O globo, n. 31706, 28/05/2020. País, p. 6

 

Investigados são bolsonaristas da linha de frente

Cleide Carvalho

Alice Cravo

28/05/2020

 

 

Alvos de operação da Polícia Federal são empresários, deputados e militantes influentes nas redes sociais. Parte deles publica ataques ao Supremo Tribunal Federal com frequência. Eles alegam liberdade de expressão

 

JORGE WILLIAMFiel escudeiro. O blogueiro Allan dos Santos, dono do site Terça Livre, foi alvo da operação da PF deflagrada ontem: ele já debochou de uma intimação do STF

 Empresários, deputados e militantes que atuam na linha de frente do apoio ao presidente Jair Bolsonaro nas redes sociais estão entre os alvos da operação deflagrada ontem pela Polícia Federal (PF) por decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes.

Dono da rede de lojas Havan e natural de Santa Catarina, Luciano Hang, de 57 anos, foi um dos primeiros nomes fortes do empresariado nacional a anunciar publicamente o apoio à candidatura de Bolsonaro em 2018. De acordo com a revista Forbes, o patrimônio dele está avaliado em US$ 2,2 bilhões, impulsionado, além do setor varejista, por investimentos imobiliários e no setor elétrico.

Suspeito de financiar a produção e disseminação das notícias falsas investigadas pelo STF, Hang chegou a ser acusado durante a última campanha eleitoral pelo Ministério Público do Trabalho em Santa Catarina (MPTSC) de constranger seus mais de 10 mil funcionários a votarem em Bolsonaro e acabou proibido judicialmente de adotar condutas capazes de influenciar esses trabalhadores. Ele também foi multado pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) por pagar ao Facebook pelo impulsionamento de publicações que promoviam a campanha de Bolsonaro.

Também alvo da ação de ontem, o empresário Edgard Gomes Corona, de 63 anos, tem destaque entre os apoiadores do presidente. Fundador da Smart Fit e da Bio Ritmo, ele se apresenta como dono da maior rede de academias da América Latina e ainda mantém negócios nos ramos agropecuário e imobiliário.

Outro investigado, o investidor Otávio Fakhoury, de 45 anos, trabalhou no mercado financeiro, foi sócio da Mauá Investimentos e hoje atua em um fundo próprio voltado para imóveis. Colecionador de armas e frequentador de clubes de tiro, costuma chamar atenção até mesmo dos pares conservadores ao defender o período da ditadura militar, ao qual atribui boa parte do desenvolvimento brasileiro. Ele é apontado como financiador do site Crítica Nacional, uma das suposta engrenagens do esquema que cria e replica as campanhas de ódio e difamação atribuídas ao chamado “gabinete do ódio”.

Dono do site “Terça Livre”, o blogueiro Allan dos Santos tem relação de proximidade com a família Bolsonaro. Publicações suas com informações falsas sobre uma repórter do jornal“O Estado de S. Paulo”foram compartilhados pelo próprio presidente. Ele já havia sido chamado para depor no inquérito do STF em janeiro. Ao ser intimado, debochou nas redes sociais e disse que o tribunal estava “chateadinho”.

DEPUTADOS NA MIRA

Sócio de oito empresas, Marcos Bellizia, de 50 anos, atua em importação de bebidas, transporte e consultoria de mercados e administração patrimonial. Também investigado no inquérito,é um dos apoiadores do movimento Nas Ruas, que já foi liderado pela deputada Carla Zambelli (PSLSP), outro alvo da operação.

Junto com os empresários, oito deputados bolsonaristas são investigados no inquérito do STF. Na Câmara dos Deputados, em Brasília, são seis filiados ao PS L, que abrigava Bolso na roa té o ano passado: Carla Zambelli, Bia Kicis, Daniel Silveira, Filipe Barros, Cabo Junio Amaral e Luiz Philippe de Orléanse Bragança. Na Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp), há dois deputados estaduais da sigla vinculados à apuração do Supremo: Douglas Garcia e Gil Diniz. Presidente do PTB e ex-deputado federal, Roberto Jefferson também está sob o escrutínio dos investigadores.

