O Estado de São Paulo, n.46242, 26/05/2020. Política, p.A7

 

Bolsonaro acredita que inquérito vai ser arquivado

Patrik Camporez

Marlla Sabino

26/05/2020

 

 

Alvo de investigação, presidente se convida e visita Aras; procuradores veem pressão

Encontro. Aras e Bolsonaro conversaram por 15 minutos; PGR decidirá rumo da investigação que apura interferência na PF

Alvo de um inquérito que apura suspeita de interferência na Polícia Federal, o presidente Jair Bolsonaro fez ontem uma visita inesperada ao procurador-geral da República, Augusto Aras, a quem caberá decidir se o denuncia ao Supremo Tribunal Federal (STF). Procuradores que atuam no caso disseram ter visto o gesto como uma espécie de pressão do presidente e citam não ser a primeira vez que Bolsonaro tenta demonstrar proximidade com Aras, chefe dos investigadores. Em discurso, o procurador-geral defendeu “harmonia entre os poderes”, repetindo narrativa do Palácio do Planalto ao criticar decisões da Corte.

O encontro ocorreu logo após solenidade de posse do subprocurador Carlos Alberto Vilhena no cargo de Procurador Federal dos Direitos do Cidadão, que era acompanhada por Bolsonaro do Palácio do Planalto, via videoconferência. Ao fim da cerimônia, Aras o questionou se gostaria de falar algo. O presidente, então, “se convidou” para ir pessoalmente à sede da PGR “apertar a mão” do novo subprocurador.

“Se me permite a ousadia, se me convidar, eu vou agora aí apertar a mão do nosso novo colegiado maravilhoso da Procuradoria-Geral da República”, disse Bolsonaro. “Estaremos esperando Vossa Excelência com a alegria de sempre”, respondeu Aras. O Estadão apurou que, inicialmente, o procurador-geral achou se tratar de uma brincadeira.

A visita durou cerca de 15 minutos e não foi acompanhada pela imprensa. Horas depois, Bolsonaro divulgou um vídeo em suas redes sociais com cenas do encontro.

Pouco antes da visita, ao falar durante a solenidade, Aras defendeu autonomia do Ministério Público Federal, mas em “harmonia” com os outros poderes. “Independência, mas acima de tudo harmonia, para que a independência não se transforme no caos. Porque é a harmonia que mantém o tecido social forte, unido, em torno dos valores supremos da nação”, afirmou o PGR.

A defesa da “independência” e da “harmonia” foi repetida por Bolsonaro poucas horas depois, em nota na qual trata da divulgação de vídeo de reunião ministerial no dia 22 de abril. “É momento de todos se unirem.

Para tanto, devemos atuar para termos uma verdadeira independência e harmonia entre as instituições da República, com respeito mútuo”, diz a nota divulgada pela Secretaria de Comunicação da Presidência.

O pedido de união ocorreu um dia após Bolsonaro sugerir que o ministro Celso de Mello, relator do caso no Supremo, cometeu crime de abuso de autoridade ao divulgar vídeo de uma reunião ministerial. Na avaliação de juristas ouvidos pela reportagem, no entanto, não é possível atribuir abuso de autoridade ao ministro do STF.

“Espero responsabilidade e serenidade no trato do assunto”, diz outro trecho da nota de Bolsonaro. Integrantes do Palácio do Planalto tem feito duras críticas a decisões do decano.

Inquérito. O inquérito sob os cuidados da PGR apura as acusações feitas pelo ex-ministro da Justiça Sérgio Moro de que o presidente interferiu indevidamente na Polícia Federal para proteger aliados. Imagens da reunião ministerial divulgadas na sexta-feira, 22, mostram o presidente cobrando mudanças no comando da “segurança no Rio” que, segundo o ex-ministro, comprova a tentativa de interferência. Na versão do Palácio do Planalto, o presidente falava da segurança de sua família, que é atribuição do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), chefiado pelo general Augusto Heleno. O vídeo, porém, deixa claro que Bolsonaro olha para Moro enquanto fala.

O Estadão revelou no sábado que, horas antes da reunião ministerial, Bolsonaro enviou a Moro mensagem que evidenciam que as cobranças feitas pelo presidente durante o encontro estavam relacionadas à PF.

Na nota divulgada ontem, Bolsonaro disse acreditar no arquivamento do inquérito. “Nunca interferi nos trabalhos da Polícia Federal. São levianas todas as afirmações em sentido contrário. Os depoimentos de inúmeros delegados federais ouvidos confirmam que nunca solicitei informações a qualquer um deles”, afirma.

Constrangimento. Aras foi escolhido pelo presidente para comandar a PGR no ano passado sem passar pelo crivo da categoria. Uma lista tríplice eleita pela Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR) chegou a ser apresentada ao presidente, que a ignorou, indicando para o cargo um nome fora da relação.

Dois procuradores ouvidos pela reportagem em caráter reservado afirmaram não ser a primeira vez que há, nas palavras deles, uma tentativa de “constranger” Aras. No mês passado, uma reunião do procurador-geral e com o ministro da Casa Civil, Walter Braga Netto, foi interrompida de surpresa por Bolsonaro. O encontro inesperado foi divulgado logo em seguida.