Correio braziliense, n. 20852 , 25/06/2020. Política, p.4

 

Viagens pelo país para melhorar a imagem

Augusto Fernandes

Ingrid Soares

25/06/2020

 

 

PODER » Bolsonaro retomará agenda de visitas aos estados, na tentativa de elevar avaliação do governo. Amanhã, vai inaugurar obra no Ceará. É no Nordeste que o presidente tem menor popularidade

Desgastado pela pandemia do novo coronavírus e pelas investigações envolvendo a família, o presidente Jair Bolsonaro tentará conter a deterioração da sua imagem, com a entrega de obras públicas. A primeira agenda com essa meta será em viagem a Penaforte (CE), para participar da inauguração de um trecho de obra da transposição do rio São Francisco.

A chegada das águas do manancial ao estado deve garantir segurança hídrica à região e, principalmente, diminuir drasticamente os problemas relacionados ao abastecimento de água potável no Ceará e em outros estados, como Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte e Alagoas. Dessa forma, ao promover a entrega do empreendimento, Bolsonaro passará a imagem de que concluiu aquilo que os governos do PT não conseguiram terminar em quase 10 anos de obras, o que pode aumentar a popularidade no Nordeste, região em que ele menos recebeu votos em 2018.

O compromisso político torna-se ainda mais emblemático por se tratar da primeira viagem oficial de Bolsonaro ao Ceará desde que ele assumiu o Palácio do Planalto. Sendo assim, o presidente também poderá saber se a renda emergencial do auxílio de R$ 600 contribuiu, de alguma forma, para melhorar a avaliação do governo. Políticos da base já disseram ao mandatário que o coronavoucher é tratado como o “dinheiro do Bolsonaro” pelos moradores do Nordeste.

Na avaliação de parlamentares do estado, a cerimônia será um marco tanto para os cearenses quanto para Bolsonaro. “A importância é imensa. Sempre tivemos dificuldades com recursos hídricos e sabemos que, a qualquer momento, pode faltar água de novo”, comentou o deputado federal Vaidon Oliveira (Pros). “Acredito que é um momento de felicidade para todos e será muito importante para o presidente, mesmo porque, todo governo gosta de fazer inauguração e, no fim, isso é o que fica.”

Para o deputado, a estratégia de Bolsonaro de se aproximar do Nordeste pode dar certo, desde que ele mantenha viagens à região com uma certa regularidade.  

O deputado federal Dr. Jaziel (PL) fez a mesma avaliação. Segundo ele, “Bolsonaro tem de estar no Nordeste e cuidar do Nordeste, que, com certeza, lhe dará bons frutos”. “O presidente precisa conquistar o Nordeste e investir aqui. Ele tem de repetir algo que foi feito nos outros governos: cativar o povo. Os nordestinos precisam ver o lado trabalhador do Bolsonaro”, comentou. “A linha é por aí. Bolsonaro deve vir muitas vezes mais, fazer mais ações e mostrar o que ele tem de bom para servir ao Nordeste.”

Duvidoso

Para o cientista político e professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Paulo Baía, na tentativa de ampliar sua base, Bolsonaro tentará aumentar o ritmo de viagens para gerar agendas positivas e, também, prestigiar políticos regionais aliados que concorrem às eleições municipais, que devem ser adiadas para novembro.

“De uns 15 dias para cá, Bolsonaro tem reorganizado a agenda com a aproximação do Centrão. Com isso, ele faz uma movimentação política grande, ampliando seu apoio, principalmente, no Congresso. Somado a isso, temos a eleição municipal para o fim do ano. Sobretudo, esses novos aliados precisam de apoio do governo federal”, analisou. “Portanto, a frequência de viagens deve aumentar, pois obras de infraestrutura são grandes e importantes para partidos fisiológicos e servirão, principalmente, para Bolsonaro dar prestígio e protagonismo a esses parlamentares.”

O cientista político Geraldo Tadeu Monteiro, professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), tem uma visão diferente. Para ele, Bolsonaro deveria visitar estados onde tem maior popularidade, e não o contrário. “Se ele quer fazer uma agenda mais positiva e sair do isolamento de Brasília, deveria ir aonde teve mais aceitação e não ao campo do adversário. Já se passou um ano e meio, e a avaliação dele no Nordeste continua pior do que nos outros locais. O risco de essa agenda não surtir efeito algum é bem maior.”

