Correio braziliense, n. 20863 , 06/07/2020. Política, p.2

 

Sem projeto e sem ministro. É o MEC

Denise Rothenburg

Sarah Teófilo

Renata Rios

Maíra Nunes

06/07/2020

 

 

PODER » Fundamental para a construção da cidadania e o progresso do país, Ministério segue sem titular. Nomeação está empacada na escolha de um nome que deve agradar às alas militar e ideológica, após os fiascos Weintraub e Decotelli

Sem ministro há 18 dias e sem projeto estruturado há mais de um ano, a educação se tornou o flanco mais vulnerável do governo federal, ao ponto de até Jair Bolsonaro reconhecer que “a educação está horrível no Brasil”. A afirmação, dada em resposta a uma apoiadora na porta do Alvorada, é vista como o maior consenso do país. Em 16 meses, não há um projeto claro, nem tampouco diálogo direto com os governos municipais, estaduais e universidades. Durante os 14 meses sob o comando de Abraham Weintraub, as marcas foram a polêmica e poucas realizações. O presidente está insatisfeito por chegar, praticamente, à metade do mandato sem qualquer resultado prático para chamar de seu nesta seara, peça-chave das promessas de campanha em 2018. As restrições dos militares e dos olavistas tornam ainda mais difícil o desafio de escolher um ministro. Bolsonaro se vê espremido entre os dois segmentos e decidiu que, esta semana, vai resolver o problema com um ministro de perfil conservador e que transite nas duas correntes.

O presidente quer alguém que resolva as reclamações do setor (veja quadro), porém a cada escolha seus aliados entram em cena. O secretário de Educação do Paraná, Renato Feder, por exemplo, não suportou o bullying dos bolsonaristas e pediu para sair antes mesmo de entrar. O próprio Bolsonaro, que o convidara na semana passada, titubeou na indicação ao não defender Feder dos ataques dos apoiadores que se autointitulam “raiz”. Ao ficar exposto, o secretário seguiu o conselho de amigos: avisou em suas redes sociais que continuaria o trabalho no Paraná.

A recusa de Feder reacende as pressões sobre o presidente e expõe a disputa interna no governo. Os militares, que indicaram Carlos Decotelli, por exemplo, sonham com um ministro técnico, independentemente de amarras ideológicas. Mas os radicais querem destaque para a ideologia. “O escolhido não deve ser ideologicamente neutro, tem que ser um conservador de raiz!”, sugeriu o deputado Sóstenes Cavalcante (DEM-RJ) em seu twitter, ressaltando que a escolha é “exclusiva” do presidente. E, no meio disso tudo, há uma nova corrente interessada no cargo: o Centrão, que, depois da posse do deputado Fábio Faria nas Comunicações, declarou aberta a caça a um ministério para os senadores.

Com recusa de Feder — que chegou a chamar Bolsonaro de “estadista”, antes de ser ultrapassado por Decotelli —, passou a circular o nome de Aristides Cimadon, reitor da Universidade do Oeste de Santa Catarina (Unoesc). De acordo com a Plataforma Lattes, ele possui graduação em Filosofia, Pedagogia, mestrado em Educação, Direito e doutorado em Ciência Jurídica.

Outros nomes continuam no páreo, como os do reitor do Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA), Anderson Ribeiro Correia — que teria o aval das alas militar e ideológica —; o da secretária nacional de Educação Básica, Ilona Becskeházy; e o do assessor especial da pasta, Sérgio Sant’Anna.

Frases

“O escolhido não deve ser ideologicamente neutro, tem que ser um conservador de raiz!”

Deputado Sóstenes Cavalcante (DEM-RJ), sugerindo o perfil do novo ministro no Twitter

“O bolsonarismo parte do princípio que o comunismo tomou conta do Brasil pela educação”

Rafael Favetti, cientista político, apontando a razão pela qual os olavistas querem tanto o MEC

Desafios do cargo

Ala ideológica

Conseguir uma trégua duradoura com o grupo sob orientação do escritor Olavo de Carvalho, que contesta a ciência –– chegou a dizer que faz sentido a teoria do terraplanismo, assim como afirmou que a pandemia da covid-19 é uma empulhação –– e considera as universidades públicas “centros de formação de militantes comunistas”. O MEC tem alguns dos representantes dos ideológicos, como Carlos Nadalim, secretário nacional de Alfabetização e defensor do ensino em casa, o controverso home schooling.

Coordenação na pandemia

Estabelecer uma coordenação nacional na política educacional neste cenário de doença fora de controle. Entre os principais desafios estão a realização do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), que ainda não tem data marcada e nem se sabe se será neste ano, a retomada das aulas presenciais em todo o país e uma política de combate à exclusão digital.

Reestabelecimento do diálogo

Desinterditar as conversações do MEC com secretarias estaduais e municipais de Educação, entidades superiores de ensino (principalmente universidades e institutos federais) e o Congresso.

