Valor econômico, v.21, n.5030, 26/06/2020. Política, p. A8

 

Bolsonaro nomeia Decotelli para Educação com apoio dos militares

Matheus Schuch 

26/06/2020

 

 

O presidente Jair Bolsonaro decidiu ouvir a ala militar e nomeou o economista Carlos Alberto Decotelli para comandar o Ministério da Educação. A escolha surpreendeu o próprio indicado, que recebeu o convite em uma reunião de última hora, além de auxiliares mais próximos do presidente, que percebiam movimentações da ala associada ao ideólogo Olavo de Carvalho e de integrantes do Centrão para emplacar seus favoritos. Decotelli já havia presidido o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) no início do governo. Agora, promete gestão técnica e baseada no diálogo, sem priorizar questões ideológicas.

Desde que Abraham Weintraub deixou o comando do MEC, na semana passada, Bolsonaro consultou diferentes núcleos do governo para definir o substituto. Dos ministros palacianos, ouviu que o melhor seria priorizar resultados práticos e afastar a pasta de polêmicas. Oficial de reserva da Marinha, Decotelli foi elogiado por seus pares pela formulação de políticas de educação ainda durante a transição de governo, em 2018, e pela condução do FNDE, embora tenha ficado apenas seis meses à frente do cargo. Ele foi substituído pelo advogado Rodrigo Sergio Dias, indicado à época pelo presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ). A segunda nomeação também durou poucos meses.

A passagem de Decotelli pelo FNDE foi marcada por ao menos uma polêmica. O novo ministro da Educação era o presidente do órgão quando foi publicado um edital de R$ 3 bilhões para a compra de computadores, notebooks, projetores e lousas digitais para alunos das redes públicas estaduais e municipais. O pregão, no entanto, foi suspenso pela Controladoria-Geral da União (CGU) por suspeitas de fraudes.

A auditoria da CGU apontou que a licitação estimou a compra de um número maior do que o necessário de computadores para atender a rede pública. Uma escola com 255 alunos em Itabirito (MG), por exemplo, receberia 30.030 laptops educacionais, em gasto estimado em R$ 54,7 milhões. Decotelli deixou o FNDE uma semana depois da publicação do edital.

Após deixar o FNDE, Decotelli voltou às atividades acadêmicas, meio ao qual se dedicou na maior parte de sua carreira. Com 67 anos, o novo ministro é financista, autor de livros, possui currículo com pós-doutorado na Bergische Universitãt Wuppertal, na Alemanha; doutorado em administração financeira pela Universidade Nacional de Rosário, na Argentina; e mestrado em administração pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), além de outras formações na área.

Logo após a nomeação, Decotelli falou a emissoras de TV em frente ao MEC. O novo ministro afirmou que Bolsonaro pediu foco em gestão e ampliação do diálogo na Pasta, e não tocou em questões ideológicas, característica que marcou os últimos titulares do MEC.

“Não houve nenhuma demanda ou fala sobre questão ideológica, até porque não tenho nenhuma competência ideológica, a minha formação é área de gestão e finanças, meus livros são de gestão financeira, eu sou um gestor de finanças e administração”, disse Decotelli. “Não tenho competência para fazer adequação ideológica”.

O novo ministro afirmou que Bolsonaro o recomendou a aplicar ciência e integração “para entregar a melhor política pública para a educação do Brasil”.

Ao citar sua experiência acadêmica, Decotelli afirmou que sua intenção é “que o MEC seja uma grande sala de aula”, com foco também em gestão e correção de projetos. Prometeu ampliar o diálogo com o Congresso, instituições de ensino e entidades de classe.

Decotelli é oficial da reserva da Marinha e coordenou atividades na Escola de Guerra Naval, onde fez contatos que são cultivados até hoje. Além dos ministros militares, oficiais mais veteranos que estão no governo apoiaram a escolha.

Ao mesmo tempo em que atendeu seus principais conselheiros no Planalto, Bolsonaro desagradou à ala ideológica, responsável pela defesa ferrenha do governo no Congresso, em manifestações de rua e redes sociais, além do filho Carlos, um dos defensores da linha pregada por Olavo de Carvalho.