Seguida por 866,3 usuários no Twitter, Carl a Zambelli é a mais influente desse grupo na rede social e costuma acionar bolsonaristas para impulsionar hashtags de apoio ao governo e ataques a opositores na intenção de fazê-las figurar entre os temas mais comentados da plataforma. Recentemente, a deputada defendeu a fala do ministro da Educação, Abraham Weintraub,reunião ministral de 22 de abril, na qual ele pediu a prisão de ministros do STF.

Bia Kicis é seguida por 557,8 mil usuários no Twitter e também publica ataques frequentes ao STF. Responsável por denunciar o escândalo do “mensalão” durante a gestão do ex-presidente Luiz Inácio Lulada Silva(PT), Roberto Jefferson, o mais antigo na política entre os investigados, tem defendido o fechamento do Supremo enquanto publica fotos nas quais está armado.

ALVOS NEGAM SUSPEITAS

Investigada pelo discurso radical, a militante Sara Winter tentou se eleger para a Câmara em 2018 pelo DEM, mas não obteve êxito. Na internet, diz que anda escoltada por pessoas armadas e que ministros devem ser retirados do STF “pela lei ou pelas mãos do povo”.

Após a deflagração da operação, Luciano Hang afirmou que tem a consciência tranquila de que jamais atentou contra o STF: “Nada tenho a esconder, uma vez que tudo o que falo está nas minhas redes sociais e é de conhecimento público”. Edgard Corona, afirmou que está à disposição da Justiça para esclarecimentos.

Allan dos Santos chamou o inquérito de inconstitucional e afirmou que seus advogados ainda não tiveram acesso aos autos. Ele disseque a investigação mostrará ques e usite“vive dos produtos que vende”.

Otávio Fakhoury, Marcos Bellizi, Eduardo Portella, Rafael Moreno, Paulo Bezerra e Enzo Momenti não foram localizados para comentar.

Deputados também negaram irregularidades. Carla Zambelli disse que o Brasil vive um “estado de exceção”. Bia Kicis pediu que os seguidores publicassem as hashtags #CensuradoSTF e #DitaduradoSTF. Daniel Silveira afirmou que o inquérito é uma taqueà liberdade imprensada mídia conservadora. Douglas Garcia disseque o objetivo da ação foi criminalizara expressão de cristãos e conservadores eque não há indício de ilegalidade sobre seus assessores.

Roberto Jefferson disse que a ação foi “atitude soez, covarde, canalha e intimidatória”. Sara Winter chamou Alexandre Moraes de “covarde” e disse que não será calada.

Os deputados Luiz Phellipe de Orleans e Bragança, Filipe Barros, Cabo Junio Amaral e Gil Diniz e o blogueiro Bernardo Kuster reclamaram por não terem sido notificados e afirmaram que souberam da inclusão no inquérito pela imprensa. Marcelo Stachin também se disse surpreso.

O humorista Reynaldo Bianchi disse ser “honesto e íntegro”. Winston Lima, organizador de atos pró-Bolsonaro, disse que foi alvo de buscas mas não foi informado do motivo.

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TCU derruba anúncios do BB em sites com fake news

28/05/2020

 

 

Propagandas voltaram após reclamação de Carlos Bolsonaro. Controladoria-Geral da República vai criar certificado com normas

 O Tribunal de Contas da União (TCU) proibiu ontem que o Banco do Brasil anuncie em sites e blogs suspeitos de publicar ou compartilhar fake news. O ministro Bruno Dantas determinou “a suspensão de todos os contratos de publicidade do Banco do Brasil com veículos dessa natureza” até que a Controladoria-Geral da União (CGU) estabeleça um certificado com normas a serem seguidas. A informação foi revelada pelo blog do jornalista Lauro Jardim.

Na semana passada, o BB suspendeu — e depois voltou atrás —a veiculação de propaganda no site “Jornal da Cidade”, acusado por agências jornalísticas de checagem de dados de publicar e compartilhar fake news.

A suspensão determinada pelo TCU vale até que sejam formalizadas normas com “protocolos de certificação de sites, blogs, portais e redes sociais aptos a receber recursos públicos via anúncios publicitários”.

