Correio braziliense, n. 20860 , 03/07/2020. Política, p.3

 

Presidente classifica a educação de "horrível"

Luiz Calcagno

Renata Rios

03/07/2020

 

 

PODER » Bolsonaro critica sistema educacional do Brasil, e especialistas lembram que o próprio governo nada fez pelo setor. Eles ressaltam que o problema é histórico

O presidente Jair Bolsonaro afirmou que a educação no país está em situação “horrível”. A declaração, na saída do Palácio da Alvorada, foi em resposta a uma apoiadora que se apresentou como representante de escolas particulares. Ela disse ao chefe do Executivo que a área “está definhando no Brasil”. “Está definhando? A educação está horrível no Brasil”, afirmou o comandante do Planalto. “Talvez, escolha hoje (ontem) o ministro da Educação”, emendou ele. Mas, o anúncio do novo titular da pasta não tinha sido feito até fechamento desta edição.

Especialistas do setor corroboram a declaração do presidente. Eles alertam que o sistema educacional brasileiro enfrenta problemas históricos e que, neste governo, os ministros que ocuparam a pasta — Ricardo Vélez Rodríguez e Abraham Weintraub — nada fizeram para reverter o quadro. O terceiro a ser conduzido à função, Carlos Alberto Decotelli, nem chegou a tomar posse. Ele teve a nomeação anulada no Diário Oficial da União (DOU) de ontem, após uma série de inconsistências no currículo.

Claudia Costin, diretora do Centro de Excelência e Inovação em Políticas Educacionais da Fundação Getulio Vargas, afirmou que “a educação brasileira tem graves problemas”. “Dois deles são uma profunda desigualdade educacional e uma crise de aprendizagem”, frisou. Ela disse que o país demorou para universalizar o acesso à educação e foi um dos últimos a agir nesse sentido na América Latina. “Não é que vinha bem e ficou ruim e, agora, tende a se resolver. Desde a década de 1930 já éramos inferiores a outros países da América Latina. Em meados dos anos 1990, avançamos, com a entrada das crianças na escola”, relembrou. 

“Sabemos que a educação não está bem, pois aprendemos a avaliar os resultados. Fizemos uma série de melhorias recentemente. E a cada edição no Saeb (Sistema de Avaliação da Educação Básica), o 5º ano vem melhorando em aprendizagem. O 9º ano, nas três últimas. Alguma coisa começou a ir na direção correta”, disse. “Mas, após uma gestão de guerra ideológica, se perdeu um ano e meio de avanço.”

Para a especialista, Weintraub deveria ter se concentrado no Plano Nacional de Educação (PNE). “Mas não resolvemos. E vem a pandemia, e a desigualdade educacional e a crise de educação serão aprofundadas. A educação não está ‘horrível’, está em um estágio muito atrasado, e o que precisava ser feito foi substituído por disputas ideológicas”, criticou.

O sociólogo e professor emérito da Universidade de Brasília (UnB) Pedro Demo ironizou o comentário do presidente. “Eu acho que, informalmente, ele tem toda razão. A educação está horrível, e os dados do Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica) são péssimos. Em 2017, só 9% aprenderam matemática. É uma escola que não funciona.”

Relatório

Ontem, foi divulgado o Relatório do 3º Ciclo de Monitoramento das Metas do PNE. Os dados mostram o desempenho da educação no país em relação a 20 metas estipuladas no plano. O pior resultado ficou com o percentual de matrículas da educação de jovens e adultos na forma integrada de educação profissional, que teve apenas 6,4% do alcance da meta. Já o de docentes com mestrado ou doutorado na educação superior chegou a 108,4% do alcance do objetivo. Entre os títulos concedidos por ano no país, o Brasil superou a meta de 60 mil e alcançou 64.432.

Simone Uler Lavorato, professora da Rede Pedagógica, define os resultados como tristes, mas esperados. “Das 20 metas, apenas uma foi alcançada, que, na verdade, ocorreu em 2018. Então, já tem um bom tempo que estamos até retrocedendo em relação às metas”, lamentou. Para ela, a falta de investimento é um fator preocupante nesse cenário.

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Aras defende que Bolsonaro decida sobre depoimento

Sarah Teófilo

03/07/2020

 

 

O procurador-geral da República, Augusto Aras, defendeu, ontem, que o presidente Jair Bolsonaro escolha a forma como quer prestar depoimento à Polícia Federal no âmbito do inquérito que apura suposta interferência política dele na corporação. A investigação está no Supremo Tribunal Federal (STF), sob relatoria do ministro Celso de Mello.

Aras deu três opções ao presidente: exercer o direito constitucional de permanecer em silêncio, encaminhar por escrito as respostas a questões formuladas pelo relator e pelas partes, ou indicar a data e local para a oitiva. Foi a Polícia Federal que pediu ao STF para ouvir o chefe do Executivo. A Corte, então, solicitou manifestação da PGR sobre o assunto.

Aras cita, na resposta, que a legislação brasileira estabelece exceção ao princípio da oralidade nas oitivas de testemunhas no caso do presidente, vice, presidentes da Câmara, do Senado e do STF. Conforme o Código de Processo Penal, as pessoas que ocupam esses cargos podem optar por prestar o depoimento por escrito. “Dada a estatura constitucional da Presidência da República e a envergadura das relevantes atribuições atinentes ao cargo, há de ser aplicada a mesma regra em qualquer fase da investigação ou do processo penal”, afirmou o PGR.

O inquérito foi aberto em maio, prorrogado em junho e estendido novamente, na última quarta-feira, por mais 30 dias. A apuração teve início após acusações feitas pelo ex-ministro Sergio Moro, ao deixar o governo, de que Bolsonaro tentou interferir na PF e ter acesso a relatórios de investigações.