Correio braziliense, n. 20853 , 26/06/2020. Política, p.6

 

Sem consenso sobre regras

Alessandra Azevedo

26/06/2020

 

 

FAKE NEWS » Alcolumbre adia para a próxima terça-feira votação de PL que tentará conter a disseminação de mentiras pelas redes sociais. Divergência é sobre supostas invasão de privacidade, restrição à liberdade de expressão e insegurança para usuário

Após mais um dia de polêmicas sobre o assunto, o Presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), decidiu adiar para a semana que vem a votação do Projeto de Lei 2.630/20, que busca impedir a divulgação de notícias falsas, prevista para acontecer ontem. Os senadores pediram mais tempo para analisar a versão mais recente do parecer, apresentado pelo relator, Angelo Coronel (PSD-BA), no fim da tarde.

Os parlamentares propuseram 16 requerimentos pelo adiamento da votação. Antes de remarcá-la para a próxima terça-feira (30/6), Alcolumbre abriu espaço para que os senadores discutissem o projeto — 10 a favor, 10 contra. Quando terminaram de expor suas posições, por volta das 20h30, o Presidente do Senado concluiu que a maioria concorda com a necessidade de uma legislação sobre o assunto, que “possa punir esses milicianos que ofendem e agridem os brasileiros”.

O que falta, segundo ele, é consenso sobre a melhor versão do texto. Os 10 que falaram contrariamente não defenderam a rejeição –– apenas pediram mais tempo para análise do conteúdo proposto, observou Alcolumbre.

Alcolumbre também comentou o assunto no Twitter. “O Parlamento assume sua responsabilidade em busca de mecanismos para que identifiquemos notícias inverídicas, enfrentando seus propagadores”.

Polêmica

O projeto tem rendido longas discussões sobre as regras e os limites que poderão ser estabelecidos na nova Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência. A polêmica resultou em posicionamentos de empresas e entidades da sociedade civil, e levou aos três adiamentos de votação, até agora. Ontem, Facebook, Twitter, Instagram e WhatsApp voltaram a se manifestar contra a proposta.

Em nota, as empresas afirmam que o PL “ameaça a privacidade, a liberdade de expressão e a segurança de milhões de brasileiros” e preveem impacto “desastroso e amplo” para os brasileiros e para a economia, caso o projeto avance. O documento foi assinado também por entidades de defesa da privacidade on-line, estudiosos, advogados e associações nacionais do setor de tecnologia.

No parecer apresentado por Coronel, o terceiro até agora, o relator retirou um dos pontos mais controversos, que exigia documentos de identificação, como RG e CPF, e número de celular para abertura de contas em redes sociais. O Ministério Público Federal (MPF) sugeriu a supressão do artigo, em nota técnica enviada ao Senado, por entender que ele abriria espaço para a coleta de dados pessoais.

Críticos argumentavam que a medida, além de invasiva, poderia gerar exclusão digital, porque impediria que pessoas que não têm celular tivessem acesso a redes sociais. Após as mudanças, o parecer mais recente passou a exigir que as plataformas cobrem identificação de usuários apenas em casos suspeitos, não mais na abertura das contas.

O texto também deixa claro que os dados dos usuários só poderão ser acessados a pedido da Justiça, em casos de investigação criminal e instrução processual penal. Caso as plataformas não cumpram as regras, poderão receber advertências ou ter que pagar multas que podem chegar a 10% do faturamento do grupo no Brasil no ano anterior.

Rastreamento

Mesmo com as críticas, o relator não retirou o trecho que exige que os serviços de mensagem privada guardem, por três meses, os registros de envios para vários usuários, “resguardada a privacidade do conteúdo”. A regra vale para casos em que o mesmo conteúdo tenha sido encaminhado por mais de cinco usuários, em intervalo de até 15 dias, para grupos de conversas ou listas de transmissão.

Os registros devem mostrar quem fez encaminhamentos em massa da mensagem, com data e horário, e o número total de usuários que a receberam. “O acesso aos registros somente poderá ocorrer com o objetivo de responsabilização pelo encaminhamento em massa de conteúdo ilícito, para constituição de prova em investigação criminal e em instrução processual penal, mediante ordem judicial”, diz o parecer.

As empresas e entidades contrárias ao PL criticam também a exigência que as redes sociais mantenham um banco de dados dos usuários no Brasil. Elas alegam que isso pode reduzir em até 4,2% os investimentos no país.

O relator reconheceu que a matéria é polêmica, mas assegurou que não invade a privacidade ou prejudica a inclusão digital, como alegam as empresas. “Estamos mexendo com gigantes do mundo digital. Elas deviam mostrar onde que está a inclusão que seria evitada com esse projeto”, cobrou.