O globo, n. 31719, 10/06/2020. País, p. 5

 

Governo desiste de doar R$ 839 milhões à Secom

Gustavo Maia

Leandro Prazeres

10/06/2020

 

 

Reforço no caixa da comunicação viria do Bolsa Família e havia sido determinado pelo Ministério da Economia na semana passada; medida foi questionada pelo Ministério Público Federal e pelo Tribunal de Contas da União

 Após cinco dias depois de publicar portaria que transferia aproximadamente R$ 83,9 milhões do programa Bolsa Família na região Nordeste para a Secretaria de Comunicação da Presidência da República (Secom), o governo federal revogou o ato na tarde de ontem, em edição extra do Diário Oficial da União. A medida foi as-sinada pelo secretário especial de Fazenda do Ministério da Economia, Waldery Rodrigues, também responsável pelo ato da última quinta-feira. Após ser questionado sobre o recuo, o Ministério da Economia informou, em nota, que a revogação foi motivada pelo atendimento à"necessidade de reavaliação das alocações orçamentárias no atual momento". Ainda segundo a pasta, o novo ato foi editado "em plena conformidade com as normas financeiras e com total respeito a legalidade". 

Internamente, o governo avaliou a transferência da verba do Bolsa Família para a comunicação como uma “barbeiragem”. A Secom, no entanto, vai buscar alternativas no Ministério da Economia para obter mais recursos. Na proposta enviada pelo governo em 2019 para o orçamento desse ano, a Secom   solicitou R$ 336,8 milhões, mas o Congresso aprovou R$ 136,1 milhões — sendo R$ 55,6 milhões deles condicionados a aprovação posterior. O órgão já tinha disponíveis cerca de R$ 80,5 milhões em 2020. Os R$ 83,9 milhões representariam aumento de mais de 60% no montante destinado à comunicação.

Na semana passada, o ministério havia afirmado, também em nota, que nenhum beneficiário do Bolsa Família seria prejudicado e que o remanejamento tinha sido feito após pedido de reforço da dotação feito pela Presidência da República, aprovado pela Junta de Execução Orçamentária (JEO). A desistência de repassar os recursos do programa para a comunicaçao ocorreu após órgãos de controle questionarem a portaria.

Na segunda-feira, o Ministério Público Federal (MPF) deu prazo de dez dias para que a Secretaria de Fazenda se manifeste sobre o texto, agora revogado, no
âmbito de inquérito que apura as suspeitas de que a Secom esteja direcionando verba publicitária para sites  ideológicos alinhados ao governo Bolsonaro. O Tribunal de Contas da União (TCU) também alertou a equipe econômica do governo de que a manobra poderia ser interpretada como uma violação à Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) e ao orçamento de guerra, aprovado pelo Congresso e que autoriza a União a descumprir a chamada "regra de ouro" —mecanismo que impede o governo de se endividar para pagar despesas cor-rentes, como salários. A medida vale enquanto durar o estado de calamidade pública pela pandemia. 

O comando da equipe econômica teria sido convencido pelos técnicos do Ministério da Economia de que a transação seria segura, mas, após os alertas do TCU, a pasta acabou recuando. Uma reunião, segunda-feira, selou a decisão do ministro Paulo Guedes para voltar atrás na decisão. Na semana passada, o MP junto ao TCU já havia movido uma representação contra o repasse alegando que violava a emenda constitucional que estabeleceu o teto de gastos. A emenda condiciona o aumento nos investimentos do governo à inflação.