Correio braziliense, n. 20851 , 24/06/2020. Brasil, p.7

 

Investidores ameaçam sair

Simone Kafruni

24/06/2020

 

 

POLÍTICA AMBIENTAL » Preocupados com o desmatamento na Amazônia e com a segurança dos povos indígenas, grupo internacional envia carta aberta às embaixadas do Brasil e pedem reunião. Fundos têm o controle de US$ 3,6 trilhões de ativos

A política ambiental do Brasil está afastando investimentos internacionais a ponto de um grupo de 29 investidores da Europa, Estados Unidos e Ásia, que controla mais de US$ 3,6 trilhões em gestão de ativos, enviar uma carta às embaixadas do Brasil nos Estados Unidos, Reino Unido, Holanda, França, Noruega e Suécia, solicitando reuniões com os diplomatas brasileiros. No documento, mostram “profunda preocupação com o avanço do desmatamento e com o crescente enfraquecimento das políticas ambientais, de direitos humanos e esvaziamento dos órgãos de fiscalização”, o que tem “criado incerteza generalizada sobre investir ou fornecer serviços financeiros ao Brasil”. Também lamentam as declarações recentes do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, de que aproveitaria a pandemia para “passar a boiada”.

O grupo é liderado pela norueguesa Storebrand, e conta com o apoio de fundos como o Legal and General Investment Management (LGIM), do Reino Unido; a Sumitomo Mitsui Trust Asset Management, do Japão; e o NN Investment Partners, dos Países Baixos. “Como instituições financeiras, que têm o dever fiduciário de agir no melhor interesse de nossos clientes a longo prazo, reconhecemos o papel crucial que as florestas tropicais desempenham no combate às mudanças climáticas, na proteção da biodiversidade e no fornecimento de serviços ecossistêmicos”, afirmam, no documento.

Para os investidores, o Brasil tem um papel histórico de liderança no combate ao desmatamento, ao mesmo tempo em que oferece condições favoráveis para negócios e investimentos. “No entanto, como instituições financeiras, vemos o desmatamento e os seus impactos sobre a biodiversidade e as mudanças climáticas como riscos sistêmicos para nossas carteiras”.

Os 29 signatários também se mostraram preocupados com a Medida Provisória 910 (recentemente alterada para PL 2633/2020), que foi submetida a votação no congresso e que legalizaria a ocupação de terras públicas, principalmente concentradas na Amazônia. “Caso a medida seja aprovada, incentivará a ocupação ilegal de terras públicas e o desmatamento generalizado, que colocariam em risco a sobrevivência da Amazônia e o cumprimento das metas do Acordo de Paris, prejudicando também os direitos das comunidades indígenas e tradicionais”, alertam.

“Declarações recentes do Ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, usando a crise causada pela pandemia para promover a desregulamentação ambiental e os projetos de lei, visando legalizar a ocupação de terras e florestas públicas, abrir os territórios dos povos indígenas para mineração e enfraquecer o sistema de licenciamento ambiental são apenas algumas das ameaças que temos observado em relação às políticas ambientais e aos direitos humanos no Brasil”, pontuam.

Os investidores ainda alertaram para o impacto financeiro do desmatamento, com potenciais riscos de reputação, operacionais e regulatórios de seus clientes. “Estamos preocupados com a dificuldade das empresas e cadeias de suprimentos no Brasil em acessar os mercados internacionais. Também é provável que os títulos públicos brasileiros sejam considerados de alto risco se o desmatamento continuar.”

Apesar das ameaças, o grupo diz querer continuar investindo no Brasil, mas, para isso, o governo brasileiro teria de demonstrar “um claro compromisso com a eliminação do desmatamento e a proteção dos direitos dos povos indígenas”. Sugere, ainda, “políticas robustas para a redução do desmatamento e a proteção dos direitos humanos como soluções essenciais para contribuir para mercados financeiros eficientes e sustentáveis a longo prazo”.

Repercussão

Presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia disse, ontem, que o Brasil deveria dar um “sinal mais claro" sobre as políticas ambientais para não afastar investimentos. Maia afirmou ter recebido cartas de muitos investidores estrangeiros preocupados com a condução da política ambiental e destacou que o setor é caro a empresários americanos e europeus. “O governo deveria dar um sinal mais claro em relação ao meio ambiente. Nós sabemos que esse é um ponto importante para muitos investidores no mundo.”

Para os ambientalistas, a mensagem é clara: “A postura do governo Bolsonaro em relação ao desmatamento e à proteção dos direitos humanos pode promover uma fuga de investidores internacionais do Brasil. Menos investidores significa menos dinheiro vindo para o país e, consequentemente, menos empregos e menos geração de renda. A política anti-ambiental do governo Bolsonaro está deixando suas marcas na floresta, em seus povos e na economia do Brasil”, comentou Luiza Lima, porta-voz da campanha de Políticas Públicas do Greenpeace Brasil. Procurado, o Ministério do Meio Ambiente não se manifestou.