Correio braziliense, n. 20855 , 28/06/2020. Cidades, p.17

 

Avanço da covid-19 acende alerta na saúde do DF

Darcianne Diogo

Roberta Pinheiro

28/06/2020

 

 

CORONAVÍRUS » Dos 497 leitos disponíveis na rede pública para tratar pacientes diagnosticados com coronavírus, 300 estão ocupados. Entidades médicas apontam dificuldades em hospitais, e Ministério Público questiona dados da Secretaria de Saúde 

O aumento no número de casos da covid-19 acende um alerta à população. Ontem, o Distrito Federal registrou 1.440 diagnósticos e cinco mortes provocadas pelo novo coronavírus. Com os registros, a capital passou para 42.766 infectados e 490 óbitos. Apesar da quantidade, 29.102 pacientes estão recuperados da covid-19. Portanto, há 13.127 casos ativos. Desses, 38 têm quadro clínico grave e 78, moderado.

Para receber os pacientes, os hospitais precisaram se readaptar e mudar a logística, algumas vezes no decorrer da curva epidêmica, para evitar a sobrecarga no sistema público de saúde. No entanto, vistorias promovidas por entidades da área apontam falhas nas unidades, como a falta de equipamentos de proteção individual (EPIs) aos profissionais, de medicamentos e de leitos nas unidades de terapia intensiva (UTIs).

Dos 497 leitos disponíveis na rede pública de saúde para tratar pacientes diagnosticados com coronavírus, 300 estão ocupados, segundo dados mais recentes da Secretaria de Saúde. No Hospital Regional do Paranoá, por exemplo, há, apenas, um leito disponível. Na unidade de Taguatinga, há três vagas. Os especialistas avaliam a situação e consideram que o DF se preparou há tempo para enfrentar a pandemia, mas o aumento dos casos pode fazer com que o sistema não suporte.

“Houve uma mudança em relação à segregação de unidades exclusivas, tanto de enfermaria, quando de UTI e treinamento pessoal. Contudo, tivemos a vantagem de terem sido decretadas mais cedo as medidas de distanciamento social pelo governo. Mas, a quantidade de diagnósticos está subindo e temos que ficar de olho, observando as taxas de ocupação dos leitos e, caso necessário, retroceder quanto à liberação das atividades”, ressaltou Alexandre Cunha, infectologista do Hospital Brasília.

Na avaliação do médico, o DF teve uma situação privilegiada perante as outras unidades da Federação, no que diz respeito à falta de leitos. Contudo, é preciso atentar e não ignorar os números. “A consequência de uma sobrecarga é o aumento de óbitos evitáveis, de pacientes que poderiam ser salvos. Teríamos, ainda, mortes decorrentes de outras causas, de pessoas que poderiam estar em um leito”, destacou.

Por meio de nota oficial, a Secretaria de Saúde esclareceu que, desde o início da pandemia, a pasta “vem ampliando o número de leitos de UTI e de retaguarda para atendimento de pacientes”, além da carga horária dos servidores e fazendo novas convocações e contratações para “garantir o atendimento dos usuários do serviço público”.

Questionamentos

Preocupadas com um possível colapso no sistema, entidades médicas realizam, frequentemente, vistorias nos hospitais públicos do DF, com o objetivo de fiscalizar as condições adequadas do atendimento. O presidente do Conselho Regional de Medicina (CRM-DF), Farid Buitrago, aponta os principais problemas nas unidades. “Entres as principais denúncias que recebemos, e até mesmo o que vimos, é a falta de EPIs para os profissionais e a carência de medicamentos para tratar os pacientes vítimas da covid-19. São falhas pontuais, que a Secretaria de Saúde tem buscado solucionar”, destacou.

Apesar disso, ele avalia que as unidades estão preparadas para atender a esse público. “Os hospitais seguem um protocolo de atendimento para oferecer testes rápidos. Nossa vigilância é focada, principalmente, nos equipamentos de proteção individual. Elas precisam estar adequadas aos profissionais de saúde”, frisou.

O presidente do Sindicato dos Médicos do DF (SindMédico), Gutemberg Fialho, criticou a maneira de como o governo se preparou para enfrentar a crise sanitária causada pela covid-19. “Não teve, desde o início, a definição de fluxo de atendimento dos pacientes nos hospitais; se misturavam uns com os outros. Agora que está tentando se montar uma estratégia, mas, agora, há tem muita gente contaminada”, avaliou.

A entidade promove vistorias em diferentes unidades de saúde da rede. Em relatório mais recente, o presidente e a equipe visitou o Hospital Regional do Paranoá. Na fiscalização, o sindicato verificou que a parede que separa pacientes com covid-19 das enfermarias de adultos e crianças não chegava ao teto; uma falha no isolamento, de acordo com Gutemberg. “Vimos, ainda, profissionais sem serem individualizados para o atendimento do novo coronavírus, ou seja, quando o mesmo funcionário atua na enfermaria de casos de covid-19, mas também na de pacientes não contaminados”, afirmou.