O especialista lembrou que Bolsonaro ainda não visitou os locais mais atingidos pela covid-19, o que também pode atrapalhar as pretensões dele. “Em nenhum momento, ele refere-se à pandemia. Está indo inaugurar obra que nada tem a ver com a situação sanitária do país, e segue na linha negacionista. Está tentando criar uma outra agenda positiva do ‘Brasil que trabalha e constrói’, indo de encontro ao discurso da pandemia, de isolamento, de prevenção e do alto número de casos e mortes”, ponderou.

Segundo o professor, os inquéritos judiciais que investigam aliados, as demissões ministeriais e a prisão de Fabrício Queiroz, ex-assessor do senador Flávio Bolsonaro, deixaram o chefe do Executivo com uma margem menor para criar fatos. “Ele está mais contido. Resolveu tentar uma manobra diversionista mais ampla. Com certeza, será um evento bem articulado para que não haja oposição e manifestações contrárias, mas, ao mesmo tempo, parece uma saída um pouco improvisada, indo para um lugar onde foi amplamente derrotado em 2018. O dividendo político que ele vai obter com a viagem é duvidosa, quase nula.”

Votação

O Senado aprovou, na terça-feira, o adiamento das eleições municipais para 15 de novembro (primeiro turno) e 29 de novembro (segundo), caso as disputas sejam definidas numa segunda etapa. As mudanças no calendário eleitoral foram propostas por causa da pandemia do coronavírus. A proposta de emenda à Constituição (PEC) foi avalizada em dois turnos de votação, com um placar de 64 a 7. O texto seguirá para a Câmara, onde há uma resistência maior à alteração. Atualmente, a disputa está marcada para 4 e 25 de outubro.

Frases

“Bolsonaro tem de estar no Nordeste e cuidar do Nordeste, que, com certeza, lhe dará bons frutos”

Dr. Jaziel, deputado federal

 “Se ele (Bolsonaro) quer fazer uma agenda mais positiva, deveria ir aonde teve mais aceitação, e não ao campo do adversário”

Geraldo Tadeu Monteiro, cientista político

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PSC cobra cargos por apoio ao governo

25/06/2020

 

 

Com nove deputados na Câmara, integrantes da bancada do PSC cobraram, ontem, mais espaço no governo em troca do apoio que têm dado em votações de interesse do Planalto. A reivindicação foi feita por representantes da legenda em café da manhã com o presidente Jair Bolsonaro no Palácio da Alvorada.

O PSC é também o partido do governador do Rio, Wilson Witzel, que se tornou adversário do chefe do Executivo federal e está rompido também com a cúpula da própria sigla.

Após o encontro, o deputado Otoni de Paula (RJ) afirmou que o partido quer “tratamento igualitário” do governo em relação a outras legendas. “Foi um encontro de aproximação política, já que o PSC votou quase 90% dos interesses do governo”, afirmou. Na visão do parlamentar, o Planalto conseguirá montar uma base de sustentação no Congresso, pois “está caminhando para a maturidade” política, “sem negociar seus valores”.

Nos últimos meses, Bolsonaro passou a negociar cargos em ministérios e autarquias com partidos do Centrão — formado por PP, PL, Republicanos, PTB, DEM, Solidariedade e PSD. O movimento faz parte de uma tentativa do presidente de fortalecer a base de apoio no Parlamento e se blindar de um eventual processo de impeachment.

Bolsonaro já chamou as práticas do Centrão de “velha política”, mas recorreu ao “toma lá, dá cá” diante da escalada da crise política, acentuada pelas investigações que apuram as denúncias de tentativa de interferência na Polícia Federal feitas pelo ex-ministro da Justiça Sergio Moro.

Ainda de acordo com Otoni, o presidente sinalizou, durante a reunião, que está disposto a viabilizar cargos para partidos. Entre os caciques das legendas que já indicaram nomes ao governo estão alguns políticos investigados na Lava-Jato.

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Nas entrelinhas

Luiz Carlos Azedo

25/06/2020

 

 

Saudades do Mandetta

O Tribunal de Contas da União (TCU) aprovou, ontem, um relatório do ministro Vital do Rêgo que resume o que todo mundo estava vendo: falta de diretrizes e coordenação entre entes federados e órgãos oficiais no combate à covid-19, por culpa do governo federal. Esse era o ponto forte da gestão de Luiz Henrique Mandetta, defenestrado do cargo porque o presidente da República ficou enciumado da popularidade adquirida pelo então ministro da Saúde e discordava da estratégia de isolamento social que havia adotado. Bolsonaro queria distribuir cloroquina a todos os infectados e implementar a atual estratégia de “imunização de rebanho”.

