Valor econômico, v.21, n.5024, 18/06/2020. Política, p. A10

 

"Instituições não dizem o que o povo deve fazer"

Andrea Jubé

Matheus Schuch

18/06/2020

 

 

O presidente Jair Bolsonaro aproveitou a posse do ministro das Comunicações, Fábio Faria, para mandar recados ao Supremo Tribunal Federal (STF). Num momento de atrito com a Corte, o presidente afirmou que "as instituições não dizem o que o povo deve fazer, o povo diz o que as instituições devem fazer". Coube a Faria o tom conciliador: em seu discurso, ele fez um apelo por um "armistício patriótico".

A declaração de Bolsonaro ocorreu na presença do presidente do STF, ministro Dias Toffoli, que prestigiou a posse para mostrar que as portas do tribunal não se fecharam ao Executivo. "Não tem momento como esse que vivemos no Brasil, de ter ao seu lado grande parte da população. Cada Poder, com harmonia e independência, tem que fazer valer os valores da democracia", cobrou o presidente.

Segundo Bolsonaro, o povo brasileiro "respira liberdade, temos uma Constituição, em que pese alguns de nós não concordarem com alguns artigos". O presidente afirmou que somente "respeitando cada artigo da nossa Constituição, atingiremos nosso objetivo, para o bem de todos".

O discurso de Bolsonaro foi uma resposta velada à operação da Polícia Federal deflagrada na terça-feira, por determinação do ministro Alexandre de Moraes, no âmbito do inquérito que investiga o financiamento dos atos contra as instituições democráticas. Parlamentares expoentes do bolsonarismo, como Carla Zambelli (SP) e Bia Kicis (DF), ambas do PSL, empresários e blogueiros que apoiam o governo foram alvos de mandados de busca e apreensão e tiveram os sigilos bancários quebrados.

O presidente também está irritado com o inquérito das "fake news" no STF e com os desdobramentos no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) das oito ações que pedem a cassação de seu mandato. Ontem, antes da solenidade de posse, na porta do Palácio da Alvorada, Bolsonaro disse a apoiadores que "eles estão abusando", e que "está chegando a hora de tudo ser colocado no lugar".

Em outra frente, ativistas ligados ao grupo "300 do Brasil" simularam um bombardeio à sede do STF com fogos de artifício no último sábado, como um "recado" aos ministros da Corte. Vários suspeitos dos ataques estão presos por determinação do STF, inclusive a líder do grupo, Sara Geromini, conhecida como "Sara Winter".

Fábio Faria fez um pronunciamento em sintonia com Bolsonaro, que tem reclamado de "perseguição ideológica". Mas no estilo conciliador, pelo qual é conhecido entre seus pares no Congresso, ele alertou que é "hora de pacificar o país".

Faria pediu às autoridades uma postura de compreensão e abertura ao diálogo. "Se é tempo de levantarmos a guarda contra o novo coronavírus, também é hora de um armistício patriótico e deixarmos a arena eleitoral para 2022", exortou.

Faria pediu "respeito", e que as diferenças político-ideológicas sejam deixadas de lado porque a prioridade agora é enfrentar a pandemia, o "inimigo invisível comum, que, lamentavelmente, tem tirado a vida de milhares de pessoas, e gerado danos incalculáveis à economia".

O novo ministro disse que a mídia é prioridade do governo, defendeu a liberdade de expressão e ressaltou que os jornais ajudam a sociedade a refletir sobre a realidade. "O dinamismo dos canais de TV fechada e a força da abrangência da TV aberta, que leva informação e entretenimento ao território nacional, são verticais importantes de política pública. Assim como o rádio, esse veículo poderoso aliado das grandes cidades e amigo próximo das comunidades mais isoladas; e os jornais, que tanto ajudam a aprofundar as reflexões da sociedade", afirmou. "Somados à internet, formam o símbolo e o palco da liberdade de expressão", reforçou.

Faria disse que atenderá a um pedido de Bolsonaro para priorizar a "inclusão digital" e elogiou a capacidade de comunicação direta do presidente com a população. Ressaltou que o presidente é um "inovador na comunicação direta" porque fala com a população por meio das redes sociais e foi quem "primeiro percebeu o movimento digital espontâneo que mudaria o Brasil e o mundo". "A internet não aceita voz de comando, cada cidadão é livre e independente", destacou.

Autoridades dos três Poderes compareceram à posse. Além de Dias Toffoli, estavam presentes o presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), João Otávio de Noronha, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), que é amigo próximo de Faria, e o ministro do Tribunal de Contas da União (TCU), Bruno Dantas.

Num momento em que torcidas de times de futebol organizam atos de oposição ao seu governo e em defesa da democracia, o presidente exaltou a presença na solenidade do presidente do Flamengo, Rodolfo Landim, e do jogador do Palmeiras Felipe Mello. "A vida se faz de momentos, estou vendo muita gente feliz aqui", comemorou Bolsonaro.

