O globo, n. 31708, 30/05/2020. Economia, p. 17

 

À beira de recessão histórica

Pedro Capetti

Gabriel Martins

30/05/2020

 

 

PIB encolhe 1,5%, e queda no 2º tri deve superar 10% Guedes pede união contra crise e prevê recuperação em 'V'
PEDRO CAPETTI E GABRIEL MARTINS economia@oglobo.com.br
Mesmo com o isolamento social tendo começado em meados de março, o Produto Interno Bruto (PIB) encolheu 1,5% no primeiro trimestre em relação aos últimos três meses de 2019, segundo o IBGE. Analistas estimam queda superior a 10% para o segundo trimestre e preveem a pior recessão em 120 anos. Dos principais pilares do PIB, o consumo das famílias caiu 2%, e o setor de serviços, 1,6%. O ministro da Economia, Paulo Guedes, pediu harmonia entre os Poderes e cooperação para sair da crise. Guedes acredita em recuperação em "V", rápida, ainda que "um 'V' meio torto".

Nos primeiros três meses do ano, quando a pandemia apenas começava a abalar a economia brasileira, o Produto Interno Bruto (PIB) encolheu 1,5% na comparação com o último trimestre de 2019, informou ontem o IBGE. Classificado de "ponta do iceberg" por economistas, já que as regras de isolamento social só foram implementadas em meados de março, o resultado indica que o coronavírus empurrou o país para aquela que deve ser sua maior recessão em pelo menos 120 anos, e analistas já preveem tombo de mais de 10% na atividade no segundo trimestre. Esperada por economistas, a retração mostra que a pandemia atingiu os dois principais pilares do PIB, o consumo das famílias e o setor de serviços. Embora tenha interrompido sequência de quatro trimestres de avanço, a queda ocorreu quando a recuperação econômica brasileira já acusava fragilidades.

— O Brasil vinha em uma trajetória de recuperação modesta. No início do ano, a economia dava sinais de melhora, mas ainda graduais — observou Thiago Xavier, da consultoria Tendências. Com o resultado, a economia brasileira retrocedeu quase oito anos, voltando ao nível em que estava no segundo trimestre de 2012.

 CONSUMO CAI 2%

Após a divulgação dos números, o Ministério da Economia admitiu que "o resultado negativo da atividade econômica no primeiro trimestre, embora esperado, lamentavelmente coloca fim à recuperação econômica em curso desde o começo de 2017". O ministro Paulo Guedes, porém, preferiu exaltar o desempenho das exportações. Embora tenham recuado 0,9%, Guedes as chamou de "maldição que acabou virando uma bênção". Disse ainda apostar que o processo de retomada possa ser no formato de "V" — queda rápida seguida por recuperação também acelerada —, cenário otimista.

O presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, disse que o PIB deve cair "5% ou um pouco mais no ano" e que, segundo agentes do mercado, o desemprego pode chegar a 15%. Ele avalia que o consumo não deve voltar rapidamente à fase pré-crise:

— Há um fator de medo. Mesmo que você abra a economia, as pessoas não vão voltar a ter seus antigos hábitos imediatamente.

Já o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, disse que o PIB "vai despencar" este ano e ressaltou que a culpa não será do isolamento social, mas do vírus. Como não existe vacina nem medicamento que combata especificamente o coronavírus, a Organização Mundial da Saúde (OMS) e a maioria dos especialistas defendem o isolamento social como única medida eficaz no controle da doença hoje.