Quando Mandetta saiu da Saúde, em 16 de abril, o Brasil contabilizava 1.924 mortes; hoje, já são quase 54 mil, uma tragédia anunciada. Na ocasião, as pesquisas mostravam que 76% dos entrevistados aprovavam o desempenho do ministro da Saúde, que antes era avaliado positivamente por 55%. A pandemia havia catapultado sua popularidade, graças ao excepcional desempenho na liderança do Sistema Unificado de Saúde (SUS). Ao contrário, a atuação de Bolsonaro, que havia entrado em guerra com os governadores de São Paulo, João Doria, e do Rio de Janeiro, Wilson Witzel, e se descolado de Mandetta, havia oscilado para baixo, de 35% para 33%. Os ciúmes do clã Bolsonaro — verbalizado nas redes sociais e entrevistas do presidente da República — puseram tudo a perder. Para substituir Mandetta, Bolsonaro escolheu o médico oncologista Nelson Teich, que ficou apenas um mês na pasta e caiu fora, depois da fatídica reunião ministerial de 22 de abril, cujas imagens revelam seu espanto com o que aconteceu na ocasião. A essa altura da pandemia, já eram mais de 14 mil mortos.

Os ministros militares do Palácio do Planalto — os generais Augusto Heleno (GSI), Rego Barros (Casa Civil), Fernando Azevedo (Defesa) e Luiz Ramos (Secretaria de Governo) — bem que tentaram segurar Mandetta no cargo, mas foi um esforço em vão. A ala radical do governo, liderada por Carlos Bolsonaro — que não faz parte do governo, mas tem grande influência no governo — já havia selado o destino de Mandetta. No início de abril, Bolsonaro disse à rádio Jovem Pan que o subordinado deveria “ter mais humildade” e “ouvir um pouco mais o presidente”. Ao saber da crítica, Mandetta falou com o chefe por telefone e ouviu dele que deveria “pedir demissão”. Respondeu: “O senhor que me demita”. Era o fim da linha.

Efeito Orloff

No relatório apresentado ao Tribunal de Contas, Vital do Rêgo critica a ausência de integrantes técnicos da área de saúde no comitê de gestão da pandemia governo: “Os cargos-chave do Ministério da Saúde, de livre nomeação e exoneração, não vêm sendo ocupados por profissionais com essa formação específica”. Segundo ele, isso pode levar a decisões não baseadas em questões médicas e científicas, o que resulta em “baixa efetividade das medidas adotadas de prevenção e combate à pandemia, desperdícios de recursos públicos e aumento de infecções e mortes”. O TCU recomendou a inclusão, como membros permanentes do Comitê de Crise da Covid-19, dos presidentes do Conselho Federal de Medicina, da Associação Médica Brasileira e do Conselho Nacional de Secretários de Saúde, com direito a voz e a voto. Entretanto, o governo não é obrigado a cumpri-la.

O relatório também destaca a ausência de ampla divulgação das ações de enfrentamento à crise de saúde pública e recomenda a inclusão de um representante da Secretaria de Comunicação Social no Centro de Coordenação de Operações do Comitê de Crise para Supervisão e Monitoramento dos Impactos da Covid-19 (CCOP). O TCU determinou, porém, que a Casa Civil passe a divulgar no prazo de 15 dias na internet as atas das reuniões do Comitê de Crise e do CCOP. A Fortuna de Bolsonaro pode ser comparada à do presidente Donald Trump, dos Estados Unidos, que também defendeu o uso de cloroquina e inicialmente se opôs ao isolamento social, embora agora tente se reposicionar, depois de ver sua reeleição caminhar em direção ao brejo.

Hoje, Trump amarga 14 pontos atrás do seu concorrente democrata, Joe Biden. Agora, o principal aliado de Bolsonaro na política externa, embora se declare seu amigo, cita o Brasil como mau exemplo a ser seguido no combate à pandemia. Bolsonaro cometeu um erro fatal ao demitir Mandetta, com quem dividiria o prestígio. Como diria o Conselheiro Acácio, personagem de Eça de Queiroz em O Primo Basílio, as consequências sempre vêm depois. A flexibilização precoce do isolamento social por governadores e prefeitos, pressionados por Bolsonaro, está provocando o aumento do número de casos da covid-19, inclusive, onde a pandemia estava sendo controlada. Além disso, governo perdeu o rumo na economia.