Bolsonaro afirmou que a escolha do professor para o MEC foi “muito difícil”. Segundo o presidente, quatro nomes foram apresentados para comandar a Pasta e eram escolhas “sensacionais”. Bolsonaro, no entanto, disse que Decotelli foi escolhido “pela idade e pelo currículo mais extenso”, e elogiou outro cotado, o secretário de Educação do Paraná, Renato Feder. Segundo interlocutores do presidente, Feder foi descartado por ter apoiado o governador de São Paulo, João Doria (PSDB). O secretário doou recursos ao tucano em 2016, na campanha pela Prefeitura de São Paulo.

No comando do MEC, Decotelli terá de lidar com os interesses do Centrão nos recursos milionários do FNDE. Integrantes do grupo político indicaram Marcelo Lopes, ex-chefe de gabinete do senador Ciro Nogueira (PP-PI), para comandar o órgão. O Centrão estuda retomar a licitação de R$ 3 bilhões, que foi suspensa pela CGU. 

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Presidente reforça guinada para moderação

Matheus Schuch

Isadora Peron

26/06/2020

 

 

O presidente Jair Bolsonaro fez ontem um novo aceno aos outros Poderes, em mais uma tentativa de reduzir as tensões entre as instituições. Em evento ao lado de autoridades do Judiciário, citou também parlamentares dizendo que o entendimento de todos pode sinalizar melhores momentos para o Brasil.

O governo também buscou reduzir o descontentamento de militares com a presença de oficiais da ativa em cargos estratégicos do Executivo. Por meio de nota, o ministro da Secretaria de Governo, Luiz Eduardo Ramos, informou que entrará com requerimento no próximo dia 1º de julho para ser transferido à reserva.

Bolsonaro deixou de lado o estilo de confronto e adotou uma postura mais moderada desde que ficou pressionado por fatos recentes que acirraram a crise política, como a prisão do ex-assessor Fabrício Queiroz. O mais recente gesto ocorreu durante uma cerimônia para assinatura de um acordo de integração de bases de informações do Executivo, do Judiciário e do Legislativo, com a participação do presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Dias Toffoli. Mas Bolsonaro também mencionou em seu breve discurso os presidentes do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), e da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ).

“Esse entendimento, essa cooperação, bem revela o momento que vivemos aqui no Brasil. Eu costumo sempre dizer quando estou com o Toffoli, com o Alcolumbre, Maia, que somos pessoas privilegiadas. O nosso entendimento, sim, no primeiro momento, é que pode sinalizar que teremos dias melhores para o nosso país. Obviamente, entra mais gente nesse entendimento, deputados, senadores, os demais ministros do Supremo, nossos colegas do STF servidores”, afirmou na solenidade, que foi transmitida pela internet.

Minutos antes, Dias Toffoli elogiou as escolhas de Bolsonaro para a área jurídica do governo e o desempenho do ministro da Secretaria-Geral da Presidência, Jorge Oliveira, que é cotado por Bolsonaro para ser indicado ao STF. “Vossa excelência deu dignidade de ministério para uma das funções mais importantes no Estado brasileiro, que é aquela que trata dos atos normativos e da transparência normativa da presidência da República. Isso não foi só pela visão de sua excelência, mas também pelos méritos do Jorge [responsável pela SAJ], que soube conduzir e levar este mérito”, afirmou Toffoli, se dirigindo a Bolsonaro.

Uma das vozes do governo escolhidas para tentar pacificar a relação com o STF, o ministro Jorge Oliveira também discursou. Ao se dirigir a servidores da Subchefia de Assuntos Jurídicos (SAJ), ele destacou o trabalho feito anteriormente no órgão por Toffoli e pelo ministro do STF Gilmar Mendes. “Esses colegas de hoje dão continuidade ao trabalho já desenvolvido na presidência há algum tempo, desde o período em que o nosso presidente do Supremo, Dias Toffoli, passou pela SAJ, antes o ministro Gilmar Mendes também plantou algumas sementes que nós colhemos aqui os frutos e damos continuidade com isso”, disse.

