Valor econômico, v.21, n.5032, 30/06/2020. Brasil, p. A8

 

Proposta permite registro por hora de trabalho

Fabio Graner

30/06/2020

 

 

A nova carteira verde-amarela que o governo está construindo deverá permitir o registro do pagamento de contratação por hora, respeitando o salário mínimo por hora. E o total de renda contabilizado nesse instrumento, que deve ser totalmente digital e sem incidência de qualquer tipo de tributo, servirá de referência para que o trabalhador receba o chamado “Imposto de Renda negativo”, um complemento que o setor público pagará para a faixa entre a assistência social e o salário mínimo formal, hoje em R$ 1.045.

“Por exemplo, se o IR negativo for de 20%, e ele recebeu de renda R$ 500, poderei pagar mais R$ 100”, disse fonte da equipe econômica, destacando que esse desenho permitirá a ascensão daqueles que estão na assistência social e acesso a possibilidades como o microcrédito. Seria um incentivo para que haja alguma formalização de um grupo de pessoas que hoje está totalmente fora do sistema.

“Nós queremos dignificar o trabalhador que está fora do mercado formal. Por isso daremos alguns incentivos. A carteira é quase uma máquina de calcular, a pessoa trabalha duas horas em um lugar, marca-se o valor. Depois, mais três horas em outro lugar, apresenta a carteira e marca. Ele pode ser empregado de oito pessoas ao mesmo tempo”, disse uma fonte ao Valor.

A possibilidade de contratação por hora foi contemplada na reforma trabalhista de 2017, dentro do modelo de trabalho intermitente, atingindo os trabalhadores da CLT. Com a carteira verde-amarela, tenta-se incluir o trabalhador informal, que pode ter no complemento do “IR negativo” um incentivo para declarar nela os trabalhos feitos com diferentes empregadores.

A visão do governo é que esse modelo livre de encargos e voltado para quem está fora do sistema vai fomentar a geração de emprego, exatamente em um momento no qual o país estará com níveis elevados de desemprego por causa da crise. Nesse contexto, a equipe econômica reforça o discurso para o avanço de projetos no Congresso que fomentem os investimentos na área de petróleo, gás, cabotagem, como ocorreu com o recém-aprovado marco do saneamento.

No fim do ano passado, o governo fez uma tentativa de emplacar a carteira verde-amarela. Mas ela era voltada para o público jovem, com até 29 anos. A medida provisória perdeu validade neste ano sem ser votada, embora tenha permitido a contratação de 12,9 mil pessoas.

O novo desenho em gestação, embora ainda nas etapas iniciais, é mais amplo, pois é genericamente voltado para o trabalhador informal, e será acoplado ao programa social Renda Brasil, que pretende ser uma versão turbinada do programa Bolsa Família, incluindo parte dos informais que hoje estão de fora.

As simulações iniciais sobre o Renda Brasil apontam que o novo programa atingirá cerca de 30 milhões de pessoas - os 19 milhões hoje do Bolsa Família mais cerca de 11 milhões do universo de informais. Dessa forma, os outros cerca de 25 milhões de informais poderão aderir à nova carteira.

Um dos desafios do governo para colocar os dois programas de pé é de natureza fiscal. O déficit do setor público está subindo muito neste ano, com as ações de combate à pandemia de covid-19, e, consequentemente, o endividamento público, que deve encostar em 100% do PIB. Dessa forma, os técnicos estão com a missão de colocar de pé esse novo desenho dentro das capacidades do governo.

No caso do Renda Brasil, a ideia é que a maior parte do aumento do programa seja bancada a partir da fusão com outros programas sociais, como abono salarial, seguro-defeso e salário-família. Embora tenha sido cogitada por alguns técnicos, a inclusão do Benefício de Prestação Continuada (BPC) perdeu um pouco de força, dado o potencial maior de polêmica (na reforma da Previdência foi tentado, mas nem sequer a idade de acesso o governo conseguiu mudar), embora ainda haja quem defenda juntá-lo no novo programa.

No IR negativo, a questão fiscal estava mais distante de ser equacionada, embora ideias preliminares já estejam sendo levantadas pelos técnicos.

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Renovação de benefício pode levar déficit público a 11,5% do PIB, diz Tesouro

Lu Aiko Otta

Mariana Ribeiro

30/06/2020

 

 

O déficit primário do setor público pode chegar a R$ 850 bilhões, ou 11,5% do Produto Interno Bruto (PIB), caso as propostas de renovação do auxílio emergencial em discussão sejam implementadas, alertou o secretário do Tesouro Nacional, Mansueto Almeida. O cálculo considera proposta do governo (mais três parcelas, de R$ 500, R$ 400 e R$ 300) ou duas de R$ 600, como defende o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ).

O governo deve divulgar hoje novas estimativas para os gastos com a pandemia em 2020. Dados divulgados ontem mostram que o déficit primário nas contas do governo central (conjunto formado por Tesouro Nacional, Previdência e Banco Central) ficou em R$ 126,6 bilhões em maio, ante um resultado negativo de R$ 14,7 bilhões no mesmo mês período do ano passado.

