O Estado de São Paulo, n.46235, 19/05/2020. Política, p.A6

 

Inquérito de vazamento na PF é reaberto

Wilson Tosta

19/05/2020

 

 

Arquivada em 2018, investigação sobre divulgação irregular de informações na Furna da Onça é reaberta após afirmações de Paulo Marinho

Senador. Defesa de Flávio Bolsonaro afirma que empresário tem interesse em prejudicá-lo

O Controle Externo da Atividade Policial do Ministério Público Federal instaurou um Procedimento Investigatório criminal (PIC) para apurar os supostos vazamentos da Polícia Federal na Operação Furna da Onça. O MPF também requereu à Justiça Federal o desarquivamento de inquérito que apurou suspeitas de que informações privilegiadas foram vazadas. A investigação fora arquivada após a PF afirmar que não encontrara evidências de crimes.

Suplente do senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ), o empresário Paulo Marinho afirmou em entrevista ao jornal Folha de S.Paulo que ouviu do filho mais velho do presidente Jair Bolsonaro que ele teria recebido informações sigilosas da Polícia Federal sobre investigações envolvendo seu ex-assessor Fabrício Queiroz.

Marinho afirmou que, segundo relato do próprio Flávio feito em dezembro de 2018, um delegado da PF avisou das investigações pouco após o primeiro turno das eleições gerais daquele ano e informou que membros da Superintendência da PF no Rio adiariam a Operação Furna da Onça para não prejudicar a disputa de Jair Bolsonaro contra Fernando Haddad (PT), no segundo turno de 2018.

Para o procurador da República Eduardo Benones, “há notícias de novas provas que demandam atividade investigatória”.

Marinho, que participou da campanha de Bolsonaro em 2018, será chamado a depor no PIC e, a pedido da Procuradoria, ganhará segurança policial antes e depois do depoimento. Marinho passou a contar com proteção da Polícia Militar em torno de sua casa desde ontem, após relatar ameaças e pedir ajuda ao governo fluminense.

“Caso fique comprovado qualquer vazamento, mesmo uma simples informação, os policiais responsáveis podem ser presos e até perder o cargo por improbidade”, declarou Benones, segundo nota do MPF.

Ontem, Marinho disse que tem “elementos que comprovam” seu relato. “Tenho provas, tenho elementos que comprovam o relato que eu fiz. Já adianto que tudo que eu falei vou repetir durante depoimento à PF, rigorosamente igual”, disse o empresário ao site G1.

O desembargador Abel Gomes, relator da Operação Furna da Onça no Tribunal Regional Federal da 2.ª Região (TRF-2), divulgou nota oficial afirmando que a ação que mirou esquema de desvio de salários na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro “não foi adiada, mas, sim, deflagrada no momento que se concluiu mais oportuno, conforme entendimento conjunto entre o Ministério Público Federal, a Polícia Federal e o Judiciário”. Segundo o magistrado, as autoridades entenderam que realizar a operação após o segundo turno das eleições 2018 “seria o correto”.

Cadeia Velha. Origem da Operação Furna da Onça, cujo teor e deflagração teriam sido vazados para o hoje senador Flávio Bolsonaro na campanha de 2018, a Operação Cadeia Velha foi comandada pelo delegado Alexandre Ramagem, preferido do presidente Jair Bolsonaro para comandar a Polícia Federal. O policial – cuja nomeação foi suspensa pelo Supremo Tribunal Federal – é personagem da crise que resultou na demissão de Sérgio Moro do Ministério da Justiça e de Maurício Valeixo da chefia da PF.

Na Cadeia Velha, foi produzido o relatório do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) que apontou movimentações suspeitas de Fabrício Queiroz, assessor de Flávio na Assembleia Legislativa do Rio. Até agora, porém, nada liga Ramagem, diretor-geral da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), ao vazamento ou a outra ilegalidade na ação dos policiais federais no Rio. O Estadão tentou contato com Ramagem, sem sucesso.

Em novembro de 2017, a Cadeia Velha investigou a concessão ilegal de benefícios fiscais a empresas mediante vantagens indevidas. A Furna da Onça, em novembro de 2018, apurou o pagamento de propinas a deputados estaduais. Ambas tiveram como epicentro a Alerj, e seus desdobramentos chegaram a assessores de mais de 20 parlamentares. Segundo o Coaf, eles movimentariam em contas bancárias quantias muito superiores a seus vencimentos. Isso levantou a suspeita de rachadinha – repasse de parte do salário do comissionado ao parlamentar que o contratou. Um dos ocupantes desses cargos era Queiroz, que, em um ano, movimentou R$ 1,2 milhão. O assessor recebeu depósitos de colegas de gabinete, muitas vezes em datas perto do dia de pagamento. A investigação dessas suspeitas ficou com o Ministério Público Estadual e envolveu Flávio. Ele não fora alvo das duas operações que devassaram a Casa e levaram à prisão seus ex-presidentes Jorge Picciani e Paulo Melo (MDB).

Flávio é investigado pelo Ministério Público do Rio por peculato (desvio de dinheiro público por servidor), lavagem de dinheiro e organização criminosa. Mais de 90 pessoas também estão sob investigação.

Frederick Wassef, advogado que defende Flávio no caso Queiroz, afirmou ontem que, mesmo que as declarações de Marinho sejam comprovadas, “elas não vão ensejar nada mais do que um procedimento administrativo da própria corregedoria da Polícia Federal para apurar as condutas praticadas pelo referido delegado federal.”

O senador reagiu às afirmações de Marinho. Em nota, atacou o ex-aliado. “O desespero de Paulo Marinho causa um pouco de pena, afirmou. Queiroz sempre negou ter cometido irregularidades.

Defesa

“Nenhum membro da família Bolsonaro participou, teve ingerência, quis, pediu, solicitou, nem na esfera psicológica, emocional, espiritual, nem prática, ninguém jamais fez qualquer ato no sentido de solicitar tal postergação de investigação.”

Frederick Wassef

ADVOGADO DE FLÁVIO BOLSONARO