Valor econômico, v.21, n.5025, 19/06/2020. Política, p. A7

 

Supremo valida inquérito das 'fake news'

Luísa Martins

Isadora Peron

19/06/2020

 

 

Por dez votos a um, o Supremo Tribunal Federal (STF) validou ontem o chamado inquérito das "fake news", que vai continuar apurando ofensas e ameaças a ministros da Corte e a seus familiares. A maioria do plenário entendeu que o procedimento tem amparo constitucional e que os ataques não podem ser considerados um exercício do direito à liberdade de expressão.

O julgamento teve início na semana passada, quando o relator, ministro Edson Fachin, votou pela improcedência da ação protocolada pelo Rede Sustentabilidade. O partido questionava a legalidade do inquérito, cercado de polêmicas desde a sua instauração - principalmente por ter sido aberto por iniciativa própria de Toffoli, sem participação do Ministério Público Federal (MPF).

Na quarta-feira, outros sete ministros acompanharam o relator. O resultado definitivo foi proclamado ontem, com mais dois votos favoráveis e um contrário ao prosseguimento das investigações no Supremo.

Prevaleceu a tese de Fachin que considerou constitucional a portaria que instaurou o inquérito. O relator, no entanto, estabeleceu algumas delimitações, como a proibição de investigar matérias jornalísticas ou publicações isoladas nas redes sociais, isto é, que não estejam sob suspeita de integrar esquemas orquestrados e financiados de disseminação de notícias falsas para desmoralizar o Poder Judiciário.

Aderiram a esse voto, além de Toffoli, os ministros Alexandre de Moraes, Luís Roberto Barroso, Rosa Weber, Luiz Fux, Cármen Lúcia, Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes e Celso de Mello. A única divergência foi a do ministro Marco Aurélio Mello.

A sessão de ontem começou pelo voto dele, que reclamou do fato de o inquérito ter sido instaurado por decisão individual, sem crivo do plenário. Ele ainda apontou que a investigação não respeita o direito dos acusados de serem julgados por magistrados imparciais.

Os outros dois votos se somaram à maioria que já havia sido formada. O ministro Celso de Mello disse que a rede de propagação de "fake news" revelada pelo inquérito tem características semelhantes às das organizações criminosas.

"A máquina atua com apoio financeiro e divisão de tarefas, mediante núcleos decisórios, financeiros, políticos e técnicos, à semelhança das organizações criminosas, objetivando ataques sistemáticos e coordenados à dignidade do Supremo", disse, chamando os investigados de "delinquentes que agem no submundo do crime digital."

Último a votar, Toffoli embargou a voz ao dizer que a medida foi tomada em nome da "tutela da ordem democrática". O ministro disse que a "verdadeiras milícias digitais" põem a democracia em risco. Segundo ele, as publicações na internet não são meras críticas, mas "notícias fraudulentas, usadas com o propósito de obter vantagens indevidas políticas, econômicas e culturais".

Exaltando o tom de voz, disse que o grupo perpetua "a ideologia da força bruta e do caos", além de banalizar a política, a democracia, a liberdade de imprensa e a de expressão. "Plantam medo para colher o ódio. Plantam ódio para colher medo. Querem o confronto como forma de dominação, a desinformação como religião e o caos como Deus."

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Projeto que combate as notícias falsas pode ser votado no dia 23

Renan Truffi 

19/06/2020

 

 

O presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), estuda marcar para a semana que vem a votação do projeto de combate à disseminação das “fake news”, de autoria do senador Alessandro Vieira (Cidadani-SE). A intenção é tentar votar na terça-feira, 23, mas, no mesmo dia, os senadores cogitam votar o adiamento das eleições municipais, o que pode tumultar a sessão. Alcolumbre deve consultar os líderes partidários sobre uma data, após o Supremo Tribunal Federal (STF) ter decidido prosseguir com o inquérito que investiga a propagação de notícias falsas.

O presidente do Senado estava adiando a apreciação do projeto porque defendia que era importante aguardar o posicionamento do Judiciário, o que aconteceu ontem. Segundo interlocutores, a continuidade das investigações no STF dá mais legitimidade, na avaliação dele, para que o Senado se debruce sobre o tema e apresente um projeto capaz de coibir esse tipo de prática.

O agendamento da votação também dependia da conclusão do relatório, previsto para ser protocolado hoje pelo senador Angelo Coronel (PSD-BA). Nesta semana, o parlamentar baiano fez rodadas de conversas com organizações da sociedade civil e especialistas da área. O parecer deve trazer uma exigência para que as redes sociais requisitem algum tipo de documentação dos usuários, como CPF ou RG. Outra proposta dele é que as companhias telefônicas façam o recadastramento de todos os usuários pré-pagos, como forma de identificar as pessoas físicas por trás da disseminação de mensagens por aplicativo de conversa instantânea.

Há duas semanas, a cúpula do Congresso passou a defender que os parlamentares construam um texto de consenso sobre a questão. Na prática, no entanto, há pelo menos outros dois congressistas trabalhando em propostas paralelas. O autor do projeto, senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE), por exemplo, preparou substitutivo para servir como alternativa ao seu próprio texto, caso o parecer de Angelo Coronel não agrade. Na avaliação de aliados dele, o relator é “imprevisível” e será preciso ter um plano B, caso haja divergências.

Neste substitutivo, o senador do Cidadania deve propor algum tipo de enquadramento criminal. Uma das sugestões dele é que, caso haja ação organizada, a disseminação de “fake news” seja caracterizada como organização criminosa e, em casos específicos, lavagem de dinheiro.

Organizações ligadas ao debate da comunicação na web temem que esse tipo de legislação seja usada para “perseguição” e contra a liberdade expressão na internet. Por outro lado, Alessandro Vieira quer vedar qualquer tipo de publicidade oculta e a comercialização de ferramentas que manipulem os algoritmos das plataformas.

Já o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), escalou o deputado Orlando Silva (PCdoB-SP) para fazer a interlocução com “think tanks” e especialistas. A ideia é que ele tenha uma versão alternativa em nome da Câmara, para que os dispositivos sejam apresentados numa negociação com o Senado.