Valor econômico, v.21, n.5025, 19/06/2020. Brasil, p. A2

 

Educação precisa ter mesma atenção que saúde e economia, dizem especialistas

Leila Souza Lima 

19/06/2020

 

 

No dia em que o ministro da Educação, Abraham Weintraub, anunciou que deixará a pasta, especialistas defenderam, em Live do Valor, que os desafios da área no âmbito da pandemia da covid-19 são pauta urgente e precisam ser equiparados às questões relacionadas à saúde e economia. Para Denis Mizne, diretor-executivo da Fundação Lemann, e Tatiana Filgueiras, vice-presidente de Educação e Inovação do Instituto Ayrton Senna, as estratégias para compensar as lacunas na aprendizagem causadas pela crise partiram praticamente de iniciativas locais, sem correspondência, até o momento, do governo federal.

"O que vemos em todo o mundo é que o papel de um órgão central para dar as diretrizes é muito importante. Quais são as diretrizes sanitárias? Como vai ficar o calendário? Vai recompor este ano no seguinte, ou não?", questionou Mizne. Segundo ele, a posição do Ministério da Educação foi de negacionismo da pandemia. "Houve uma posição do MEC de não reconhecer a pandemia", disse.

"É um fato, ele [o ministro Weintraub] não participou. Isso deixou Estados e municípios com a responsabilidade de fazer tudo sozinhos. Realmente as escolas estão nas cidades, são de controle de municípios e Estados. Então não é impossível fazer. Tanto que houve uma resposta muito boa, com apoio da sociedade civil. Mas faz muita falta essa coordenação", observou o consultor.

Denis Mizne ressaltou o papel do Conselho Nacional de Educação como órgão que tomou a dianteira na formulação das ações. "Quem acabou assumindo o papel normativo foi o Conselho Nacional de Educação, que tem emitido normativas e diretivas importantes. "A gente espera que, mesmo tardiamente, o MEC chegue a esse tema."

Para Tatiana Filgueiras, esse aspecto é o que fará diferença entre o Brasil e outras nações, como as da União Europeia. "Há um consenso entre esses países que é a presença forte dos governos federais na regulação das políticas macro." Falhas nesse aspecto, ressaltou, podem aumentar drasticamente a desigualdade na educação.

Tatiana afirmou, contudo, que nações como o Brasil também não podem apenas pensar em políticas educacionais de forma macro e centralizada, pois o tema requer debate e consenso no âmbito do pacto federativo. "Essa conversa precisa acontecer", frisou.

Na visão de Mizne, garantir acesso à educação e a ferramentas de aprendizagem é fundamental ao preparo das gerações futuras, para assegurar a produtividade e o crescimento econômico. "No médio prazo, no Brasil, não vamos sair dessa armadilha do baixo crescimento, da baixa produtividade e da enorme desigualdade social sem garantir aprendizagem", ressaltou.

Mizne observou que a educação só não sofreu mais perdas porque, logo no início da crise, organizações dedicadas à educação, entre elas a própria Fundação Lemann, somaram esforços no sentido de apresentar alternativas para que alunos não ficassem cem dias sem contato com a escola. "Foi a primeira vez que o Brasil conseguiu ter uma estrutura com Estados e municípios trabalhando duramente para oferecer, em parceria com a sociedade civil, aulas a distância, on-line e por televisão, pacotes de dados gratuitos para os alunos que não podem pagar."

Mas, para o diretor-executivo da Fundação Lemann, é preciso avançar em planos que compensem as perdas educacionais. "Não deu para fazer no país inteiro, mas um enorme número de alunos conseguiu ter acesso a alguma forma de aprendizado com qualidade." O desafio agora, disse ele, é intensificar esforços por meio de ações de reforço escolar, que vão demandar investimento em tecnologia.

Tatiana Filgueiras observou que não investir em educação significa sacrificar o futuro. "Se saúde e economia estão na pauta, educação está por trás disso." Segundo ela, que acompanha dados e números da Unesco e do Banco Mundial, o país pode buscar experiências dos países que foram apanhados antes pela pandemia e que já começaram as estratégias de saída, ao usar diversas formas de aprendizagem combinadas, aliando papel e tecnologia para superar dificuldades.

"No Brasil, 18% dos alunos do ensino básico apenas não têm acesso à internet. Mas se olharmos os 20% mais pobres, chegam a 44% o total sem acesso", pontuou Tatiana, para destacar que será necessário priorizar ações de inclusão.

"É preciso reduzir a desigualdade, e haverá um aumento drástico. O Brasil é o país da desigualdade inclusive na educação, não existe chance de ela não aumentar. Só que essa questão estava adormecida", frisou.

De acordo com Tatiana, a reabertura das escolas terá que ser repensada em cima dessa pauta. "Temos a oportunidade de reinventar, redesenhar as estratégias, e de focar em quem tem menos acesso."