De janeiro a maio deste ano, o déficit chegou a R$ 222,5 bilhões. Em relação a igual período de 2019, as receitas líquidas caíram 15,9% enquanto as despesas avançaram 20,8%. Essa combinação é agravada pelos efeitos da pandemia, que tem reduzido receitas e elevado os gastos do governo.

Já participando da divulgação do resultado como parte do processo de transição no comando do órgão, o sucessor de Mansueto, Bruno Funchal, atual diretor de Programas da Secretaria Especial de Fazenda, destacou a piora nas contas da Previdência, principalmente devido à pandemia.

A queda na atividade e o diferimento nos recolhimentos das contribuições ao INSS, medidas adotadas como reação à crise, pioraram o resultado das contas da Previdência. Além disso, o governo decidiu antecipar o pagamento do 13º salário dos aposentados.

“Boa parte [desse efeito] deve ser revertida até o fim do ano”, afirmou. De janeiro a maio, o déficit da Previdência atingiu R$ 139,9 bilhões, ante R$ 82,2 bilhões em igual período de 2019.

O futuro secretário falou também sobre o impacto do adiamento do pagamento de tributos como PIS/Cofins e Imposto de Renda. As receitas da Cofins, por exemplo, recuaram 25,1% de janeiro a maio em comparação com igual período de 2019. No caso do PIS, foram 21,7% a menos, e do Imposto de Renda, 8,9%.

As despesas com ações específicas de combate à covid-19 somaram R$ 53,4 bilhões em maio. Ao longo do ano, chegam a R$ 113,8 bilhões. Não fossem esses gastos, a despesa acumulada em 12 meses estaria em R$ 1,303 trilhão e não em R$ 1,416 trilhão, como o registrado.

Em maio, foi verificado um recorde de R$ 28,3 bilhões em recursos “empoçados”. É dinheiro que se encontra liberado, mas ainda não foi gasto.

É o caso, por exemplo, do Bolsa Família. Como muitos beneficiários migraram para o auxílio emergencial, “sobrou” dinheiro. Outro exemplo citado por Mansueto é o da linha de financiamento para folha salarial das empresas de médio porte. Mesmo após ajustes para torná-la mais atraente, a estimativa é que serão gastos R$ 20 bilhões, de um total reservado de R$ 40 bilhões.

Recursos que não foram utilizados poderão ser redirecionados a outros programas - uma eventual prorrogação do auxílio emergencial, por exemplo.

Há ainda os recursos que estão “empoçados” porque foram liberados para pagar despesas nos meses à frente. É o caso do auxílio emergencial. O Ministério da Cidadania, responsável pelo programa, ficou com R$ 5,6 bilhões parados em maio.

O Ministério da Saúde ficou com R$ 5,1 bilhões “empoçados” no mês passado, segundo dados do Tesouro. Dos R$ 48,1 bilhões, foram utilizados R$ 43 bilhões.

No dia 17, o Valor trouxe levantamento realizado pela Instituição Fiscal Independente (IFI) mostrando que a pasta da Saúde havia executado 28,3% dos recursos liberados para ações emergenciais. Na ocasião, o ministério informou que despesas ainda não pagas se referiam a Equipamentos de Proteção Individual (EPIs) e equipamentos como respiradores, que ainda não haviam sido entregues. Parte também se destinava a pagamento de profissionais da área de saúde.

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De saída, Mansuetto alerta para 'risco' na prorrogação do auxílio emergencial 

Lu Aiko Otta

Mariana Ribeiro

30/06/2020

 

 

Rigoroso observador do comportamento das finanças públicas, estando dentro ou fora do governo, o secretário do Tesouro, Mansueto Almeida, aproveitou a divulgação do resultado das contas do mês de maio para despedir-se dos jornalistas e passar algumas mensagens sobre o futuro “desafiador” para o caixa do governo.

No horizonte mais imediato, alertou para o perigo de prorrogar o auxílio emergencial. “Quanto mais a gente não exagerar no gasto público deste ano, melhor será o futuro.” O Brasil sairá da pandemia com dívida bruta acima de 95% do PIB, o que é elevado para países emergentes. Essa dívida, frisou ele, terá de ser paga.

Mansueto faz parte de um grupo de integrantes do governo que sempre defendeu o ajuste estrutural das contas públicas, mas que vê a pandemia como uma situação excepcional na qual é necessário elevar os gastos para evitar o agravamento do quadro social e da crise sanitária. Esse aumento, porém, deve ficar circunscrito ao período da crise. Em 2021, volta a agenda do ajuste. E ajuste fiscal é discussão política, ressaltou. Não há certo ou errado. Há escolhas.

Se a opção for por algum desenho que eleve a despesa com benefícios sociais, o Brasil terá de estar preparado para discutir um aumento permanente da carga tributária para financiá-la.