A Superintendência da Região de Saúde Leste, da Secretaria de Saúde, informou que o respectivo hospital foi adaptado para dar os primeiros atendimentos aos pacientes com suspeita de contágio por coronavírus, até que possam ser transferidos para a unidade de referência para o tratamento da doença. “Para isolar a área, foram instaladas janelas com vidro em toda meia parede. A gestão esclarece que os vidros foram sob medida para o espaço, por isso, levou um tempo entre a ordem de serviço e a instalação”, diz a nota oficial.

Para o presidente do SindMédico, o governo subestimou a disseminação do vírus na cidade. “O amadorismo foi algo absurdo. Nós não fomos consultados, as informações que pedimos nos são negadas. As entidades médicas conhecem como funciona o sistema e não é ouvida. E a situação está caótica, como se manifestou em outros estados e fora do Brasil”, afirmou.

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MPDFT vê divergência em dados

28/06/2020

 

 

Dados obtidos pelo Correio mostram que equipes do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) verificou discrepância nos dados da Secretaria de Saúde. Em 4 de junho, as autoridades estiveram no Hospital de Base, onde 45 leitos de UTI com assistência ventilatória estavam ativos. Outros 20 estavam inativos e com equipamentos alugados pelo Instituto de Gestão Estratégica do DF (Iges) junto ao Hospital Maria Auxiliadora. Na data da vistoria, havia 25 pacientes internados nos leitos reservados para covid-19, porém, no site da Sala de Situação SES, consultado no mesmo dia, constavam apenas 16 internações. “Outra verificação foi a informação de 65 leitos disponíveis, sendo que 20 não estavam em condições para receber pacientes”, argumentou o MPDFT.

O Ministério Público também visitou o Hospital de Santa Maria, em 3 de junho. Dos 50 leitos de UTI existentes, 47 estavam prontos para o recebimento de pacientes e três encontravam-se desativados. No entanto, informações enviadas por ofício pela SES a MPDFT notificaram, cinco dias depois, sobre outros 12 leitos bloqueados por falta de técnicos de enfermagem naquele hospital. “Outros problemas foram verificados, como o fato de a médica rotineira da UTI, no momento da visita, não ter especialidade em terapia intensiva. A equipe assistencial da UTI do 1º andar, que é gerida pela empresa Domed, utilizava sistema eletrônico próprio para registro das informações clínicas, o que impossibilita o acesso desses dados pelos demais profissionais do hospital, do Iges-DF e da SES, além de dificultar a construção de boletins epidemiológicos. Também foram apontadas necessidades relacionadas a recursos humanos para viabilizar a capacidade total de atendimento na unidade e problemas na regulação dos leitos.”

Desabafo

O relato de uma médica que atua no pronto-socorro e na emergência do Hospital do Paranoá escancara a realidade vivida em outras unidades da rede pública. Ao Correio, a profissional, que preferiu não se identificar, conta que, há quase um mês e meio, a demanda de casos suspeitos começou a crescer, e é difícil deslocar os pacientes para o Hospital Regional da Asa Norte (Hran). “Eles não conseguiam receber todos os casos. Antes, a gente recebia um caso suspeito e já mandava, nem ficava muito tempo com o paciente. Depois, o Hran começou a pedir mais informações do paciente, como tomografia, até para frear a demanda”, detalha.

Sem local para isolar pacientes suspeitos, os mesmos tinham que dividir espaço com doentes não contaminados por covid-19. “Tem a sala vermelha, o box de emergência; ali deveria ser um local apenas para pacientes graves, mas começaram a colocar os suspeitos lá dentro. Chegou a um nível que a gente estava com dez pacientes dentro desse espaço, sendo oito suspeitos, e havia ali pacientes que não eram graves. A gente recebia os que estavam mais graves, com infarto, e eles têm que ficar na sala vermelha para serem monitorizados. Houve caso de o paciente entrar num local completamente contaminado, pelo simples fato de não haver um espaço específico para infectados com o coronavírus”, descreve. A médica, inclusive, chegou a perder um paciente devido a uma piora no quadro neurológico, pois ele teve contato com o vírus. “É muito difícil e triste”, desabafa.

O contexto atingiu um ponto no qual uma servidora, diante da não resolução do problema, isolou um espaço na própria enfermaria para atender casos do novo coronavírus. Duas semanas depois, a direção oficializou a área. Hoje, a médica afirma que a situação melhorou, mas que ainda é muito difícil encaminhar pacientes para o Hran. “É uma ilusão achar que a gente não vai ficar com o paciente”, acrescenta. Na avaliação dela, ao contrário do aumento da demanda dos pacientes, que de um mês para o outro quase triplicou, a resposta ao problema demorou, e aconteceu por pressão dos servidores. “Em março, atendi, no plantão, a uns três pacientes suspeitos. No final de abril, começo de maio, teve um plantão que intubei três pacientes. Há umas duas semanas, o box estava com oito pessoas, sendo cinco intubados e todos suspeitos. É importante conhecer a realidade de uma emergência, de um pronto-socorro, o funcionamento no dia a dia para tomar as melhores decisões”.