No despacho de Dantas, há palavras duras para a atual administração do BB. O magistrado qualificou o material que foi enviado a ele pelo Ministério Público (MP) como “um rosário de irregularidades, todas gravíssimas”.

“Em menos de 30 dia sé a segunda vez que o TC Ué instado a tomar decisões relativas à gestão do Banco do Brasil na área da comunicação social”, diz no despacho, em que cita ser “inacreditável” que o Banco do Brasil decida “associar sua marca a qualquer veículo (...) sem que esteja assegurada a credibilidade do canal de comunicação”.

Na semana passada, o vereador do Rio Carlos Bolsonaro disse que o B Bestava pisoteando na mídia alternativa que “traz verdades omitidas”. O site “Jornal da Cidade” passou a receber de novo propaganda após articulação do Planalto.

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Agredir outra pessoa é ‘reduzir liberdade’ da vítima

Leo Branco

28/05/2020

 

 

Professor da FGV-SP afirma que discurso de ódio geram apuração criminal

 A Constituição brasileira dá liberdade de expressão até o ponto em que a garantia fere direitos de terceiros, como a honra, à privacidade e à proteção de imagem. Por isso, inquéritos criminais sobre fake news e discursos de ódio contra autoridades e instituições, a exemplo da operação da Polícia Federal deflagrada ontem, têm amparo legal. A avaliação é do jurista Roberto Dias, professor de direito constitucional da Fundação Getulio Vargas, em São Paulo e membro da Comissão de Direito Constitucional da seccional paulista da Ordem dos Advogados do Brasil com pesquisa acadêmica voltada aos limites da liberdade de expressão no Brasil.

— Uma pessoa que se vale da liberdade de expressão para agredir outra pessoa está reduzindo drasticamente a liberdade do agredido. E, por isso, é passível de responder por eventuais crimes contidos no discurso — explica.

O jurista tratou o assunto ontem tendo como pano de fundo a operação de ontem na qual a Polícia Federal cumpriu mandados de busca e apreensão contra políticos e apoiadores do presidente Jair Bolsonaro apontados como disseminadores de notícias falsas.

Assim como democracias ocidentais como a dos Estados Unidos e de países europeus, segundo Dias, a Constituição brasileira dá amplas garantias o discurso público. Apesar disso, diz ele, nos últimos anos vem sendo construído no Supremo Tribunal Federal (STF) o entendimento de que discursos de ódio são passíveis de investigações criminais.

Na avaliação de Dias, trata-se de um entendimento mais parecido ao das democracias europeias, como a da Alemanha, onde discursos nazistas são proibidos, ou a da França, pouco tolerante aos textos com ataques pessoais, e mais restrito que o da constituição americana, que garante a qualquer ideia a proteção legal.

Entre os exemplos de discursos de ódio condenados pela legislação brasileira estão casos como o do editor Sigmund Ellwanger, condenado em 2004 a quase dois anos de prisão por livros de cunho nazista. Ou, ainda, a criminalização da homofobia, feita pelo STF em 2019.

SEM CONTRADITÓRIO

Para o especialista, há espaço na Constituição brasileira para criminalizar as fake news. O motivo, na sua avaliação, é que as notícias falsas não dariam o devido espaço ao contraditório nem à troca de ideias. Uma legislação sobre o assunto, contudo, pode criar mais riscos do que resolvê-los.

—Em regimes autoritários, a legislação contra as fake news poderia ser utilizada para criminalizar e calar as críticas ao governo. O opositor, transformado em inimigo, poderia ser calado, pois, para o governante autoritário, fake news seria tudo aquilo que se mostrasse contrário ao seus interesses e seus pensamentos — diz o especialista, que defende a análise caso a caso das fake news que possam ter ferido a honra de terceiros.

Dias entende como “exageradas” as críticas de apoiadores de Bolsonaro de que operações como a de ontem são um ato de censura a veículos de mídia alternativa.

— Censura é impedir alguém de manifestar uma determinada ideia. Neste caso, os atos (discursos de ódio) já haviam sido praticados —analisa.