O globo, n. 31715, 06/06/2020. Especial Coronavírus, p. 12

 

STF proíbe operações policiais em favelas do Rio

Carolina Brígido

Rodrigo Berthone

06/06/2020

 

 

Ministro Edson Fachin concede liminar para impedir ações durante pandemia, permitidas apenas em casos excepcionais

o ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal (STF), concedeu ontem uma liminar para impedir a realização de operações policiais em comunidades do Rio de Janeiro durante a pandemia do coronavírus, a não ser em hipóteses excepcionais. Nesses casos, deve haver justificativa por escrito da autoridade competente, com comunicação imediata ao Ministério Público estadual, que é responsável pelo controle externo da atividade policial. Desde o início das medidas para conter o avanço da Covid—1 9, uma série de operações policiais levaram pânico a favelas do estado e, algumas situações, acabaram em tragédia, como a morte do adolescente João Pedro Mattos Pinto, de 14 anos, após ser baleado dentro de casa, numa ação que envolveu agentes das polícias Civil e Federal em São Gonçalo, Região Metropolitana do Rio.

Pela decisão de Fachin, as operações policiais, quando tiverem de ser realizadas, deverão estar cercadas por cuidados adotados pelas autoridades públicas: “para não colocar em risco ainda maior a população, a prestação de serviços públicos sanitários e o desempenho de atividades de ajuda humanitária”.

 VIOLAÇÃO DE DIREITOS

O pedido havia sido feito pelo PSB, em parceria com a Defensoria Pública do Rio e com entidades representativas de grupos minoritários.

Na medida cautelar “, os autores afirmam que o quadro já dramático de violação dos direitos humanos no Rio vem se agravando, “vitimando especialmente a população pobre, negra, que mora em comunidades”. O texto afirma que, durante a pandemia, “as operações policiais vêm se tornando ainda mais letais e violentas”. Entre as ações citadas, está uma chacina no Complexo do Alemão, no dia 15 de maio, e o assassinato de crianças e adolescentes, como João Pedro.

 Números do Instituto de Segurança Pública (ISP) mostram que no mês de abril, quando já estavam em vigor medidas de isolamento, houve uma explosão de mortes durante operações policiais.

Naquele mês, 177 pessoas morreram em intervenções de agentes do estado, uma média de quase seis homicídios por dia. O total representa um aumento de 43% em relação a abril de 2019. Abril de 202Oé o segundo mês com mais mortes em ações policiais desde o início da série histórica do governo do estado, que começa em 1998.  N a ação encaminhada a Fachin, as entidades ainda observaram que as “operações policiais vêm também interrompendo o funcionamento de unidades de saúde e a distribuição de cestas básicas em favelas, de forma desumana e francamente inconstitucional”, diz o texto, pedindo intervenção do STF.

“Esta Corte deve agir, com urgência, para obrigar aquele ente federativo a sanar a sua mora injustificável, da qual decorrem não custa recordar os mais elevados índices de homicídio por intervenção policial de todo o país, sem falar nas outras violações a direitos humanos”.

O advogado Wallace Corbo, um dos autores da ação, ressalta que a decisão de Fachinvem em um momento crítico do estado e visa a frear violações graves aos direitos fim da mentais da população de comunidades em plena pandemia.

 O estado brasileiro está dizendo para as pessoas ficarem em casa. Mas, o que nos mostra o caso do menino João Pedro é que a população pobre e preta ficar em casa não significa ficar em segurança.

Você pode ser morto ou pelo coronavírus ou por uma operação policial. O que essa decisão faz é reconhecer o direito à vida, à proteção à casa, à segurança e à saúde do morador de favela afirma Corbo. Já os advogados Daniel Sarmento e Ademar' Borges, que também integram ação, celebraram a medida, afirmando, por nota, que ela busca evitar a prática de “genocídio da população negra” por parte da polícia do Rio. “A decisão do Fachin revela que vidas negras importam”, completam, fazendo menção ao movimento que tomou as ruas e as redes sociais desde o assassinato de George Floyd, em 25 de maio, nos Estados Unidos. Ele morreu após ter sido imobilizado por um policial branco que manteve o joelho sobre o pescoço da vítima —um ex- segurança que teria usado notas falsas de dólares para fazer compras por quase nove minutos. O Ministério Público Federal (MPF), através de seu Núcleo de Controle Externa da Atividade Policial, instaurou inquérito civil público para apurar a participação da Polícia Federal na morte de João Pedro.

 Procurado para comentar a decisão tomada pelo STF, o governo estadual informou que cumprirá a decisão assim que for notificado, conforme orientação da Procuradoria Geral do Estado (PGE).