O Estado de São Paulo, n.46229, 13/05/2020. Política, p.A11

 

FHC vê risco se militares tomarem ‘gosto’ por poder

11/05/2020

 

 

O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso afirmou em entrevista à agência EFE que preocupa a possibilidade de as Forças Armadas passarem a “ter gosto” pelo poder em um governo com cada vez mais militares, e disse ver hoje no País um Legislativo e um Judiciário tentando preencher vazios deixados por um Executivo “cambaleante” e “sem rumo definido”.

“Todo governo que começa a ser fraco, a não ter força, nomeia militares. Lembro-me de (Salvador) Allende, no Chile, quando começou a nomear militares. Aqui também, quando os governos não são fortes, eles dependem das Forças Armadas, e acho que isso é um risco para as Forças Armadas, porque elas passam a ter gosto pelo poder. Há muitos (militares no governo) e cada vez mais. E isso é uma fragilidade política do governo, não uma força”, declarou FHC.

Segundo o ex-presidente, “sob a condição de que a força regular permaneça em uma posição pró-Constituição, nada acontece”. “Mas, se as Forças Armadas, independentemente do que possa acontecer, se colocarem na posição de apoiar incondicionalmente o presidente, isso é grave, e a unidade democrática morre.”

Agresões. Fernando Henrique também afirmou que não se pode permitir agressões contra o Supremo Tribunal Federal e o Congresso, ao comentar recentes manifestações a favor de uma intervenção militar no País. O presidente Jair Bolsonaro chegou a participar de um desses atos, em Brasília.

“Ele (Bolsonaro) exagera. Não podemos permitir agressões contra a Suprema Corte, contra o Congresso, que vão contra a democracia. E ter casos em que o presidente participe dessas agressões é grave. Os que têm força política têm que se expressar em defesa da democracia. Neste momento, quando se nota que o Executivo está cambaleante e não tem um rumo definido, o que acontece? Os demais órgãos constitucionais, a Suprema Corte, os Parlamentos, começam a ocupar o vazio de poder, e isso é perigoso”, disse o tucano.

O ex-presidente avaliou ainda que Bolsonaro perde prestígio com a saída de Luiz Henrique Mandetta do Ministério da Saúde e de Sérgio Moro da Justiça. “Mandetta não teve tanto efeito, mas Moro era um pilar.”

FHC defendeu a renúncia de Bolsonaro após a demissão de Moro, que acusou o presidente de interferência na Polícia Federal. “Que renuncie antes de ser renunciado. Poupe-nos de, além do coronavírus, termos um longo processo de impeachment. Que assuma logo o vice”, escreveu no Twitter.