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Saída de Weintraub poderá ser aceno ao STF

Andrea Jubé

Matheus Schuch

18/06/2020

 

 

O secretário nacional de Alfabetização, Carlos Nadalim, deve assumir interinamente o Ministério da Educação (MEC) no lugar de Abraham Weintraub, em um movimento previsto para ocorrer entre hoje e amanhã.

O presidente Jair Bolsonaro busca uma saída honrosa para o aliado, considerado um dos quadros mais leais e combativos da ala ideológica, mas o seu desligamento da pasta é um aceno ao Supremo Tribunal Federal (STF) e ao Congresso, num gesto para distensionar a conjuntura.

Weintraub, que é economista de formação, poderia assumir a diretoria de um banco multilateral no exterior, como vem sendo ventilado. Mas fontes ouvidas pelo Valor PRO ponderam que o ministro tem projeto político, e por isso seria mais conveniente, para ele, ficar no Brasil.

A "solução Nadalim" repete o formato caseiro que Bolsonaro vem adotando nas crises graves desde quando nomeou o próprio Weintraub, que era assessor da Casa Civil, para o MEC no lugar de Ricardo Vélez Rodríguez. Outro exemplo foi o remanejamento de Onyx Lorenzoni da Casa Civil para o Ministério da Cidadania. Weintraub e Onyx são quadros fiéis mas desgastados, de que Bolsonaro precisa se livrar sem deixá-los na chuva.

Com a corda esticada ao máximo com o STF, Bolsonaro faz um aceno de diálogo aos ministros da Corte afastando Weintraub, que figura como indiciado no inquérito das "fake news" por ter chamado os integrantes do colegiado de "vagabundos". Em contrapartida, o tribunal fez um aceno de que não fechou as portas ao Planalto: foi esse o recado do comparecimento do presidente do STF, ministro Dias Toffoli, na posse hoje do ministro das Comunicações, Fábio Faria.

A saída de Weintraub também atende a pressões do Congresso, principalmente do Senado, que cobrava a demissão do ministro. Na última semana, o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), devolveu ao Planalto medida provisória que daria poderes a Weintraub para nomear provisoriamente reitores das universidades federais.

Em paralelo, a opção por Nadalim não desagrada a ala ideológica, que tem como expoente o escritor Olavo de Carvalho. Essa ala mais radical tentou garantir a sobrevida de Weintraub no cargo, mas foi vencida pela pressão dos militares e do Congresso.

Nadalim tem perfil semelhante ao de Weintraub: é seguidor de Olavo e defende as mesmas ideias, como o ensino domiciliar. Manter o MEC na cota da ala ideológica é ponto inegociável para os bolsonaristas, que veem a pasta como um instrumento para conter a expansão de um suposto "marxismo cultural".

A situação de Weintraub já era considerada insustentável para uma parte do governo, mas piorou após sua participação em atos no último domingo, com manifestantes bolsonaristas, onde ele reforçou as críticas aos ministros do STF. Na véspera, bolsonaristas haviam disparado fogos de artifício contra a sede do tribunal.

Um dia depois, Bolsonaro criticou publicamente a participação do auxiliar no ato. "Eu acho que ele não foi muito prudente em participar da manifestação, apesar de não ter falado nada de mais ali. Mas não foi um bom recado. Por quê? Porque ele não estava representando o governo. Ele estava representando a si próprio. Como tudo o que acontece cai no meu colo, é um problema que estamos tentando solucionar com o senhor Abraham Weintraub", afirmou Bolsonaro em entrevista à BandNews TV.

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Cai apoio a militares em redes sociais, mostra pesquisa 

Cristian Klein

18/06/2020

 

 

Instituição que precisou reconquistar a confiança da sociedade depois do golpe de 1964 e do longo período em que impôs uma ditadura militar ao país, as Forças Armadas estão perdendo apoio nas redes sociais na medida em que se associam à radicalização do governo Bolsonaro. É o que indica uma pesquisa feita pela consultoria Quaest, a pedido do Valor, sobre a imagem do militarismo na plataforma mais voltada para a ação política, o Twitter.

De acordo com o levantamento, os meses de abril e maio foram os primeiros, desde o início do mandato de Bolsonaro, em que as referências a militares foram mais negativas do que positivas na rede social. Em março, houve um equilíbrio, com metade para cada lado. Em abril, 54% das postagens foram negativas, enquanto 46% se mostraram favoráveis às Forças Armadas. Em maio, reforçando a queda, o percentual de publicações críticas subiu para 55% e as positivas desceram mais, para 45%, gerando um índice de -0,18, o mais baixo da série.

A impopularidade contrasta com o clima predominante no ano passado, quando o volume de menções favoráveis, em dezembro, chegou a ser mais do que o dobro (69% a 31%) do que o de interações negativas.

O resultado atual, aponta o cientista político Felipe Nunes, da Quaest, coincide com a escalada do autoritarismo no discurso de generais que são ministros no governo Bolsonaro, como Augusto Heleno (Gabinete de Segurança Institucional), com ameaças de golpe expressas em notas e cartas abertas, assim como as frequentes manifestações de rua em que bolsonaristas pedem intervenção militar, por meio do fechamento do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Congresso Nacional.

