O globo, n. 31709, 31/05/2020. País, p. 5

 

Os robôs que impulsionam ataques contra o Supremo

Marlen Couto

31/05/2020

 

 

Em dia de operação da PF, contas suspeitas detectadas pela plataforma Bot Sentinel atuaram em 9 hashtags com críticas ao STF 

WALLACE MARTINS / 27-05-2020Reação. Protesto contra STF em Brasília: no Twitter, contas suspeitas atacaram Corte

 Ao longo do último dia 27, quando foi deflagrada a operação no inquérito das fakes news, em andamento no Supremo Tribunal Federal (STF) e que mirou aliados do presidente Jair Bolsonaro, ao menos 9 hashtags com ataques ao STF foram compartilhadas no Twitter por contas apontadas como não autênticas pela plataforma americana de monitoramento de perfis falsos Bot Sentinel. É o que aponta levantamento do GLOBO com base em um ranking de hashtags acompanhadas pelo site. A operação foi autorizada pelo ministro Alexandre de Moraes, relator do inquérito que apura ataques virtuais ao STF e a ministros da Corte. Uma dessas hashtags detectadas pelo Bot Sentinel, a #STFVERGONHANACIONAL, chegou a ficar em primeiro lugar no ranking de assuntos mais comentados por contas classificadas como não autênticas. Também apareceram na lista as hahstags #CENSURADOSTF, #DITADURADOSTF e #FORAALEXANDREDE-MORAES.

Criado em 2018, o Bot Sentinel usa técnicas de machine learning (aprendizado de máquina) e inteligência artificial para classificar contas suspeitas. São identificadas contas que violavam repetidamente regras do Twitter e o modelo é treinado para identificar perfis semelhantes. De acordo com o site, o sistema pode classificar corretamente as contas com uma precisão de 95%. No fim de abril, o Bot Sentinel apontou súbito aumento de atividades envolvendo hashtags brasileiras. Pela primeira vez uma menção não americana chegou ao topo da lista de atividade de contas falsas monitoradas, segundo uma publicação de Christopher Bouzy, criador da ferramenta, no Twitter. Na ocasião, apareceram na lista de assuntos mais comentados por contas falsas hashtags ataques ao presidente da Câmara, Rodrigo Maia, e favoráveis ao governo Bolsonaro, como #MaiaTemQueCair, #MaiaVaiCair, #DerreteMBL, #FechadoComBolsonaro, entre outras. Pesquisadora da Escola de Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (ECO/UFRJ) e coordenadora do NetLab, Rose Marie Santini explica que um conteúdo ou uma hashtag leva algumas horas ou dias para viralizar organicamente nas redes sociais:

—Porém, uma cascata de informação orgânica é um evento raro, com baixa probabilidade de acontecer. Na dinâmica do contágio artificial, que conta com a ação orquestrada de voluntários, bots, trolls, perfis falsos e influenciadores contratados, consegue-se viralização em poucos minutos e com muito mais facilidade —conclui a pesquisadora, acrescentando:

—Estudos apontam que a chance de viralização de um conteúdo postado por um bot é 2,5 maior do que a do ser humano, e é predominantemente negativo. Os “social bots” são perfis programados para atuar nas redes sociais com algum grau de automação e coordenação. Santini alerta que, na internet, as estratégias de desinformação incluem, além dos bots, sites de notícias hiper-partidários e sites de fake news, em conjunto com a ação de youtubers e influenciadores.

PERCEPÇÃO AFETADA

As estratégias também incluem ainda recrutamento de trolls, que podem ser pessoas contratadas ou voluntárias, e os produtores de conteúdos, que fabricam as narrativas e mensagens que serão distribuídas por todos esses atores. Essa “indústria” têm impacto direto no debate público nas redes. —Pesquisas em ciências sociais baseadas em análise computacional demonstraram que os bots podem influenciar profundamente a percepção da realidade e ter um impacto político. Além disso, as campanhas lideradas por bot tendem a intensificar a polarização nas redes sociais e aumentar a exposição dos usuários a mensagens inflamadas e negativas —afirma a professora da UFRJ.