Correio braziliense, n. 20857 , 30/06/2020. Política, p.4

 

TSE e CPMI retomam votações sobre fake news

Alessandra Azevedo

Luiz Calcagno

30/06/2020

 

 

A conversão do presidente Jair Bolsonaro ao figurino menos belicoso e mais discreto foi forçado não apenas pela prisão de Fabrício Queiroz , mas também devido à possibilidade de convergência entre o inquérito das fake news do Supremo Tribunal Federal (STF), as investigações da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito do mesmo tema e o julgamento da cassação da chapa de Bolsonaro-Hamílton Mourão no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) — este último será retomado hoje, pois o ministro Alexandre de Moraes devolveu o processo para a pauta e é esperado o voto do presidente Luiz Roberto Barroso. Também hoje deve ser votado o Projeto de Lei 2.630/20, que define o combate às mentiras disseminadas nas redes sociais e inclui as empresas de tecnologia da informação neste esforço.

No placar do TSE, três ministros votaram por conceder aos autores das ações — as coligações dos então candidatos à Presidência Marina Silva (Rede) e Guilherme Boulos (PSol) — a possibilidade de trazer aos autos mais evidências sobre o suposto abuso de poder, na campanha de 2018. Foram eles: Edson Fachin, Tarcísio Vieira e Carlos Veloso Filho –– Og Fernandes e Luiz Felipe Salomão foram contra. Entretanto, nos bastidores da Corte, comenta-se que o processo que pede a cassação da chapa Bolsonaro-Mourão tem fragilidades e, portanto, tem tudo para ser arquivado.

Mesmo assim, uma interseção entre as ações no TSE, no STF e na CPMI pode trazer dores de cabeça. Presidente da Comissão e relator do PL das fake news, o senador Angelo Coronel (PSD-BA) avisou ao TSE e ao Supremo que as provas levantadas estão à disposição da Justiça. “Estamos procurando patrocinadores de robôs, principalmente na área política, para termos eleições sem influência das redes digitais na escolha dos representantes”, destaca.

Integrante da Comissão, a vice-líder do PT, deputada Natália Bonavides (RN), salienta que a ação do STF que culminou na operação da Polícia Federal de quebra de sigilo contra apoiadores do presidente, suspeitos de disseminar fake news, tinha um tom parecido com os levantamentos da CPMI. “O que está em curso é uma organização criminosa, com núcleo político que escolhe alvos, dá o comando dos ataques, tem um núcleo operacional para criar conteúdo e disparar as mensagens, e um núcleo empresarial, que financia. Não é algo amador. Os fundamentos da decisão seguem a mesma linha da CPMI, que há indício de organização criminosa, com núcleo financiador”, explica.

Geraldo Tadeu Monteiro, cientista político, mestre em sociologia política e doutor em direito e professor da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), acredita que a máquina de moer reputações vem de antes de Bolsonaro assumir a Presidência.

“Temos a convicção de que existe uma ação rápida, eficiente e articulada (de disparo de fake news), que começa via WhatsApp, Facebook e Twitter. Depois que (Sergio) Moro pediu demissão (do Ministério da Justiça), por exemplo, virou inimigo. Começaram a circular mensagens chamando-o de traidor. É evidente que essa máquina foi criada na campanha eleitoral e se mantém ativa”, afirma.

Projeto

Autor do PL sobre as fake news, previsto para ir à votação hoje, o senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE) observa que é preciso uma ação urgente do Congresso contra as ações que visam assassinar reputações por meio das redes sociais. “Temos problemas com contas falsas, redes de robô, impulsionamentos artificiais, e são pontos consensuais. Claro que há preocupação de segurança dos dados, mas uma vítima tem que ter o direito de denunciar o agressor. O cidadão tem direito à honra e privacidade”, afirma.

Apesar da expectativa do Presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), de que os senadores cheguem à sessão com as dúvidas sobre o PL sanadas, ainda há pontos indefinidos. O relator, Angelo Coronel, não pretende abrir mão de itens polêmicos, como a obrigação de que as plataformas de mensagens como WhatsApp e Telegram guardem os registros das conversas por três meses. Por falta de consenso, senadores fizeram nove pedidos de adiamento e três de retirada de pauta na semana passada. Hoje, deve haver uma nova onda de requerimentos. Se Alcolumbre desistir de colocar a matéria em votação, os senadores terão pelo menos mais um dia para discuti-la. Amanhã, com sessão conjunta prevista no Congresso, o assunto dificilmente voltaria à pauta.