 AGROPECUÁRIA SOBE 0,6%

Representando praticamente três quartos do PIB brasileiro, o setor de serviços encolheu 1,6% nos primeiros três meses do ano, na comparação com o fim do ano passado. Foi a maior retração desde o fim de 2008, na crise global, quando o setor encolheu 2,3%. Visto pela ótica da demanda, o tombos e traduziu em um recuo de 2% no consumo das famílias, que representa 65% do PIB nesse tipo de análise. Foi a maior queda no consumo desde o terceiro trimestre de 2001, durante a chamada "crise do apagão". Naquele período, o consumo recuou 3,1%. — Com o distanciamento social em março, muitas atividades, como cinema, academias e restaurantes, foram fechadas, e os serviços pesam cerca de meta dede tu doque as famílias consomem — disse Rebeca P alis, coordenador ade Contas Nacionais do IBGE. Com o consumo em baixa, a indústria encolheu 1,4%, e seu peso no PIB recuou ao menor nível já registrado: 17,9%, contra 28,5% no auge da série histórica, em 2005. Entre os raros aspectos positivos do PIB no primeiro trimestre do ano estão os investimentos. Calcanhar de aquiles da atividade há anos, ele avançou 3,1%, revertendo queda de 2,7% no trimestre anterior. Mas parte do bom desempenho se deve a uma razão estritamente contábil. Desde 2018, uma mudança no Repetro, regime aduaneiro especial que facilita a importaçãode bens para exploração de petróleo, permite que plataformas trazidas de fora ou mesmo alugadas por meio do programa sejam contabilizadas como investimento.

A taxa de investimento ficou em 15,8% do PIB, acima do registrado no mesmo período de 2019(15%), ma saba ixodos 21% de 2013, antes de o Brasil entrar em sua última recessão. Já a taxa de poupança foi de 14,1%, contra 12,2% no mesmo período de 2019. Entre os setores, o agropecuáriofoi o único a avançar no primeiro trimestre, crescendo 0,6% na comparação com o fim de 2019. O bom desempenho se deu graças à safra de soja, que deve crescer 6,7% este ano e bater recorde. Para o segundo trimestre, as projeções são ainda mais pessimistas. O Itaú Unibanco espera tombo de 10,6% na atividade, enquanto o Santander projeta contração de 13,5%, e a XP Investimentos, de 13,7%. Para o ano como um todo, alguns economistas já preveem encolhimento de quase 8% do PIB, como os da consultoria MB Associados (recuo de 7,8%). Ontem, a corretora Necton revisou sua projeção de uma queda de 4% para retração de 7,5%.

 IMPACTO GLOBAL

Pesquisa da Datafolha divulgada ontem mostrou que mais de dois terços dos brasileiros (68%) acreditam que a pandemia vai afetar a economia por muito tempo. Em abril, o percentual era de 56%.

Mas o coronavírus não castiga apenas a economia brasileira. Entre os 34 países que já divulgaram dados do PIB no primeiro trimestre, o Brasil ficou na 15ª colocação, empatado com Noruega e Taiwan, segundo a agência de classificação de risco Austin Rating. —É um fenômeno mundial. Todos os países tiveram quedas bastante expressivas, alguns deles cortando trajetórias de altas de décadas — contextualizou Rebeca, do IBGE. No entanto, algumas circunstâncias brasileiras podem potencializar os efeitos negativos do vírus por aqui, segundo economistas. "O Brasil é um dos dos epicentros da Covid-19, os testes têm sido comparativamente baixos e dados de mobilidade mostram que a conformidade às ordens de isolamento social está abaixo do que as autoridades desejariam. Governo federal e autoridades locais continuam discordando quanto ao escopo eà intensidade das medidas ", escreveu Alberto Ramos, do GoldmanSachs. Alguns analistas ponderam que o segundo trimestre tende a concentraras con se quências mais relevantes da pandemia sobre o PIB. Segundo Luka Barbosa, do Itaú, o pior momento para a economia foi em abril, seguido por melhora dos indicadores em maio. Mas o indicador primordial a ser ob serva doéo sanitário, segundo Francisco Eduardo Pires, coordenador do Grupo de Conjuntura/UFRJ: —Quanto mais o país demorar no contro leda curva de contaminação, mais difícil será arcar com medidas de preservação da renda e do consumo. Tudo dependerá da duração da pandemia.