Correio braziliense, n. 20859 , 02/07/2020. Cidades, p.19

 

Vacina contra a covid-19 será testada em Brasília

Darcianne Diogo

Walder Galvão

02/07/2020

 

 

CORONAVÍRUS » Em meio ao aumento de casos do novo coronavírus, a Universidade de Brasília (UnB) promoverá os testes de imunização desenvolvida por empresa chinesa. Início do procedimento depende de autorização da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa)

Após ultrapassar a marca de 50 mil infectados e 500 mortos pelo novo coronavírus, o Distrito Federal está entre as unidades da Federação escolhidas para a promoção de testes da vacina contra a covid-19. A pesquisa sobre a imunização criada por uma empresa chinesa será coordenada pela Universidade de Brasília (UnB). A instituição aguarda a finalização das tratativas do Instituto Butantan, em São Paulo, com a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), além da definição dos detalhes técnicos e científicos da pesquisa, para dar início ao procedimento. Especialistas alertam que a vacina é a única saída para que sejam cessadas as medidas de restrição, já que a capital tem queda na adesão ao isolamento social.

Além de Brasília, os testes ocorrerão em São Paulo, no Rio de Janeiro, em Minas Gerais, no Rio Grande do Sul e Paraná, como anunciou o governador de São Paulo, João Doria (PSDB), ontem. A produção está a cargo da farmacêutica chinesa Sinovac Biotech e será testada em 12 centros de pesquisa do país, em 9 mil voluntários. A imunização está na terceira fase, ou seja, é testada em humanos. Caso seja aprovada, a Sinovac e o Butantan firmarão acordo de transferência de tecnologia para produção em escala industrial e fornecimento gratuito pelo Sistema Único de Saúde (SUS), no Brasil.

Ao Correio, o infectologista Gustavo Romero, coordenador da pesquisa no DF e professor do Núcleo de Medicina Tropical da UnB, detalhou como será a aplicação da vacina na capital. “O que posso informar, agora, é de que se trata de um produto vacinal, que se aplica em duas doses, com intervalo de 14 dias. Ela produziu resultados promissores na fase 2, que se chama de desenvolvimento. No caso, essa vacina tem o efeito de produzir anticorpos capazes de neutralizar o vírus”, revelou.

A execução do projeto contará com o apoio de equipes do Hospital Universitário de Brasília (HUB). Os detalhes sobre o número de pacientes que serão tratados e quem poderá receber a dose só serão definidos após a autorização da Anvisa. O Correio entrou em contato com a Vigilância Sanitária, mas, até o fechamento desta edição, não obteve retorno. “É uma preocupação da população do DF em saber quantas pessoas terão acesso. Estamos esperançosos e sabemos que isso é importante para a comunidade”, ressaltou Gustavo.

Desafio

O epidemiologista da UnB Walter Ramalho explica que, como as medidas de restrição falharam para conter o avanço da doença no DF, a vacina seria a única alternativa para que a população volte à normalidade — na segunda-feira, o governador Ibaneis Rocha (MDB) decretou estado de calamidade pública. “A principal questão do combate ao coronavírus é que temos uma grande parcela da população que teve o contato com ele, mas não desenvolveu doença. Essas pessoas sem sintomas que transmitem a covid-19 são o nosso principal gargalo, porque não temos condições de contê-las”, comentou.

Em relação à capital ter sido escolhida para iniciar as testagem, o especialista ressalta que isso se deve à capacidade de trabalho da UnB. “Um dos nossos pesquisadores estava trabalhando com o Butantan para desenvolver uma vacina para a dengue; portanto, tínhamos uma estrutura fácil de mobilizar para ir a campo”, explicou. Entretanto, em relação à quantidade de casos e óbitos, ele ressaltou que a situação atual é de alerta.

O epidemiologista avalia que, do Brasil, o GDF foi o primeiro a reduzir a mobilidade social, fato importante para evitar maior impacto da covid-19 no início da pandemia. Entretanto, Walter considera que a medida não conseguiu ser eficaz, pela falta de adesão da população. “É muito complexa essa retomada de atividades. Precisamos, primeiro, ver os dados de julho. Entendo as decisões do governo, por conta desse momento de grande impaciência na sociedade, mas acho uma pena que isso esteja acontecendo. Poderíamos contornar essa situação se todos estivessem juntos”, lamentou.