Fundeb e FNDE

O novo Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação precisa ser aprovado no Congresso. E o ministro tem ainda de dar uma resposta convincente para uma concorrência (sustada), do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação, de mais de R$ 3 bilhões para a compra de laptops. Somente uma escola em Minas receberia 30 mil aparelhos, o que daria 117 por aluno.

Quem esteve na pasta

Carlos Alberto Decotelli

Durou apenas cinco dias e nem sequer tomou posse. Saiu devido às mentiras que colocou no currículo que mantém na Plataforma Lattes — o que não o impediu de, na mais recente atualização, apresentar-se como ministro, apesar da passagem meteórica.

Abraham Weintraub

Olavista feroz, deixou o Brasil antes mesmo de a demissão do MEC ser oficializada. Indicado pelo governo para diretoria no Banco Mundial, nem assumiu e encontra resistências de funcionários da instituição, que pedem que seja vetado por manifestações racistas –– como o tuíte que ironizou os chineses pela maneira de falar o português. Está no inquérito das fake news por ter chamado os ministros do Supremo Tribunal Federal de “vagabundos” numa reunião ministerial. Tentou, ainda, interferir nas universidades federais para nomear reitores biônicos e, como último ato à frente do ministério, revogou as cotas para cursos de pós-graduação –– o que já foi derrubado.

Ricardo Vélez Rodríguez

O colombiano naturalizado brasileiro, indicado por Olavo de Carvalho, durou apenas três meses. Porém, no pouco tempo que ficou, enumerou polêmicas: afirmou que a universidade não é para todos, disse que “brasileiro viajando é um canibal” e pediu para que pais filmassem filhos estudantes cantando o Hino Nacional.

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País longe das metas do PNE

06/07/2020

 

 

Não é apenas o presidente Jair Bolsonaro que acredita que a educação no país deixa a desejar. Pelo relatório do 3º Ciclo de Monitoramento das Metas do Plano Nacional de Educação, divulgado na última quinta-feira, o Brasil está longe de concluir as 20 metas definidas pelo PNE e pouco avançou desde 2018. Entre as preocupações está o percentual de matrículas para jovens e adultos na forma integrada de educação profissional, que teve apenas 6,4% da meta — o percentual de alcance aponta o progresso histórico do indicador em relação à meta estabelecida pelo PNE.

Ainda de acordo com os dados divulgados, há uma retenção dos alunos no ensino fundamental, o que acaba gerando prejuízos para o estudante, que perde a motivação, e para o sistema educacional, cada vez mais distante de formar alunos em idade adequada. O Brasil tem cerca de 900 mil adolescentes, entre 15 e 17 anos, fora da escola, o que indica jovens abandonando os estudos.

Além de números insatisfatórios na educação e a falta de atenção ao setor, especialmente durante a pandemia, o próximo ministro a assumir a pasta terá que recuperar a desgastada imagem deixada por Abraham Weintraub. "O Ministério da Educação não teve, até agora, prioridade neste governo. Primeiro, foi o ministro Ricardo Vélez, muito ligado ao olavismo. Depois, o Abraham Weintraub, líder da ala ideológica do governo na Esplanada", avalia o deputado federal Israel Batista (PV-DF), secretário-geral da frente parlamentar mista da educação no Congresso. “É um problema crônico”, crítica.

Para o cientista político e professor da Universidade de Brasília (UnB) Frederico Bertholini, é importante entender que o fator que une Bolsonaro, Olavo de Carvalho e outras forças políticas, como evangélicos, está muito ligado ao componente identitário conservador. Ele conecta a pauta de costumes e valores morais. “Essa conexão é tão presente na base bolsonarista que consegue ser mais forte do que o medo das pessoas de morrer de covid-19”, explica.

Na avaliação do jurista e cientista político Rafael Favetti, “o bolsonarismo parte do princípio que o comunismo tomou conta do Brasil pela educação”, salienta, referindo-se à insistência da ala ideológica com a doutrinação.

Reconstrução

João Marcelo Borges, diretor de estratégia política do movimento Todos pela Educação, acredita que a ausência do MEC diante das demandas impulsionadas pela covid-19 foi um dos momentos mais críticos da gestão de Weintraub.

“A pandemia acentuou as duas grandes marcas da gestão dele: uma era o confronto e a omissão e a outra, a incompetência”, crítica. A pesquisa Covid-19: Impacto Fiscal na Educação Básica, realizada pelo Todos pela Educação e pelo Instituto Unibanco, estima que as perdas variem de R$ 9 bilhões a R$ 28 bilhões em 2020, a depender de como serão os próximos meses em relação à pandemia.

Outro desafio será desconstruir o clima de insegurança criado no próprio MEC e nas instituições e entidades de ensino. Para o diretor do Todos pela Educação, a tentativa cotidiana de desqualificar a educação, a ciência, os educadores e até os estudantes é uma das maiores sequelas deixadas por Weintraub. “Na educação, ficar parado significa retroceder; a educação é um processo acumulativo. A criança que está na escola e não aprende carrega esse deficit por muito tempo. É difícil estimar o tempo que essas sequelas vão durar”, explica Borges.