Mudança de nome de grupo motivou ação

O TSE investiga a chapa Bolsonaro-Mourão por tirar vantagem de uma invasão ao grupo no Facebook responsável pelo movimento #EleNão, que reuniu quase 3 milhões de opositoras da candidatura. Depois do ataque, o grupo “Mulheres Unidas contra Bolsonaro” virou “Mulheres com Bolsonaro #17”. O então candidato a presidente publicou em suas redes sociais um “print” da comunidade virtual e um texto de agradecimento ao suposto apoio. No TSE, entende-se que as ações impetrados pelas chapas de Marina Silva e de Guilherme Boulos são juridicamente frágeis e com poucas chances de prosperar. Mas, apesar da tendência de arquivamento, há ministros que enxergam motivos para conceder às coligações dos então candidatos mais tempo para comprovar a interferência do ataque hacker no pleito presidencial.

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Entrevista - Roberto Mayer: "Lei das fake news só terceiriza culpa"

30/06/2020

 

 

Roberto Mayer - Diretor da Federação das associações das empresas brasileiras de tecnologia da informação

O diretor de estratégia institucional da Federação das Associações das Empresas Brasileiras de Tecnologia da Informação (Assespro), Roberto Mayer, é um crítico contundente do PL 2.630/20, a Lei das Fake News, que tramita no Senado e deve ir hoje à votação. Ele afirma que o projeto terceiriza a culpa dos crimes cometidos nas redes sociais, como disseminação de mentiras e ataques de milícias virtuais. Para Mayer, o PL pode criar inseguranças jurídicas –– argumenta que seria mais eficiente criar agravantes para crimes como injúria e difamação. Eis os principais trechos da exclusiva.

A CPMI da Fake News ouviu muitos especialistas. Isso não abastece os parlamentares?

Parcialmente. Essa legislação proposta tem semelhança com outras criações de lei que tivemos no passado, a toque de caixa, em cima de vazamento de fotos de famosos. Isso complica a estrutura jurídica do país sem trazer um ganho significativo. Só para contrapor, a legislação mais importante da área, o Marco Civil da Internet, levou seis anos para se chegar a um consenso. E o PL quebra partes do marco civil sem dó nem piedade.

Como a Assespro e as empresas de TI veem a batalha contra as fake news hoje?

As fake news são mentiras, essencialmente. E não são inventadas pela tecnologia, já existiam. O que a tecnologia faz é que a transmissão e o número de pessoas atingidas sejam muito maiores que antigamente. Minha sugestão não é criar uma legislação específica sobre fake news. A mentira, do ponto de vista jurídico, encontra tratamento no Código Penal, como difamação, injúria ou calúnia. Por que políticos e empresas se arriscam a trabalhar com fake news? Porque a pena é pequena. Então, se alguém vai fazer uma campanha política, o custo para se livrar é muito baixo. É um crime que ainda compensa e, por isso, é praticado.

Mas as notícias falsas não colocam em risco a democracia?

Leis não eliminam o risco. Definem regras, alguma coisa, mas não eliminam o risco. A solução proposta no PL só vai gerar mais insegurança jurídica, pois é passível de questionamento. Exigir das equipes que façam triagem e classifiquem o que é fake news? Qual é a garantia de imparcialidade? Esse trabalho tem que ser da Justiça.

O movimento contra as fake news, hoje, responsabiliza em excesso as empresas?

A questão principal é que as empresas do setor de tecnologia são como os mensageiros, transmissores. O mecanismo tecnológico usado para postar fake news é o mesmo que as pessoas postam suas mensagens e imagens. Esse é um dos princípios do Marco Civil da Internet, que é global e a neutralidade da rede foi incluída no Marco. A partir do momento em que você responsabiliza a empresa, a rede deixa de ser neutra.

Os veículos de informação e as emissoras podem ser responsabilizados por erros e notícias falsas. Não deveria valer o mesmo para as empresas de TI?

Quando um leitor do Correio Braziliense recebe o jornal, está lendo o que vocês escreveram. Se o conteúdo é verdadeiro ou falso, fica a critério (do leitor) seguir o que se publica. É parte do negócio que você faz. No caso de uma rede social, ele não é gestor do conteúdo. É apenas uma ferramenta para que a sequência de letrinhas seja transmitida. É como você prejudicar a fábrica de papel pelo erro do jornal.