O globo, n. 31709, 31/05/2020. Segundo Caderno, p. 6

 

Vítima de racismo receberá livros da ABL

Bolívar Torres

David Barbosa

31/05/2020

 

 

Conhecido por publicar resenhas nas redes sociais, Adriel Oliveira, de 12 anos, viu seu perfil saltar de 242 mil para 650 mil seguidores após denunciar ofensa anônima; presidente da casa de Machado de Assis diz que vai ‘caprichar’ na seleção de obras

 

DIVULGAÇÃO“Influencer”. O soteropolitano Adriel, de 12 anos, indica livros e publica pequenas resenhas nas redes sociais: ele havia vendido seus livros para ajudar a família

 Dono de um perfil sobre literatura nas redes sociais, Adriel Oliveira, de 12 anos, receberá uma doação de livros da Academia Brasileira de Letras. O morador de Salvador, que escreve resenhas e indica títulos em seu perfil no Instagram (@livrosdodrii), virou notícia no última sexta-feira, após receber, dois dias antes, uma mensagem racista de uma pessoa não identificada. As ofensas foram divulgadas pelo próprio Adriel em sua conta. Entre sexta-feira e domingo, seu perfil pulou de 250 mil para 650 mil seguidores.

— Acabei de falar com ele por telefone e gostei muito (de Adriel) — disse o presidente da Academia Brasileira de Letras, Marco Lucchesi. — No momento, ainda não definimos quantos livros vamos doar. Mas vamos ver se podemos caprichar. Aluno no 7º ano do ensino fundamental, Adriel contou ao GLOBO que vendeu a maior parte dos 180 livros de sua biblioteca pessoal por conta da situação financeira da sua família. Desde então, tinha dado um tempo em suas resenhas. Após retomar sua atividade no perfil na última semana, foi surpreendido por uma mensagem anônima.

“Eu achava que preto era pra estar cavando mina, não lendo. Para de ser trouxa e volta para a sua realidade. Você foi criado para ser preto e pobre”, dizia o texto. Em resposta, Adriel denunciou o caso em sua página e publicou uma resposta: “Aprende a escrever, cara. Isso não é um insulto, e sim um conselho. E em pleno século 21, pessoas ainda são racistas? Atualizem-se. Insultos acabam com o psicológico de pessoas fracas, esse tipo de coisa não me abala em nenhum ponto. Aliás, tenho orgulho de ser negro”. Lucchesi definiu o episódio de racismo contra Adriel como “vergonhoso”.

—É algo que revela a indigência do tempo atual —diz o acadêmico. — Mas Adriel responde como um menino corajoso e um leitor capaz de com seu próprio exemplo responder através dos instrumentos da cultura e da inteligência.

FÃ DE FANTASIA

Fã de histórias policiais e de fantasia, Adriel conta que seu livro favorito é “The kiss of deception”, de Mary E. Pearson, que narra a história de uma princesa adolescente que abandona seu reino após fugir de um casamento arranjado. Outro que o menino adora é o clássico “O Pequeno Príncipe”, de Antoine de Saint-Exupéry, o segundo que leu na vida. Quanto às doações da ABL, porém, ele conta que não tem preferência por títulos, pois todos são “fonte de conhecimento”.

— Livros são caros, e minha mãe nunca teve condições de comprá-los — diz.

—O que vier estou aceitando. Todos os meus sonhos estão sendo realizados neste momento. Estou amando todo carinho que venho recebendo. As pessoas estão me proporcionando coisas que jamais pensaria conquistar. O garoto começou a ler aos 5 anos, mas conta que só se apaixonou de fato pela literatura aos 9. O primeiro incentivo veio da madrinha, que sempre o presenteava com livros. Passou a gostar tanto que levava para casa as obras que encontrava no lixo e fez amizade com as bibliotecárias da escola. Logo em seguida veio a página no Instagram, criada para compartilhar suas opiniões sobre as histórias que devorava.

— O que posso fazer para incentivar, eu faço. Construí uma prateleira, forrei a parede do quarto com revistas em quadrinhos... Tudo para ele viver no mundo dele — relata a mãe, Deise Oliveira. Além das mensagens de apoio, Adriel também está recebendo presentes dos novos seguidores. Depois de ter vendido parte de sua coleção livros, ele diz que está ansioso para abarrotar o quarto outra vez:

— Não sei o que são, mas imagino que sejam livros. Não vejo a hora de chegarem —conta, empolgado. Após publicar a denúncia, o menino recebeu apoio de pessoas em todo o mundo, inclusive de famosos, como a campeã do Big Brother Brasil 20, Thelma Assis, e de empresas como a rede de livrarias Saraiva. Categórico, faz questão de informar: ataque nenhum o impedirá de continuar investindo na literatura:

— Estou em êxtase por saber que tantas pessoas ficaram comigo naquele momento. A mensagem que eu mandaria para esses racistas é: parem de mandar ódio para as pessoas. Melhorem, porque o mundo está precisando de mais energias boas nesta pandemia —afirma.