O globo, n. 31713, 04/06/2020. Especial Coronavírus, p. 10

 

Entrevista - Amilcar Tanuri: "É preciso uma flexibilizaçao minima para isso fluir"

Ana Letícia Leão

04/06/2020

 

 

Especialista diz que modelos de saída do isolamento no Rio e em SP são racionais e devem ser somados a testagens para avaliar a pandemia

O virologista chefe do Laboratório de Virologia Molecular do Departamento de Genética da UFRJ, Amilcar Tanuri, colunista do GLOBO, defende que a quarentena já cumpriu o seu papel, ou seja, conseguiu achatar a curva de casos: “A quarentena perdeu a força. É preciso uma nova estratégia”. Para ele, o modelo de flexibilização adotado por São Paulo e Rio de Janeiro é racional. “Só acho que é preciso adicionar uma testagem por PCR em amostragens para ver o que está acontecendo com a epidemia.”

Chegou o momento de reabrir gradualmente as atividades?

Em nenhum país do mundo houve um isolamento desse nível, e vimos que ele achatou a curva. Nas nossas avaliações e de alguns laboratórios de testagem de PCR, o pico da doença já passou no fim de abril e início do mês passado. No Rio, os passos são muito lentos, assim como em São Paulo. Não é que vá abrir de uma vez. Acho que tem abrir, mas com monitoramento quinzenal ou semanal para ver a taxa de incidência, o que a gente só sabe com testagem.

Seria necessária uma testagem em massa, então?

Não precisa fazer em massa, mas, pelo menos, tem que monitorar o espalhamento de vírus, se está subindo ou descendo. Por exemplo, ir a várias UPAs (Unidades de Pronto Atendimento) das cidades e colher amostras de quem está com síndrome gripal, e fazer o PCR. Repete-se a avaliação de 15 em 15 dias para ver como está a tendência da epidemia. Se ela voltar a subir, tem que travar de novo. O teste rápido não adianta muito, ele é o responsável pelo número de casos subir até o infinito, não parando nunca.

Quais são, então, os benefícios em se flexibilizar a quarentena neste momento?

A quarentena tem os efeitos dela, continua dando efeito. O problema é que já há muitos pacientes com doenças crônicas que não estão indo a hospitais. É preciso uma flexibilização mínima para isso começar a fluir. Senão vai ter mais gente morrendo de infarto e outras doenças por falta de acesso.

A flexibilização não pode provocar um colapso ainda maior do sistema de saúde?

O nosso sistema de saúde já vem colapsando há muito tempo. Qualquer coisa põe ele em colapso. É muito complexo. Também não é para medir a epidemia por síndrome gripal. Daqui a pouco, chega o inverno e tem influenza. É como ver o elefante pela tromba, pelo rabo ou pelo corpo. Eu não sei. Cada um está enxergando de um jeito, e ninguém tem a figura real dela.

O momento escolhido por São Paulo e Rio para iniciar a quarentena foi correto?

Sim, e achatou a curva, sem dúvida nenhuma.

Há muitos especialistas contrários à flexibilização.

Quem é contra a flexibilização não está avaliando que daqui a uma semana ou duas tem que ver quais são os novos casos, porque a epidemia está sendo alimentada pelos casos velhos. Está entrando muito dado de teste rápido, teria que depurar com cuidado para não ter interpretação errônea.

Existe um modelo ideal de flexibilização?

Os modelos adotados por São Paulo, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul fazem sentido, são racionais. É como tem que seguir. Só acho que tem que adicionar, a esta flexibilização, uma métrica de testagem, aí é possível ver o que está acontecendo com a epidemia.

“Acho que tem que adicionar, a esta flexibilização, uma métrica de testagem, aí é possível ver o que está acontecendo com a epidemia”