UTIs

Além da dificuldade em manter o isolamento, termina, amanhã, o prazo para o GDF informar a capacidade dos leitos de unidade de terapia intensiva (UTI) à Justiça Federal. Decisão assinada pela juíza Raquel Soares Chiarelli, da 21ª Vara Federal da Seção Judiciária do DF, intima o Executivo local e a União a demonstrar que há vagas, equipamentos, insumos e recursos humanos suficientes para a população. A determinação levou em conta a “iminência da liberação das restrições ainda existentes no DF”.

Levantamento da Secretaria de Saúde mostra que 72% das UTIs exclusivas para pacientes com coronavírus estão ocupadas. Somando as redes pública e privada, há 729 leitos e 525 internados. Em nota, a pasta informou que monitora a evolução dos casos diariamente e que o pico da doença está previsto para a primeira quinzena do mês. “É importante ressaltar que não é esperada uma explosão de casos, tendo em vista que, no DF, há um crescimento médio de casos diários de 5%, e esse crescimento tem se mantido constante”, informou.

A Secretaria de Saúde acrescentou que a evolução da capacidade de atendimento da rede acompanha a evolução de diagnósticos. E completou que investiu R$ 20 milhões na compra de equipamentos de proteção capazes de abastecer o sistema por seis meses.

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Entrevista - Wildo Galvão: "Não é pico, é uma enorme onda"

José Carlos Vieira

02/07/2020

 

 

“Sessenta mil mortes não é uma gripezinha”, alerta o epidemiologista Wildo Navegantes sobre o avanço da covid-19 no país. A reabertura geral das atividades é um risco, afirma, ao defender mais clareza das informações vindas da Sala de Situação do GDF.

A OMS prevê o pico da doença no Brasil em agosto, o DF seguirá esse padrão? Ou já chegamos nesse pico...

Se o problema fosse só o pico em agosto, na verdade, estamos passando por uma enorme onda, grande e larga, que gera efeitos traumáticos em uma sociedade, para além da crise sanitária, estamos passando por uma crise humanitária e política. Precisaríamos muito fortemente o contínuo respeito às orientações do corpo técnico dos governos, aos profissionais de saúde que devotam a sua vida ao cuidado dos outros, bem como aos cientistas que estão investindo suas energias para identificar soluções. Precisamos formar mais profissionais, incluindo os da saúde, para fazer parte da resposta a essa pandemia. 

A distribuição de máscaras na rede pública de ensino é eficaz sozinha?

Não, sozinha não é eficaz... Precisa de um plano de contingência para cada escola, que inclua a oferta e supervisão adequada de limpeza nas áreas de maior fluxo de crianças, oferta de material para descontaminação das mãos, distanciamento dos estudantes nas salas de aula, cuidados na oferta das merendas, monitoramento de infecção por relato diário de sintomas em cada sala, afastamento de cada caso suspeito e seus contatos intraescolares por 14 dias, sendo monitoradas diariamente esses afastados e em casa. Lembremos que temos crianças de diferentes idades, além de professores, merendeiras, colegas do setor administrativo, segurança de diferentes idades, que podem ter doenças crônicas e que remetem a melhor cuidado!

O percentual de casos na Espanha aumentou 8% depois das quedas no número de mortes. A abertura das atividades não é um risco?

Sim, há um risco muito claro que, com o processo de reabertura, as pessoas voltem a intensificar os seus contatos interpessoais e tenhamos um grande boom de casos, principalmente porque não sabemos claramente quantas pessoas ainda podem se infectar.

Nesse período frio, poeira e de ventos constantes ampliam propagação do vírus?

Não temos dados que suportem esta hipótese até o momento.

Há um ruído de informações na Sala de Situação do GDF, que monitora a pandemia? O Ministério Público questiona esses números. Por que esse atrito?

Não sabemos muito o que se passa entre a demanda do MP frente à Sala de Situação do GDF, mas, com certeza, o grau de transparência pode favorecer para que estes atritos diminuam. Exemplo, quais dados levam o GDF a tomar a decisão de redução do distanciamento social e incentivo das aglomerações nas atividades comerciais? O Estado tem total capacidade de fiscalização das medidas de controle (e uso de máscara) em todo o seu território? Tem capacidade de monitoramento dos casos suspeitos por 14 dias, até que saia o resultado laboratorial? Há uma lotação dos leitos clínicos, que continuam aumentando. A doença está chegando às periferias e às populações mais pobres, e, por conseguinte, mais vulneráveis... Essas interrogações fazem com que o MP precise, de fato, “atritar” as decisões de governo. Eu acho que está muito claro que 60 mil mortos não se tratam de uma “gripezinha”.