E o Brasil, mostrou ele, já gasta bastante com a área social. De cada R$ 4 de suas despesas, R$ 3 vão para programas sociais ou Previdência. Não é pouco para os padrões mundiais, frisou. Nesse ponto, lançou um convite para levar a discussão a um nível mais elevado: olhar para o baixo efeito distributivo dos gastos sociais no Brasil. Citou um estudo disponível no site do Ministério da Economia que mostra o impacto modesto desses programas na redução das desigualdades. Questionou se não seria possível gastar o mesmo e fazer mais.

Esse é o tipo de debate colocado há anos por especialistas, mas que não encontra ambiente político para ser aprofundado. Em sua última entrevista coletiva no cargo, Mansueto apontou para outra discussão do mesmo tipo: o excessivo engessamento da despesa do governo, um problema para o qual ele sempre chamou a atenção.

Ontem, apresentou uma tabela mostrando que há cinco anos toda a arrecadação líquida federal vai para pagamento de gastos obrigatórios, sobretudo Previdência e pessoal.

Em 2020, mesmo sem a covid-19, as despesas que não podem ser reduzidas somariam 106,7% das receitas líquidas. Com a pandemia, serão 116%. Mesmo com essa pressão, não é intenção do governo abrir mão da regra do teto de gastos. Ela continua válida neste ano e será aplicada em 2021.

“Para além de 2022, terá de fazer algo estrutural para ganhar mais espaço no teto”, disse. “Reformas estruturais são mais importantes no médio e longo prazos.”

Essa era a agenda para a área fiscal antes da pandemia. O governo aprovou a reforma da Previdência, que produz efeito sobre o maior grupo de despesas obrigatórias. E preparou uma proposta de reforma administrativa, para conter o crescimento do segundo maior gasto obrigatório, os salários.

Na entrevista, Mansueto disse que a reforma administrativa valoriza o servidor. Cria mais estímulos para buscar avanços na carreira.

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Estados melhoraram transparência em gastos emergenciais, aponta ONG

Gabriel Vasconcelos

30/06/2020

 

 

Estados e capitais aperfeiçoaram o grau de transparência das contratações emergenciais relacionadas à pandemia de covid-19 neste mês, segundo o escritório brasileiro da ONG Transparência Internacional (TI).

Em junho, nenhuma unidade da federação foi avaliada como “ruim” e, entre as capitais, só Porto Velho foi reprovada. O Estado de São Paulo, que figurou em penúltimo lugar do ranking no primeiro relatório, agora surge com o status “ótimo”, em 12º lugar com Amazonas e Rio Grande do Sul.

A TI avaliou se há divulgação dos contratos de compra de insumos e contratação de serviços relacionados ao combate à covid-19 e como essa divulgação acontece. Para isso, atribuiu notas de 0 a 100, que são a soma de um gabarito com 34 itens dotados de diferentes pesos. Acima de 80 pontos o nível é ótimo. Depois, a cada faixa de 20 pontos, o nível é rebaixado a bom, regular, ruim e péssimo.

Foram avaliados desde aspectos mais abrangentes, como a existência de portal exclusivo para a exposição desses contratos - conforme recomenda o Tribunal de Contas da União (TCU), até critérios de didatismo, passando pela presença de dados detalhados e existência de legislação local para gasto público.

“Antes, o governo de São Paulo tinha um site que informava despesas genericamente, e isso significa desde pagamento de pessoal até contratos para insumos, tudo junto sem detalhes. Agora, criou dois painéis adicionais com informações específicas sobre os contratos emergenciais, como o local de execução, descrição de objeto, valores e prazos dos contratos, além da íntegra dos processos administrativos que os originaram", explica o analista responsável pela pesquisa, Guilherme France.

Ao todo, 12 Estados migraram para as categorias “bom” e “ótimo”. O Espírito Santo se confirmou na liderança com pontuação máxima, seguido por Ceará e Distrito Federal, empatados. No fim da lista estão os governo de Rio de Janeiro, Bahia e Roraima nesta ordem. Os dois últimos são os únicos com desempenhos considerados regulares.

Do lado das capitais, 15 cidades foram alçadas a “bom” e “ótimo”. Com 100 pontos, a prefeitura de João Pessoa é mais transparente do Brasil, à frente de Manaus, Macapá e Vitória, que superaram a faixa dos 90 pontos. As duas maiores cidades do país, São Paulo e Rio, surgem em oitavo e 11º lugar.

Na visão de France, o ranking e a exposição das deficiências funcionaram enquanto mecanismo de pressão. “Fomos procurados por 40 dos 53 governos e prefeituras. Apresentamos sugestões em trocas de e-mails e, em alguns casos, chegamos a fazer reuniões de cooperação técnica”.

Ele observa que, assim como na avaliação anterior, não foi o tamanho do orçamento que pesou no desempenho, e sim o grau de organização e compromisso das administrações com a divulgação de informações. “Os bons resultados de Rondônia ou das prefeituras de João Pessoa e Macapá mostram isso.”

Embora elogie os avanços na transparência dos gastos ligados à pandemia, France afirma que ainda há espaço para melhora, visto que só dois entes gabaritaram as avaliações. A próxima verificação acontece no fim de julho.