"Em 2020, começa esse processo de queda da imagem, que está relacionado à exposição negativa dos militares, sobretudo quando ameaçam as instituições democráticas", afirma Nunes, professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Para o levantamento, o cientista político colheu por volta de 600 mil tuítes por mês, desde janeiro de 2019, de forma aleatória, que mencionavam alguma das duas dezenas de palavras relacionadas ao mundo da caserna e suas variantes, como militar(es), militarização, general(is), e ministros do governo, como Augusto Heleno e Walter Braga Netto (Casa Civil).

Para cada amostra mensal, Nunes aplicou um algoritmo de sentimento de texto que classificou o número de menções em positivas e negativas. O algoritmo foi obtido a partir de 100 mil classificações manuais, feitas inicialmente por um grupo de 15 universitários, que treinaram o modelo, levando ao "aprendizado de máquina". A razão entre o número de postagens críticas e favoráveis gerou um índice em que zero significa uma proporção igual para cada lado.

Nunes afirma que entre os tuítes mais representantivos do ápice do apoio aos militares está um publicado por Augusto Heleno, em 9 de novembro, em que o ministro critica a fala do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao sair da prisão em Curitiba. "Lula, em seu discurso, mostra quem é e o que deseja para o país. Incita a violência (cita povo do Chile como exemplo), agride várias instituições, ofende o Pres Rep e mostra seu total desconhecimento sobre carreira militar."

Por outro lado, duas publicações recentes do mesmo general da reserva são simbólicas do rechaço à radicalização dos bolsonaristas, aponta Nunes. Na primeira, em 13 de maio, Heleno chama de "ato impatriótico, quase um atentado à segurança nacional" a divulgação de modo integral do vídeo da reunião ministerial citado pelo ex-ministro da Justiça Sergio Moro como prova da tentativa de Bolsonaro de interferir na Polícia Federal.

O segundo tuíte, que também gerou muitas reações negativas, é a "nota à nação brasileira", de 22 de maio, na qual o ministro faz ameaças e sugere "consequências imprevisíveis para a estabilidade nacional" caso Bolsonaro fosse obrigado a entregar seu celular à Justiça.

"Parece que o sucesso dos militares é associado à perseguição ao Lula e ao PT. Mas o insucesso é uma mistura de ameaça de intervenção e a reação ao vídeo da reunião ministerial", afirma Nunes, que faz o monitoramento mensal da imagem de políticos e figuras públicas nas redes sociais por meio do Indice de Popularidade Digital (IPD).

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TSE vai julgar Bolsonaro por uso de outdoors 

Isadora Peron

Luísa Martins

18/06/2020

 

 

O presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Luís Roberto Barroso, incluiu na pauta de julgamento de terça-feira uma ação que pede a cassação dos mandatos do presidente Jair Bolsonaro e do vice Hamilton Mourão, por suposto abuso de poder econômico.

O processo, apresentado pelo PT, afirma que a campanha de Bolsonaro estava por trás do uso de outdoors em 33 municípios, de 13 Estados. Para o partido, as peças apresentavam semelhanças. Na época, o então candidato afirmou que esse tipo de publicidade era espontânea. O uso de outdoors é proibido pela legislação eleitoral.

Segundo a assessoria de imprensa do TSE, o processo foi liberado para julgamento pelo corregedor, ministro Og Fernandes, em 15 de maio e será analisado agora porque Barroso tem observado a ordem cronológica para elaborar a pauta.

Na semana passada, o plenário da corte retomou o julgamento de outras duas ações que pedem a cassação de Bolsonaro. A votação, porém, foi interrompida com um pedido de vista do ministro Alexandre de Moraes. O tema é um ataque "hacker" que derrubou um grupo criado por mulheres contrárias a Bolsonaro, criado no Facebook.

Após o TSE retomar a análise das ações, Bolsonaro tem afirmado que não aceitará interferências indevidas de outros Poderes no seu governo. Em uma nota assinada com Mourão, ele disse que as Forças Armadas "não aceitam tentativas de tomada de poder por outro Poder da República, ao arrepio das leis, ou por conta de julgamentos políticos".

Em entrevista recente, afirmou que o processo julgado na semana passada pelo TSE já deveria ter sido arquivado e que julgá-lo por isso é " inadmissível". "Isso, no meu entender, é começar a esticar a corda."

Além dessas ações, que são consideradas mais difíceis de prosperar na corte, há outras quatro que apuram se houve a contratação, por empresários bolsonaristas, do serviço de disparos em massa de mensagens pelo WhatsApp durante a campanha eleitoral.

Ainda não há previsão para que esse julgamento ocorra. Og Fernandes espera uma resposta de Moraes sobre o compartilhamento de provas do inquérito das "fake news", que atingiu aliados do presidente.

Também tramita no TSE uma outra ação que aponta suposto favorecimento da chapa Bolsonaro-Mourão pela TV Record durante a cobertura das eleições.