A pauta institucional, no entanto, ainda não foi totalmente pacificada. Em manifestação enviada ao Supremo, o procurador-geral da República, Augusto Aras, afirmou que abriu uma “averiguação preliminar” para apurar se o ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), Augusto Heleno, cometeu algum ato ilícito ao editar a chamada “nota à Nação brasileira”. No texto, do dia 22 de maio, o ministro afirmava que uma eventual apreensão do celular de Bolsonaro seria “inconcebível” e traria “consequências imprevisíveis para a estabilidade nacional”. Segundo fontes da PGR, a instauração de uma notícia de fato trata-se de um procedimento normal. Todo pedido de investigação que chega ao órgão é autuado com um número para tramitação.

No fim do dia, um homem foi preso após atear fogo a um ônibus próximo à Praça dos Três Poderes. Após perceber o incêndio, o motorista parou em frente ao Palácio do Planalto. O homem, cuja identidade não foi revelada pela Polícia Militar do Distrito Federal, desceu gritando “fora, Bolsonaro”. Ninguém ficou ferido.

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Faria estuda plano para melhorar imagem no exterior

Cristiano Zaia

26/06/2020

 

 

O Ministério das Comunicações estuda criar uma secretaria internacional para tentar melhorar a imagem do governo no exterior. A secretaria unificaria o discurso em questões ambientais ou de comércio bilateral, como no caso da China. A medida será uma das primeiras ações do novo ministro da área, Fábio Faria.

O movimento por uma comunicação de governo menos ideológica vem sendo defendido por vários ministros como Paulo Guedes (Economia), Tereza Cristina (Agricultura) e Tarcísio Freitas (Infraestrutura). Ganhou ares de urgência após 29 grandes fundos estrangeiros terem alertado, em carta, sobre as “incertezas” de se investir no Brasil em um cenário de aumento do desmatamento. A fala do ministro Ricardo Salles, do Meio Ambiente, de que era preciso aproveitar o período da pandemia do novo coronavírus para “passar a boiada” em normas ambientais também criou problemas para o governo brasileiro e tem preocupado ministros.

A ideia também conta com o apoio do núcleo militar do Palácio do Planalto, formado pelos ministros Walter Braga Neto (Casa Civil), Luiz Eduardo Ramos (Secretaria de Governo), Jorge Oliveira (Secretaria-Geral) e Augusto Heleno (Gabinete de Segurança Institucional.

O ministério, que havia sido extinto e incorporado no início da gestão à pasta de Ciências e Tecnologias, do astronauta Marcos Pontes, foi recriado há uma seman, em um arranjo feito por Bolsonaro para contemplar mais uma vez o Centrão e compor uma base aliada no Congresso.

A atuação da Secom, que segue comandada por Fabio Wajngarten, passou a ser muito criticada por ministros pragmáticos e pela ala militar do governo. Autoridades avaliam que, até o momento, a Secom se envolveu mais em crises políticas do que auxiliou na melhoria da imagem do país perante investidores estrangeiros e governos de outros países.

Wajngarten é bem próximo do presidente Jair Bolsonaro, de quem tem sido conselheiro em muitas ocasiões, e considerado da “ala ideológica” do governo, assim como Salles, o chanceler Ernesto Araújo e a ministra Damares Alves (Direitos Humanos).

No ano passado, sob seu comando a Secom lançou a campanha “Brazil by Brasil”, veiculada na mídia estrangeira com vídeos divulgando ações do governo na área econômica e ambiental, por exemplo. De curta duração, porém, a ação não teve resultados eficientes.

Ontem, em entrevista a uma rádio, a ministra Tereza Cristina afirmou que é preciso melhorar a comunicação em defesa do Brasil no exterior, citando a forte reação da União Europeia por meio e resistências ao acordo com o Mercosul. A ministra defendeu que ações como a do Conselho da Amazônia, conduzido pelo vice-presidente Hamilton Mourão, que vem procurando se antecipar ao combate às queimadas no país no período seco, precisam aparecer.

“Existe uma campanha orquestrada [no exterior contra o Brasil]. Nós somos muito competitivos no agronegócio por exemplo e isso são coisas de mercado. Mas nós estamos falhando na comunicação e precisamos nos comunicar melhor”, afirmou.