar que todos que tiveram coronavírus poderão abortar no Brasil? Vão liberar geral?”

O STF acabou rejeitando uma ação que pedia, entre outras coisas, o direito de aborto para grávidas infectadas pelo vírus da zika.